Marc Randolph, cofundador da Netflix: “A gente só conseguiu porque criou um processo para testar ideias ruins rápido. Era isso ou quebrar.” (South Summit/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 6 de junho de 2025 às 06h10.
Última atualização em 6 de junho de 2025 às 07h56.
Madri (Espanha)* – Teve fila de espera na porta, plateia cheia e gente encostada nos corredores do Arena Stage, o principal palco do South Summit Madri. Tudo para ouvir Marc Randolph, cofundador da Netflix.
Durante cerca de 30 minutos, ele narrou a origem da empresa, o dia em que quase a venderam para a Blockbuster, e o que aprenderam com os testes que não funcionaram.
A empresa ainda era pequena, operava com DVDs enviados pelo correio e acumulava perdas de 50 milhões de dólares.
A solução, pensaram ele e o cofundador Reed Hastings, era propor uma fusão.
Marcaram uma reunião com a Blockbuster em Dallas. “Eles riram da nossa cara”, disse Randolph. “E foi uma longa viagem de volta.”
Hoje, a Netflix vale mais de 420 bilhões de dólares. E a recusa virou símbolo da cegueira de grandes corporações diante de mudanças inevitáveis.
Mas o ponto que mais chama a atenção - da plateia do South Summit e de quem escuta a história contada pelo empreendedor - é que Randolph não tenta reescrever a história como se tudo tivesse sido planejado. Ao contrário.
“A gente só conseguiu porque criou um processo para testar ideias ruins rápido. Era isso ou quebrar.”
A frase foi dita no palco, mas também resume a cultura que ele ajudou a formar na Netflix. E que segue sendo sua principal bandeira ao orientar startups e novos empreendedores.
Na época da reunião, a Blockbuster tinha mais de 60.000 funcionários e quase 9.000 lojas.
A Netflix, por outro lado, tinha pouco mais de 100 pessoas e faturava 5 milhões por ano. A proposta: unir forças.
“Eles ficariam com as lojas, a gente com o online. Um modelo híbrido”, disse.
A reação foi imediata. “Eles riram da nossa cara. Aquilo que, para a gente, era uma chance de sobreviver, para eles parecia uma piada.”
Depois da recusa, a realidade bateu. Sem comprador e sem caixa, o time da Netflix teve que se reorganizar. Cortes de pessoal, redução de salários e foco total em encontrar um modelo viável.
A resposta veio com o modelo de assinatura — sem prazos de devolução e sem multas. Foi a primeira vez em que a empresa sentiu tração real.
Randolph defende que o diferencial da Netflix não foi a tecnologia, e sim a cultura criada desde os primeiros dias. “Cultura não é o que você escreve no site da empresa. É o que as pessoas aprendem umas com as outras no dia a dia.”
Desde cedo, a empresa operava com uma política mínima de regras. Nada de guias de viagem, limite de despesas ou controle de férias.
“A regra era: use seu bom julgamento”, explicou. Isso exigia um cuidado obsessivo com quem era contratado e com o acesso à informação para tomar decisões.
Um bom exemplo, segundo ele, era a meta pessoal de Reed Hastings quando era CEO: passar o maior tempo possível sem precisar tomar decisões. “Se você tem as pessoas certas, com as informações certas, elas decidem melhor do que você.”
A armadilha comum, segundo Randolph, é criar processos para compensar contratações ruins.
“Você começa a proteger a empresa de quem tem mau julgamento. E aí vem a burocracia. A gente foi na direção contrária: construir uma cultura que só funciona com gente que sabe decidir bem.”
Outro ponto central era a honestidade radical entre os times. “Se você diz que valoriza transparência, mas tolera um gestor que grita ou manipula, a cultura se quebra. A cultura vem do exemplo. O que você tolera, você reforça.”
Randolph derrubou um mito comum no mundo das startups: o valor da boa ideia.
“O problema não é ter boas ideias. O problema é transformar uma boa ideia em algo que funcione no mundo real. E isso só acontece depois que você testa dezenas de ideias ruins.”
No início da Netflix, cada nova ideia levava semanas para ir ao ar. Tinha layout polido, cópia profissional, testes técnicos.
“A gente gastava muito tempo e energia, e quando a ideia falhava, era um desperdício.” Aos poucos, aprenderam a testar mais rápido, com menos perfeição. “E descobrimos que o cliente responde mesmo quando o teste está feio — se a ideia for boa.”
Foi assim que nasceu o modelo de assinatura, que virou o principal diferencial da empresa nos primeiros anos.
Randolph também foi questionado sobre o momento certo de levantar investimento. E respondeu sem rodeios: só levante capital se houver dois motivos claros. Primeiro, uma janela curta de tempo que exige velocidade. Segundo, disposição real para abrir mão de controle.
“Quando alguém investe em você, não é por simpatia. É porque quer o dinheiro de volta multiplicado. Você passa a ter uma obrigação, moral e legal, de entregar isso. E talvez as decisões que precisem ser tomadas não sejam as que você gostaria.”
Randolph deixou o cargo de CEO já no início da jornada da Netflix. Hastings assumiu. Mais tarde, ele também saiu da presidência. “Percebi que não gostava dos problemas de empresa grande. Eu gosto de caos, produto inacabado, equipe pequena. Gosto da fase de descoberta.”
Hoje, Randolph investe e orienta empreendedores em fase inicial. O que ele busca? Não é ideia.
“O que eu procuro é alguém que consiga abandonar más ideias com rapidez, mas insista em resolver o problema certo. A pessoa certa vale mais que qualquer tecnologia.
*O repórter viajou a convite da IE University