Agência de notícias
Publicado em 10 de agosto de 2025 às 17h52.
A mexicana Karla Estrella cumpre, neste domingo (10), uma inédita pena judicial: desculpar-se por 30 dias seguidos por ter criticado um casal de políticos governistas no X.
Seu caso se soma a denúncias de jornalistas e veículos de comunicação sobre as pressões crescentes por fiscalizar o poder, ao ponto de a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) advertir para "uma tendência preocupante" de novas formas de "censura judicial e legislativa" no México.
"Eu te peço desculpas (...) pela mensagem que esteve carregada de violência simbólica, psicológica (...), assim como de discriminação, baseada em estereótipos de gênero", escreveu no X Estrella - arquiteta e dona de casa de 47 anos -, durante o último mês.
A punição que lhe foi imposta por um tribunal eleitoral deixou um gosto amargo.
"É uma situação de desamparo", diz à AFP Estrella, originária de Hermosillo (Sonora, norte).
O caso remonta a fevereiro de 2024, quando a mulher, muito ativa no X, acusou de nepotismo o deputado Sergio Gutiérrez Luna, atual presidente da Câmara de Deputados e membro do Morena, o partido da presidente de esquerda Claudia Sheinbaum.
A beneficiária do suposto abuso era a esposa de Gutiérrez, Diana Karina Barreras, que então era candidata a deputada, mas não foi mencionada na publicação.
Sua mensagem foi uma das muitas que milhões de mexicanos publicam nas redes sociais contra seus líderes políticos, habitualmente por suspeitas de corrupção.
Infelizmente para Estrella, a deputada Barreras denunciou o caso, que terminou com uma sentença inapelável: culpada de "violência política" de gênero.
Segundo a corte, a publicação "afetou" o desempenho profissional de Barreras, ao colocá-la na posição de "subordinação a uma figura masculina, minimizando suas capacidades e trajetória".
Embora Estrella tenha explicado que sua mensagem só criticava o deputado, os magistrados refutaram seus argumentos.
"Sou uma cidadã normal, que usa suas redes para opinar, para se divertir, para se informar. Não tenho o poder de mudar a política no México, nem essa foi a intenção", afirmou Estrella, ainda incrédula diante da mobilização de recursos públicos para processá-la.
Apesar de os denunciantes militarem em seu partido, a presidente Sheinbaum considerou a sanção um "excesso", ao destacar que "o poder é humildade, não soberba".
A punição de Estrella se fundamentou em duas leis, uma sobre violência política de gênero e outra que regula a propaganda eleitoral em veículos de comunicação, como rádio e televisão.
Mas aplicar aos cidadãos comuns normas concebidas para "partidos políticos, grandes empresários e meios de comunicação" abre a porta para "violações graves à liberdade de expressão", comentou Mariana Calderón, advogada de Estrella.
"Fizeram uma espécie de gambiarra", ao combinar as duas normas, acrescentou a diretora da ONG Centro Nacional de Litígio Estratégico.
Além do pedido de desculpas e do pagamento de uma multa, o nome de Estrella ficará exposto publicamente até 2027 como "pessoa sancionada" por violência política de gênero.
A sanção, no entanto, teve um efeito bumerangue para os deputados, pois opositores e usuários das redes não param de publicar fotos e vídeos mostrando a aparente vida de ostentação do casal.
Com seu senso de humor intacto, Estrella, que durante o mês de punição passou de cerca de 7.000 para quase 60.000 seguidores no X, está decidida a levar seu caso a instâncias internacionais.
"Vamos à Corte Interamericana (...) porque o que os magistrados fizeram comigo foi, sim, um excesso. Como já não há outra instância aqui no México que me ampare (...), a ideia é pedir ajuda de alguém imparcial que possa dar seu veredicto", afirma.