Agência de notícias
Publicado em 18 de setembro de 2025 às 15h04.
Última atualização em 18 de setembro de 2025 às 15h27.
Um dia após o banco central da Argentina fazer sua primeira intervenção no câmbio desde o pacote de socorro do FMI em abril, o dólar voltou a subir frente ao peso, encostando no limite máximo da banda cambial do país.
O dólar chegou a 1.474 pesos às 11h50, no horário local. A banda cambial é ajustada diariamente, e o limite superior do peso para esta quinta-feira é de 1.474,83. Mas o sistema oficial de negociações do país só permite ofertas de compra e venda de dólares com diferenças de preços de 50 centavos e, por questões práticas, o banco central arredonda o número — com isso, na prática, o limite da banda de quinta-feira poderá ser considerado pelo BC local como de 1.475 pesos.
Na terça-feira, o BC argentino vendeu US$ 53 milhões no mercado de câmbio, mostraram os dados diários sobre reservas internacionais do país divulgados no fim da noite. A intervenção foi a primeira após o país ter adotado um regime de banda cambial numa tentativa de liberalizar seu confuso mercado de câmbio, que há décadas funcionava com taxas controladas pelo governo.
Num dia de forte nervosismo nos mercados, os títulos argentinos estão sendo negociados com perdas e o risco-país superou os 1.300 pontos, chegando 1.337, o maior patamar em um ano.
A necessidade de intervir no câmbio foi mais um revés para o presidente Javier Milei, que enfrenta uma crescente perda de popularidade e uma deterioração nos indicadores econômicos — também na quarta-feira, foi divulgado que o PIB argentino se contraiu em 0,1% no último trimestre.
Até quarta-feira, a autoridade monetária argentina não havia atuado diretamente para reforçar o peso desde que Milei fechou um pacote de socorro de US$ 20 bilhões com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em abril. Nesse arranjo, o banco central de Milei suspendeu alguns controles cambiais e concordou em deixar o peso flutuar livremente dentro de uma banda estabelecida, que se expande gradualmente em 1% ao mês.
Uma vez que o peso atinge o piso ou o teto da banda, as autoridades monetárias estão autorizadas, segundo o acordo com o FMI, a intervir diretamente.
Até então, o governo Milei vinha recorrendo a outros instrumentos para segurar a taxa de câmbio, por exemplo, operações no mercado futuro ou exigências maiores de depósitos compulsórios por parte dos bancos do país.
As bandas definidas pelas autoridades no acordo com o FMI vão se ampliando gradativamente, 1% ao mês em cada direção, de forma escalonada diariamente. Usando esse cálculo, o peso ultrapassou o limite superior de 1.474,345 por dólar na quarta-feira, quando foi negociado a 1.474,50 por dólar.
No entanto, o sistema oficial de negociação da Argentina só permite ofertas de compra e vendas de dólar com até duas casas decimais (ou seja, de 50 centavos em 50 centavos). Isso faz com que, na prática, o banco central arredonde a cotação do peso no limite superior da banda cambial.
Assim, pelo critério de arredondamento feito pelo banco central argentino, o limite máximo da banda cambial na quarta-feira seria exatamente de 1.474,50 por dólar.
Ou seja, a autoridade monetária negou que tivesse havido rompimento da banda cambial porque, do seu ponto de vista, o limite não teria sido rompido. Apesar disso, os dados diários das reservas cambiais divulgados no fim da noite confirmam que houve uma intervenção no mercado de câmbio — o que, pelo acordo com o FMI, só pode ocorrer quando as cotações ultrapassam o limite máximo da banda cambial.
A intervenção no câmbio reflete as tensões crescentes no mercado argentino, com o governo Milei tentando conter a inflação, ao mesmo tempo que precisa preservar suas reservas em dólar para que o governo continue pagando suas dívidas, inclusive com o FMI. O Fundo demonstrou preocupação, nos bastidores, de que o dinheiro liberado no seu pacote recorde de socorro ao país acabasse sendo "torrado" para segurar o dólar.
Com as eleições parlamentares do país a poucas semanas de distância, o presidente tenta projetar estabilidade econômica para conquistar mais apoio no Congresso e avançar com sua agenda de reformas econômicas. Por isso, analistas do mercado acreditam que as intervenções no câmbio devem continuar:
— A esta altura, eles precisam avançar e há munição para defender a banda em uma primeira fase — disse Alejandro Cuadrado, estrategista do BBVA em Nova York.
Paula Gandara, diretora de investimentos da Adcap Asset Management, em Buenos Aires, também acredita que a pressão no mercado deve continuar elevada diante da proximidade das eleições legislativas nacionais da Argentina em 26 de outubro.
— A moeda vai permanecer no teto da banda — afirmou.
Mas investidores alertam que defender o peso no teto da banda pode ter um custo elevado, já que as reservas líquidas do banco central do país permanecem muito baixas. Muitos já falam que talvez seja preciso acelerar a flexibilização cambial, ajustando mais rapidamente os limites para as cotações de câmbio.
— É melhor ajustar a banda para cima. Eles precisam reduzir as taxas locais para evitar uma recessão e manter a sustentabilidade fiscal. Contanto que seja de forma ordenada, tudo bem. Também é importante evitar queimar reservas em moeda estrangeira em uma batalha que provavelmente não vão vencer — avalia Thierry Larose, gestor de portfólio da Vontobel Asset Management.
As perdas do peso não poderiam vir num momento pior para o governo de Milei. O sentimento do mercado na Argentina já é negativo, enquanto investidores questionam seu apoio político vacilante após uma dura derrota eleitoral em uma votação provincial em Buenos Aires, no início deste mês.
Em outro revés na quarta-feira, a Câmara dos Deputados rejeitou, por maioria de dois terços, os vetos de Milei a projetos de lei que aumentariam os gastos com universidades e saúde. Agora, esses projetos seguem para o Senado, que é ainda mais hostil ao governo.
Novos dados oficiais também confirmaram que a economia teve uma leve contração no segundo trimestre, enquanto economistas esperavam um crescimento moderado. Além disso, uma nova pesquisa mostrou que a taxa de desaprovação de Milei atingiu um novo recorde em setembro.