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Da diplomacia ao flerte com a guerra: Como Trump cedeu à Netanyahu e mudou posição sobre Irã

Apoio velado dos EUA marca reviravolta na postura do país no Oriente Médio após fracasso nas negociações envolvendo programa nuclear iraniano

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu (à esq.), e o presidente americano, Donald Trump, durante coletiva conjunta na Casa Branca (Official White House Photo by Shealah Craighead/Flickr)

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu (à esq.), e o presidente americano, Donald Trump, durante coletiva conjunta na Casa Branca (Official White House Photo by Shealah Craighead/Flickr)

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 18 de junho de 2025 às 07h57.

Última atualização em 18 de junho de 2025 às 07h58.

No final do mês passado, as agências de inteligência dos Estados Unidos, que monitoravam as atividades militares de Israel e as discussões entre a liderança política do país, chegaram a uma conclusão alarmante: o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu planejava um ataque iminente ao programa nuclear iraniano — com ou sem a participação dos EUA.

Netanyahu passou mais de uma década alertando que um ataque militar devastador seria necessário antes que o Irã atingisse a capacidade de construir rapidamente uma bomba nuclear. Ainda assim, ele sempre recuou após sucessivos presidentes americanos deixarem claro que não apoiariam um ataque, temendo as consequências de mais uma guerra no Oriente Médio.

Desta vez, porém, a avaliação da inteligência americana era que Netanyahu se preparava não apenas para um ataque limitado às instalações nucleares, mas para uma ofensiva muito mais ampla, capaz de ameaçar a própria sobrevivência do regime iraniano — e que ele estava disposto a agir sozinho.

A informação deixou o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, diante de escolhas difíceis. Ele estava comprometido com uma tentativa diplomática de persuadir o Irã a abandonar suas ambições nucleares e já havia rejeitado, em abril, uma primeira investida de Netanyahu para convencê-lo de que era hora de atacar. Durante uma ligação tensa no final de maio, Trump novamente advertiu o líder israelense contra uma ação unilateral que sabotasse as negociações.

Mas, ao longo das semanas seguintes, membros do governo Trump passaram a acreditar que talvez não conseguissem conter Netanyahu dessa vez, segundo entrevistas do New York Times com autoridades envolvidas nas deliberações e outras pessoas familiarizadas com o assunto. Ao mesmo tempo, Trump começava a ficar impaciente com o ritmo lento das conversas com Teerã e a suspeitar que os iranianos não estavam negociando de boa-fé.

Ao contrário do que alegava Israel, altos funcionários da Casa Branca disseram não haver novas evidências de que o Irã estivesse correndo para construir uma bomba, o que justificaria um ataque preventivo. Ainda assim, diante da crescente percepção de que não estavam mais no controle dos eventos, assessores de Trump passaram a avaliar alternativas.

Em um extremo, havia a possibilidade de não fazer nada e decidir os próximos passos apenas depois de medir os danos do ataque israelense. No outro, considerar o envolvimento direto ao lado de Israel, inclusive pressionando por uma mudança de regime no Irã.

Trump optou por um caminho intermediário: ofereceu a Israel um apoio ainda não revelado por parte dos serviços de inteligência dos EUA para a execução do ataque, e em seguida aumentou a pressão sobre Teerã para que aceitasse concessões imediatas nas negociações, sob pena de novos bombardeios.

Cinco dias após o início da ofensiva israelense, a postura de Trump continuava oscilando. O governo inicialmente se distanciou dos ataques, mas passou a apoiar mais abertamente a ação à medida que os primeiros resultados militares favoráveis começaram a surgir.

Agora, Trump está seriamente considerando enviar aviões americanos para reabastecer os caças israelenses e possivelmente lançar bombas de 13 toneladas sobre a instalação nuclear subterrânea iraniana em Fordow — um gesto que marcaria uma reviravolta impressionante, já que apenas dois meses antes ele se opunha a qualquer ação militar enquanto ainda houvesse chance de um acordo diplomático.

A narrativa por trás do ataque israelense é marcada por dois líderes, Trump e Netanyahu, que compartilham o objetivo de impedir que o Irã obtenha uma bomba nuclear, mas desconfiam das motivações um do outro. Apesar das demonstrações públicas de afinidade, a relação entre ambos sempre foi cercada de tensão.

Entrevistas com duas dezenas de autoridades dos EUA, Israel e países do Golfo Pérsico mostram como Trump hesitou durante meses sobre como — e se — conter os impulsos de Netanyahu enquanto enfrentava a primeira grande crise de política externa de seu segundo mandato. Era uma situação que ele enfrentava com um círculo de conselheiros inexperientes, escolhidos mais por lealdade do que por capacidade.

Na volta apressada de uma cúpula do G7 no Canadá, nesta terça-feira, Trump criticou declarações públicas de sua diretora de inteligência nacional, Tulsi Gabbard, que havia dito que a comunidade de inteligência não acreditava que o Irã estivesse ativamente construindo armas nucleares, apesar do enriquecimento de urânio.

"Não me importa o que ela disse", rebateu o presidente americano. "Acho que eles estavam muito perto de ter a bomba".

Para Netanyahu, os últimos meses representaram o fim de anos tentando convencer os EUA a apoiarem, ou ao menos tolerarem, seu desejo de desferir um golpe fatal no programa nuclear iraniano. E ele parece ter julgado corretamente que, no fim, Trump acabaria cedendo, ainda que a contragosto.

Procurado, um porta-voz da Casa Branca indicou comentários públicos do presidente sobre não permitir que o Irã obtenha uma arma nuclear.

'Vamos ter que ajudá-lo'

No dia 8 de junho, Trump se reuniu com seus principais assessores no retiro presidencial de Camp David para revisar a situação. O diretor da CIA, John Ratcliffe, foi direto: era altamente provável que Israel atacasse o Irã em breve, com ou sem apoio dos EUA.

A reunião, realizada no Laurel Lodge, contou com mapas preparados pelo chefe do Estado-Maior Conjunto, general Dan Caine. Durante duas horas e meia, ele e Ratcliffe descreveram suas expectativas para o ataque israelense. Tulsi Gabbard estava em serviço com a Guarda Nacional e não participou.

Os assessores já vinham se preparando. Desde o final de maio, tinham recebido informações preocupantes sobre os planos israelenses. Com base nisso, o vice-presidente americano, JD Vance, e o secretário de Estado Marco Rubio — que acumulava também a função de conselheiro de segurança nacional — começaram a montar uma lista de opções para uma resposta rápida, se necessário.

Ratcliffe intensificou os esforços de inteligência, e, nas duas semanas seguintes, reuniões internas buscaram definir esse “cardápio” de opções para Trump.

No dia seguinte ao encontro, em 9 de junho, Trump ligou para Netanyahu. O premier israelense foi direto: a missão estava pronta. Ele revelou que havia forças israelenses já posicionadas dentro do Irã.

Trump ficou impressionado com a ousadia do plano e, ao encerrar a ligação, disse a assessores: “Acho que vamos ter que ajudá-lo”.

Ainda assim, ele seguia dividido sobre o que fazer. Durante a semana, continuou questionando os conselheiros. Ele queria controlar a situação com o Irã à sua maneira e ainda acreditava em sua habilidade de fechar um acordo. Mas havia chegado à conclusão de que os iranianos estavam apenas enrolando.

Ao contrário de alguns integrantes da ala não intervencionista de seu partido, Trump nunca acreditou que os EUA poderiam conviver com um Irã nuclear. Ele compartilhava da visão de Netanyahu de que o Irã era uma ameaça existencial para Israel. E dizia aos auxiliares que Netanyahu faria o que fosse necessário para proteger seu país.

O caminho diplomático

Israel começou a se preparar para o ataque em dezembro, após a destruição do Hezbollah no Líbano (aliado do Irã) e a queda do regime de Bashar al-Assad na Síria, o que liberou espaço aéreo para bombardeios.

No dia 4 de fevereiro, Netanyahu visitou Trump na Casa Branca e apresentou imagens de instalações nucleares iranianas. Os israelenses alegaram que, quanto mais fraco o Irã ficava, mais rapidamente avançava em direção à bomba.

Eles também argumentaram que, para as negociações funcionarem, seria necessário demonstrar força. Em conversas reservadas, expressaram medo de que Trump aceitasse um acordo fraco, semelhante ao firmado por Barack Obama em 2015.

Depois da eleição, Trump nomeou Steve Witkoff como enviado especial ao Oriente Médio, encarregado de negociar com o Irã. Em março, Trump enviou uma carta ao líder supremo da República Islâmica, o aiatolá Ali Khamenei, dizendo que não queria guerra e desejava um acordo.

Apesar de tensões internas sobre o tema Irã-Israel, não havia grandes divisões ideológicas como em seu primeiro mandato. A nova equipe apoiava suas decisões.

As negociações se intensificaram em abril, em Omã. No fim de maio, os EUA apresentaram uma proposta: fim do enriquecimento iraniano e criação de um consórcio regional de energia nuclear com EUA, Irã, Arábia Saudita e Emirados.

Mantendo opções militares

Mesmo investindo na diplomacia, Trump autorizou o Comando Central dos EUA a trabalhar com Israel no planejamento de possíveis ataques. Em fevereiro, três cenários foram traçados: apoio logístico a Israel; ataques conjuntos; ou operação americana com apoio israelense. Um quarto cenário, com tropas de elite, foi descartado.

Mas Netanyahu ficou impaciente. Em abril, voltou à Casa Branca e pediu bombas “destruidoras de bunkers” para acabar com Fordow. Trump recusou. A equipe americana alertou que Israel não deveria agir sozinho. Apesar da tensão, acreditava-se que a mensagem havia sido entendida.

Contudo, a inteligência americana detectou o avanço de mísseis iranianos e o prosseguimento dos planos de ataque por Israel. Na ligação de maio, Trump expressou irritação com Netanyahu.

Em 4 de junho, Khamenei rejeitou a proposta americana. Trump já não acreditava em um acordo. No mesmo dia, o comentarista conservador Mark Levin se reuniu com o presidente e o influenciou contra o Irã.

A equipe marcou nova reunião em Camp David. Trump ainda falava publicamente em diplomacia, mas nos bastidores já sabia que o ataque começaria no dia seguinte.

Na noite do ataque, Trump participou das discussões na sala de emergência da Casa Branca. Inicialmente, o governo se distanciou dos bombardeios. Mas, ao ver o sucesso das ações israelenses, Trump mudou de posição.

Na manhã seguinte, assistiu à cobertura da Fox News, que exaltava a “genialidade militar” de Israel. Trump passou a insinuar que seu governo teve papel maior do que se sabia e começou a considerar liberar as bombas destruidores de bunkers.

Mesmo após os ataques, Trump ainda cogitava enviar representantes para tentar uma saída diplomática. No entanto, ao deixar o G7 e voltar às pressas a Washington nesta terça-feira, já parecia claro que a guerra com o Irã não terminaria tão cedo.

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