Agência de notícias
Publicado em 3 de julho de 2025 às 10h50.
O Exército de Israel usou uma bomba de 230 kg de fabricação americana no ataque que atingiu uma cafeteria lotada à beira-mar na Cidade de Gaza na última segunda-feira, publicou o jornal britânico The Guardian nesta quinta.
Especialistas em armamentos e direito internacional ouvidos pelo veículo afirmaram que o uso de uma munição desse porte, apesar da presença conhecida de numerosos civis desprotegidos — incluindo crianças, mulheres e idosos — é ilegal e pode constituir um crime de guerra.
Fragmentos da arma encontrados nas ruínas da cafeteria al-Baqa e fotografados pelo Guardian foram identificados por especialistas como partes de uma bomba de uso geral MK-82 de 230 kg, amplamente utilizada em campanhas de bombardeios nas últimas décadas.
A grande cratera deixada pela explosão reforça a avaliação, embora Trevor Ball, pesquisador de armamentos e ex-técnico do Exército dos Estados Unidos especializado em desativação de explosivos, também tenha sugerido que possa ter sido uma bomba MPR500.
A ofensiva ocorreu em um dos poucos locais de lazer para jovens e famílias que ainda se mantinham ativos no território palestino. Autoridades médicas e outras fontes relataram que entre 24 e 36 pessoas foram mortas no ataque, e dezenas ficaram feridas.
Entre os mortos estavam o fotojornalista palestino Ismail Abu Hatab e o artista Frans al-Salmi, que já havia feito uma exposição internacional. A jornalista Bayan Abu Sultan também ficou ferida no ataque, que não foi precedido por ordem de evacuação, segundo moradores.
"— Sempre há muita gente nesse lugar, que oferece bebidas, áreas para famílias e acesso à internet", disse à AFP Ahmed al-Nayrab, de 26 anos, que estava por perto quando ouviu uma “enorme explosão”. "— Vi pedaços de corpos voando por toda parte, corpos despedaçados e queimados. Foi uma cena arrepiante. Todos gritavam. Os feridos clamavam por socorro, as famílias choravam por seus mortos."
Outras testemunhas relataram ter visto o corpo de uma criança de 4 anos, um idoso com ambas as pernas decepadas e muitos outros com ferimentos graves.
Fotografias mostravam poças de sangue e pedaços de carne entre colunas de concreto destruídas e telhados despedaçados, além da cratera profunda que sugere o uso de uma arma poderosa por parte de Israel.
O porta-voz do Exército israelense afirmou que "antes do ataque, foram tomadas medidas para mitigar o risco de atingir civis". Não foi informado, porém, quem era o alvo da operação.
"[Os militares israelenses] disseram que usaram vigilância aérea para minimizar as baixas civis, o que significa que sabiam que a cafeteria estava cheia de clientes naquele momento.
Eles também sabiam que o uso de uma grande bomba aérea guiada mataria e mutilaria muitos dos civis presentes", disse Gerry Simpson, pesquisador da Human Rights Watch, ao Guardian. "O uso de uma arma tão pesada em uma cafeteria obviamente lotada levanta a possibilidade de que tenha sido um ataque ilegal, desproporcional ou indiscriminado, e isso deve ser investigado como um crime de guerra."
Segundo o direito internacional baseado nas Convenções de Genebra, é proibido a uma força militar realizar ataques que causem "perda incidental de vidas civis" que seja "excessiva ou desproporcional" em relação à vantagem militar esperada.
O que é considerado aceitável está sujeito a interpretação, mas especialistas afirmam que apenas um alvo cuja eliminação possa ter impacto muito significativo no curso de um conflito justificaria a morte de dezenas de civis.
Israel possui uma ampla variedade de munições e frequentemente utilizou armas muito menores em ataques de precisão contra indivíduos em Gaza, no Líbano e, mais recentemente, em sua ofensiva aérea no Irã.
Em uma longa declaração divulgada no início deste ano, as Forças Armadas israelenses afirmaram que, mesmo com as medidas mais sofisticadas para avaliar o impacto sobre civis, os resultados quase nunca são perfeitos, e que a escolha de munições é "uma questão profissional, dependente da natureza do objetivo do ataque".
"Enquanto alguns alvos são adequados para cargas menores, outros podem exigir munições mais pesadas para garantir o sucesso da missão — por exemplo, quando se pretende destruir estruturas construídas com certos materiais resistentes, grandes construções ou túneis". Na terça-feira, um porta-voz do governo israelense afirmou que o Exército "jamais, em hipótese alguma, tem civis como alvo".
Israel intensificou sua ofensiva em Gaza nos últimos dias, com ondas de bombardeios aéreos e novas ordens de evacuação que forçaram milhares de pessoas a deixarem abrigos improvisados no norte do enclave.
As ordens alertavam sobre ataques iminentes e instruíam os palestinos a se dirigirem ao sul, para zonas costeiras superlotadas, onde há poucas instalações e abastecimento limitado de água. Cerca de 80% do território agora está coberto por essas ordens ou sob controle israelense.
O conflito mais recente começou quando membros do Hamas lançaram um ataque ao sul de Israel em 7 de outubro de 2023, matando cerca de 1,2 mil pessoas, a maioria civis, e sequestrando cerca de 250. A ofensiva militar subsequente de Israel já matou mais de 56,5 mil palestinos, a maioria civis, desalojou quase toda a população da Faixa de Gaza e reduziu grande parte do território a escombros.