Volodymyr Zelensky: presidente da Ucrânia enfrenta crises interna e externa ao mesmo tempo (Ozan Kose/AFP)
Repórter
Publicado em 21 de novembro de 2025 às 15h40.
Última atualização em 21 de novembro de 2025 às 15h49.
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, enfrenta um de seus momentos mais difíceis em quase quatro anos de guerra contra a Rússia. Ele é pressionado pelos Estados Unidos a aceitar um acordo pelo qual teria de ceder vários territórios para os russos. O presidente Donald Trump disse querer uma resposta até quinta-feira, que vem, dia 27. Ao mesmo tempo, Zelensky é questionado por um grande caso de corrupção em seu governo.
O esquema de desvios teria resultado em roubo de até US$ 100 milhões da empresa estatal de energia Energoatom, segundo investigação de autoridades ucranianas. Os envolvidos, através de contratos ilícitos, receberiam de 10 a 15% do dinheiro desviado. Parte dos lucros financiava moradias de luxo em Kiev, e outra parte poderia ter sido enviada a Moscou.
Na quarta-feira, 19, houve uma votação no parlamento, na qual foram destituídos dos cargos a ministra da Energia, Svitlana Hrinchuk e o da Justiça, Herman Halushchenko, por seu suposto envolvimento no escândalo. Outros nomes que apareceram nas investigações são os de Oleksiy Chernyshov, ex-vice-primeiro-ministro e Timur Mindich, parceiro de negócios de Zelensky.
O Departamento Anticorrupção da Ucrânia, com a sigla NABU na língua nacional, conduziu profunda investigação na qual secretamente gravaram conversas dentro de apartamentos e escritórios em Kiev.
Na casa de Mindich, acusado de coordenar o esquema, foi encontrado uma privada de ouro maciço. Mindich fugiu do país horas antes de ser apreendido por investigadores.
Ao todo, seis suspeitos já foram presos. Dentre eles, Chernyshov, Halushchenko e Hrinchuk negam ter qualquer envolvimento com o escândalo. Todavia, gravações da investigação sugerem o oposto – além de gravações revelarem que estariam reclamado de dor nas costas após terem carregado “malas de dinheiro”, também foi revelado que os suspeitos operavam sob codinomes: Mindich seria chamado de “Carlson”, Chernyshov seria “Che Guevara” e Halushchenko seria o “Professor”.
Investigadores também foram intimidados: alguns chegaram a ser detidos em julho, e o partido de Zelensky tentou retirar a capacidade da NABU de operar de maneira independente, medida que foi frustrada por intensos protestos pelo país. Além do mais, suspeitos de envolvimento no escândalo também teriam usado suas credenciais para acessar câmeras de segurança CCTV a fim de monitorar detetives, e os ameaçaram.
Com isso, o partido de Zelensky se encontra fragmentado e em posição instável: membros do partido buscam mais demissões, e partidos da oposição aproveitam a oportunidade: “Eles (membros do parlamento) querem vingança por quatro anos de humilhação”, disse à Economist um membro da oposição, sob anonimato. Enquanto isso, Zelensky, pessoalmente, diz estar “abismado” com as revelações.
Os impactos desse escândalo podem levar a deserções por parte dos soldados ucranianos e falta de confiança pode dificultar que o país consiga o financiamento estrangeiro que precisa, estimado em US$ 100 bilhões por ano.
Ao mesmo tempo, a imprensa americana revelou que um plano de cessar-fogo com 28 pontos, elaborado pelo representante de Trump, Steve Witkoff, e pelo enviado de Putin, Kirill Dmitriev. O plano exige grandes concessões da Ucrânia — o país reduziria seu exército em 60%, cederia mais território, seria proibida de possuir certos tipos de armas, e nenhuma tropa estrangeira poderia permanecer em solo ucraniano. Além disso, o russo se tornaria a segunda língua oficial do país e a Igreja Ortodoxa Russa seria restaurada dentro da Ucrânia.
As regiões orientais de Donetsk e Lugansk, assim como a Crimeia, anexada em 2014, seriam "reconhecidas de fato como russas, inclusive pelos Estados Unidos", e Moscou receberia outros territórios ucranianos que hoje ainda estão sob o controle de Kiev.
Por fim, o plano também obrigaria a Ucrânia a colocar em sua Constituição que não vai aderir à Otan.
O plano foi desenhado totalmente sem o conhecimento da Ucrânia que, no momento, o rejeita completamente, apesar do apoio dos Estados Unidos.
"A margem de liberdade de decisão diminui (...) à medida que perde mais territórios", declarou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.
Mesmo assim, Zelensky conversou, nesta sexta-feira 21, com representantes franceses, alemães e britânicos sobre o plano. "Estamos trabalhando no documento preparado pela parte americana. Este deve ser um plano que garanta uma paz real e digna", postou Zelensky no X, ex-Twitter, após um telefonema com o presidente francês, Emmanuel Macron, e os chefes de governo da Alemanha e do Reino Unido, respectivamente, Friedrich Merz e Keir Starmer.
Os líderes europeus expressaram seu "apoio inabalável" à Ucrânia e "concordaram seguir buscando o objetivo de preservar, no longo prazo, os interesses vitais europeus e ucranianos", declarou o governo alemão.
Segundo a presidência francesa, os dirigentes também reafirmaram que "todas as decisões que tenham implicações para os interesses da Europa e da OTAN requerem o apoio conjunto e o consenso dos sócios europeus e dos aliados da OTAN".
Zelensky afirmou à Ucrânia, em um discurso por vídeo nessa sexta-feira, que vai propor "alternativas" ao plano americano e prometeu que não vai "trair" os interesses ucranianos.
"Vou apresentar argumentos, vou persuadir, vou propor alternativas", declarou o presidente.
A Rússia, cujas tropas seguem reivindicando a cada semana a tomada de novos povoados ao longo da linha de frente, pressionou para que o presidente ucraniano comece a negociar "agora".
Zelensky, por sua vez, disse na quinta-feira que espera abordar o plano com Trump nos "próximos dias".
A Ucrânia não aceitará nenhum plano que viole suas "linhas vermelhas", assegurou, nesta sexta, pelo Facebook, Rustem Umerov, secretário do Conselho de Segurança Nacional da Ucrânia, que liderou a delegação de Kiev nas últimas rodadas de negociações com a Rússia. Zelensky antecipa "negociações muito difíceis".
Com informações da AFP