O presidente interino da Síria, Ahmed al-Sharaa, discursa durante conferência de diálogo nacional ( SANA/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 17 de julho de 2025 às 13h07.
Após uma série de ataques aéreos israelenses contra Damasco na quarta-feira, 16, a Síria concordou em retirar suas tropas da cidade de Sweida, no sul do país, após firmar um novo acordo de cessar-fogo com milícias drusas na região.
Em discurso televisionado à nação na madrugada desta quinta-feira, 17, o presidente sírio, Ahmed al-Sharaa, afirmou que o país estava diante de duas opções: uma “guerra aberta” com Israel, ao “custo dos cidadãos drusos”, ou permitir que os líderes religiosos “retornem à razão e priorizem o interesse nacional”.
"Não temos medo da guerra; nossa história está repleta de batalhas em defesa do nosso povo, mas escolhemos o caminho que coloca o bem-estar dos sírios acima do caos e da destruição", declarou o mandatário.
Israel intensificou os ataques contra a Síria apesar da pressão dos Estados Unidos, que vêm tentando encerrar o isolamento internacional do país desde que rebeldes tomaram o poder com a queda do regime de Bashar al-Assad, em dezembro. Na quarta-feira, a ofensiva israelense teve como alvo vários edifícios do governo e deixou pelo menos três mortos. Um vídeo registrado ao vivo por uma emissora síria mostrou o prédio do Ministério da Defesa sendo atingido, forçando a âncora a se proteger.
"A entidade israelense, conhecida por suas repetidas tentativas de nos desestabilizar e semear a divisão, mais uma vez busca transformar nossa terra em um campo de batalha do caos e desmontar o tecido do nosso povo", acrescentou al-Sharaa, acusando Israel de tentar dividir a população síria e prometendo proteger os direitos da minoria drusa.
O secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, afirmou na quarta-feira que o governo do presidente americano, Donald Trump, havia iniciado conversas com todas as partes envolvidas no conflito para pôr fim aos confrontos na Síria. Ele também descreveu a recente tensão entre Israel e Síria como um “mal-entendido”, afirmando ter estado em diálogo com ambas as partes “durante toda a manhã”:
“Concordamos com medidas específicas que encerrarão essa situação perturbadora e horrível ainda hoje (quarta-feira). Isso exigirá que todas as partes cumpram os compromissos assumidos, e é exatamente isso que esperamos que aconteça”, disse Rubio no X.
O governo sírio de fato anunciou na quarta-feira que suas Forças Armadas começaram a se retirar de Sweida, segundo a agência estatal SANA, com imagens exibidas pela televisão síria mostrando um comboio de veículos militares deixando a cidade. A imprensa local afirmou que a retirada ocorria “em cumprimento ao acordo alcançado entre o Estado sírio e a liderança religiosa drusa na cidade, após o Exército concluir sua missão de perseguir grupos fora da lei”.
Israel lançou centenas de ofensivas aéreas e realizou incursões no sul da Síria desde que um grupo rebelde liderado por al-Sharaa derrubou Assad, mas os ataques de quarta-feira foram uma escalada significativa. Ao todo, pelo menos 516 pessoas foram mortas em Sweida desde domingo, incluindo forças do governo, combatentes drusos e civis, segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH).
O Estado judeu afirma que suas ações têm como objetivo proteger os drusos, uma minoria árabe no centro dos confrontos com forças leais ao governo. No entanto, outro motivo por trás da decisão de Israel de atacar pode estar relacionado à oposição ao atual governo sírio. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, já se referiu aos novos líderes do país como um “regime islâmico extremista” e uma ameaça a Israel, publicou a rede americana CNN.
O ministro das Relações Exteriores de Israel, Gideon Sa’ar, afirmou na quarta-feira que seu país deseja “manter o status quo no sul da Síria — uma área próxima à nossa fronteira — e impedir o surgimento de ameaças contra Israel nesse território”.
Por outro lado, o secretário-geral da ONU, António Guterres, expressou alarme com a escalada na região. Em nota divulgada na quarta-feira, ele condenou a violência contra civis, incluindo relatos de assassinatos arbitrários e atos que agravam as tensões no país, além da escalada de ataques aéreos de Israel contra Sweida, Daara e o centro de Damasco, pedindo a cessação imediata de todas as violações à soberania da Síria.
Diversos países da região, incluindo Turquia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Catar, também condenaram os ataques israelenses. O Irã, que travou sua própria guerra com Israel no mês passado, classificou as ofensivas como uma “agressão descontrolada”. António Costa, presidente do Conselho Europeu, afirmou estar “muito preocupado com os ataques israelenses a Damasco”, pedindo respeito à soberania síria.
Os drusos, grupo árabe de cerca de um milhão de pessoas que vivem principalmente na Síria, Líbano e Israel, praticam um ramo do islamismo que não permite conversões — nem para dentro, nem para fora da religião — e não aceita casamentos inter-religiosos. Eles são organizados em redes com múltiplas lideranças, e al-Sharaa, o novo presidente sírio, prometeu a proteção de todas as comunidades diversas do país.
Forças extremistas sunitas leais a ele, no entanto, continuam enfrentando violentamente minorias religiosas, até que a violência explodiu no fim de semana, após o sequestro de um comerciante de verduras druso. O caso desencadeou uma série de sequestros em represália, segundo a OSDH, que monitora a situação no país a partir do Reino Unido. Testemunhas acusaram as forças locais de inúmeros abusos, incluindo execuções de civis e saques.
Mais cedo na quarta-feira, o governo alegou que um novo acordo de cessar-fogo havia sido alcançado, mas uma figura-chave do grupo religioso negou que uma trégua tenha sido firmada. Um cessar-fogo anterior colapsou em poucas horas. Agora, o comunicado da administração afirma que, com o novo cessar-fogo, haverá uma paralisação completa das operações militares, e uma comissão de monitoramento deverá ser formada com líderes drusos. Membros da comunidade irão liderar a segurança na província.
Representando uma das facções em Suweida, o líder espiritual druso Youssef Jarbou confirmou que foi alcançado um acordo para uma “paralisação completa e imediata de todas as operações militares e redução da escalada de todas as partes, com o Exército retornando aos quartéis”. No entanto, Hikmat al-Hijri — uma proeminente figura drusa que havia pedido proteção internacional na quarta-feira — rejeitou a trégua e conclamou seus apoiadores a continuar lutando.