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Urânio enriquecido: para que serve e como ele é armazenado no Irã?

O investimento do Irã no enriquecimento de urânio gera tensões com Israel e os Estados Unidos, sobre a possível fabricação de armas nucleares. Especialista fala sobre esse tipo de urânio e os impactos após ataque

À medida que o Irã avança no processo de enriquecimento do urânio, a crescente possibilidade de desenvolver armas nucleares gera tensão no Ocidente (Lisi Niesner/Reuters)

À medida que o Irã avança no processo de enriquecimento do urânio, a crescente possibilidade de desenvolver armas nucleares gera tensão no Ocidente (Lisi Niesner/Reuters)

Publicado em 22 de junho de 2025 às 16h17.

Última atualização em 22 de junho de 2025 às 18h31.

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O Irã tem investido no enriquecimento de urânio com o objetivo de impulsionar sua capacidade de geração de energia nuclear. No entanto, à medida que o país avança no processo de enriquecimento, a crescente possibilidade de desenvolver armas nucleares gerou tensão no Ocidente, particularmente em suas relações com Israel e Estados Unidos.

Este cenário tem gerado preocupações globais sobre a segurança e as implicações geopolíticas do programa nuclear iraniano, o que estimulou o ataque dos Estados Unidos neste fim de semana.

O urânio enriquecido é uma substância vital para a geração de energia nuclear e também um elemento-chave no desenvolvimento de armas nucleares. Seu processo de enriquecimento, armazenamento e uso envolvem protocolos de segurança rigorosos devido aos perigos associados à sua alta radioatividade.

Em entrevista à EXAME, Pedro Côrtes, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP, explica como o urânio enriquecido funciona, suas aplicações e como ele é armazenado.

Como funciona o processo de enriquecimento

O urânio encontrado na natureza tem concentração de 99% do isótopo U-238. Apenas 0,7% é do isótopo U-235, que é o que interessa para fins energéticos ou militares (há ainda uma concentração residual de U-234, que é inespecífico). O urânio natural, composto principalmente de U-238, é transformado em gás (UF6) e separado por métodos como centrífugas ou difusão gasosa. As centrífugas giram a alta velocidade para separar os isótopos com base em sua massa, concentrando o U-235.

"O processo de enriquecimento do urânio busca aumentar a concentração do isótopo U-235, em relação aos outros isótopos, que embora tenham o mesmo comportamento químico, são diferentes em relação ao comportamento físico, especialmente em relação à radiação,” afirma.

Para chegar em um urânio enriquecido, a concentração do U-235 tem que sair de 0,7% e atingir níveis, por exemplo, de 3% a 5%, para que ele possa ser utilizado para fins de geração de energia elétrica, afirma Côrtes.

“Esse isótopo é mais radioativo, e à medida que você aumenta a concentração, aumenta a emissão de radiação. No caso da geração de energia elétrica, isso aumenta o potencial de gerar calor, que é usado para aquecer a água e gerar vapor. Esse vapor movimenta, por exemplo, as turbinas que vão gerar energia elétrica", afirma.

À medida que a concentração do isótopo U-235 é aumentada, sobe o poder de radiação do urânio, que passa a ser utilizado para finalidades médicas. "É muito comum você fazer a irradiação a partir desses concentrados de urânio para matar as células cancerígenas", afirma o professor.

Quando a concentração do U-235 chega a níveis próximos de 90% ou superiores, o urânio se torna útil para a confecção de bombas atômicas. "O urânio enriquecido é perigoso à medida que você vai aumentando a concentração dele. Quanto mais concentrado, mais radioativo ele é", diz Côrtes.

Há urânio enriquecido no Brasil? 

No Brasil, o urânio enriquecido é utilizado em várias aplicações, como em reatores de pesquisa e para geração de energia elétrica nas usinas nucleares de Angra 1 e Angra 2.

"O urânio enriquecido é armazenado na instalação onde ele é usado, como nas usinas nucleares e nas instalações médicas, que adotam protocolos de segurança para proteger as pessoas contra a radiação", afirma Côrtes.

Quando o urânio enriquecido deixa de ser utilizado, há uma série de protocolos para que ele seja armazenado adequadamente, garantindo que não haja riscos à saúde humana ou ao meio ambiente, conta o especialista.

O caso do Irã: uso pacífico ou militar?

O uso de urânio enriquecido pelo Irã tem gerado controvérsia, com o país alegando que deseja enriquecer urânio apenas para fins pacíficos. “Neste caso com uma concentração em torno de 30%”, afirma Cortês. No entanto, especialistas estimam que o Irã já tenha a capacidade de gerar urânio enriquecido em torno de 90%, o que permitiria a ele construir bombas atômicas, conta o professor da USP.

A diferença crucial entre o uso pacífico e o uso militar do urânio enriquecido está, portanto, no nível de concentração do isótopo U-235. "Para fins energéticos, uma concentração de 3% a 5% é suficiente. Já para a fabricação de armas nucleares, é necessário um nível de enriquecimento muito mais alto", afirma Côrtes.

Como o material nuclear fica após o ataque dos Estados Unidos?

No caso do ataque dos Estados Unidos às instalações nucleares do Irã, que armazenam urânio enriquecido, o urânio pode ser disperso no meio ambiente.

"Se as instalações forem seriamente danificadas, o urânio enriquecido, eventualmente existente lá pode ser disseminado no meio ambiente. Isso vai depender da quantidade de urânio disponível e do grau de destruição das instalações", afirma Côrtes. "A dispersão pode ser ainda mais perigosa dependendo de como ele for disseminado, por meio do vento ou das águas."

Segundo Rafael Grossi, diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), não há sinal de radiotividade após o ataque. A Agência de Energia Iraniana prometeu continuar com as atividades nucleares, informando que as centrais já estão sendo reconstruídas, após o ataque dos Estados Unidos neste fim de semana. Segundo o conselheiro do líder supremo, Ali Khamenei, o Irã segue tendo urânio enriquecido apesar dos bombardeios americanos contra as principais instalações nucleares do país.

"Embora instalações nucleares tenham sido destruídas, o jogo não terminou, os materiais enriquecidos, o conhecimento autóctono e a vontade política se mantêm", diz Ali Shamkhani, em uma mensagem publicada no X.

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