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Na Faria Lima há cerca de 40 mil metros quadrados para uso não comercial atrelado aos Cepacs (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter de Mercados
Publicado em 18 de agosto de 2025 às 06h45.
Um leilão que não costuma durar mais que 15 minutos pode mudar o destino da Faria Lima — a região mais disputada para escritórios de São Paulo e com maior escassez de espaço.
Nesta terça-feira, 19, a prefeitura vai colocar à venda 164 mil Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) da Operação Urbana Consorciada Faria Lima, que se estende da avenida Hélio Pelegrino ao Largo da Batata. Cada título terá preço mínimo de R$ 17,6 mil, o mesmo do último leilão, em 2021, e a expectativa é arrecadar ao menos R$ 2,88 bilhões.
A oferta é vista como praticamente a última grande chance para construtoras ampliarem empreendimentos na região. Restarão apenas 54,5 mil certificados disponíveis para o futuro, e o cenário macroeconômico — com juros altos e margens apertadas — aumenta o peso estratégico da decisão.
A expectativa era de uma demanda forte, mas a insegurança jurídica, com uma liminar concedida neste fim de semana contra alguns pontos relevantes da lei que viabilizou essa oferta de Cepacs pode mudar o cenário.
Mesmo antes da liminar, especialistas ouvidos pela EXAME viam boa procura, mas não acreditavam em prêmios muito expressivos sobre o preço mínimo — já considerado bastante elevado.
“Os leilões passados tiveram ágio significativo, mas era outro momento, com juros menores e menos títulos à venda”, diz Fabio Rocha, sócio de direito imobiliário no Pinheiro Neto. “Agora há demanda, há um clima de ‘agora ou nunca’, mas também um teto: ninguém entra para perder dinheiro.”
Sérgio Belleza, diretor de transações da Binswanger Brazil, vai na mesma direção. “Quem tem terreno não tem alternativa: precisa comprar”, afirma.
A rigor, qualquer um — empresa ou pessoa física — pode participar do leilão de Cepacs. Mas ele não vê espaço para especulação, prática que, segundo ele, nunca foi comum neste mercado. O alto preço e o risco de não conseguir usar o título no local desejado reforçam essa percepção.
A arquiteta e ex-secretária municipal de Urbanismo e Licenciamento, Heloísa Proença, coordenou os estudos para a implantação da lei que criou a Operação Urbana Faria Lima, em 1995, endossa o coro.
“Na época, a dificuldade era como traduzir o valor do título, que fosse atrelado ao valor de mercado e, ainda por cima, por localização e por metro quadrado. Embora se imaginasse que ele pudesse ser um ativo atraente para qualquer cidadão, por conta do atrelamento que ele tem na questão dos estoques, ele tem o perfil imobiliário”, explica.
Outro ponto que limita a disputa é a dificuldade de fechar a conta. Além do custo do Cepac, entram na equação o preço do terreno, o custo da obra e o financiamento — tudo num ambiente de juros altos e pagamento à vista dos títulos.
Belleza testemunhou lotes de casas disponíveis na região, que poderiam estar no leilão, rejeitados por grandes incorporadoras — “a demanda não está aquela loucura”, opina.
O valor mínimo do título é o mesmo valor do último leilão, sem ajuste. Para o presidente da CBRE Brasil, Adriano Sartori, isso tem muito tem a ver com a dificuldade das empresas de rodar viabilidade em cima de um valor mais alto. “Entendo que o agente público, receoso que não houvesse o volume de vendas esperado, não fez o reajuste”, diz.
Dentro deste cenário, poucos dias antes do leilão, a Justiça de São Paulo concedeu uma liminar suspendendo itens das leis que viabilizaram o leilão dos Cepacs — e que podem mudar drasticamente a atratividade dos títulos.
A revisão da Lei da Operação Urbana Consorciada Faria Lima (OUCFL), aprovada 2024, criou uma regra que determina que os títulos utilizados em imóveis localizados no entorno de eixos de transporte tenham um aumento gratuito — isento de impostos — de 30% na sua conversão em potencial construtivo.
“Antes você poderia construir 30% a mais de área comprando determinado número de Cepacs. Agora que estão tirando este desconto na equivalência, precisará comprar mais títulos para construir o volume de área previsto anteriormente. Ou seja, encareceu muito a operação”, explica Sartori.
Outra regra na mira da liminar é a que estendia o bônus para Cepacs vendidos antes da entrada em vigor das novas regras, o que, segundo o Ministério Público, geraria um enriquecimento ilícito dos proprietários destes títulos, além de uma perda de R$ 174 milhões ao município.
A liminar foi concedida na sexta à noite. No sábado de manhã, o prefeito Ricardo Nunes informou em nota que o leilão está mantido.
O horizonte, que já estava nebuloso, fica ainda mais — com esta segunda-feira, 17, sendo decisiva para o leilão. Para os mais pessimistas, a praça pode ser adiada. Mas há quem opine que, caso a liminar seja derrubada, ele deve acontecer sem maiores problemas.
Criados em 1994, os Cepacs são títulos emitidos pela prefeitura que permitem construir acima do limite definido pela lei de zoneamento, dentro de áreas específicas das operações urbanas consorciadas. Cada título equivale a uma quantidade de metros quadrados adicionais, que varia conforme a localização e o uso — comercial ou residencial — do projeto.
A conversão é menos vantajosa nas áreas mais valorizadas, como o miolo da Faria Lima, onde um título pode garantir apenas meio metro quadrado, explica Adriana Batista, sócia da NB Engenharia. Já em regiões mais próximas a Pinheiros, a mesma unidade pode permitir mais de dois metros quadrados.
Além disso, não basta ter o título: é preciso vinculá-lo ao terreno no ato ou pouco depois da compra, já que o estoque de cada setor é limitado. “Se o potencial construtivo da sub-região acaba, não adianta ter Cepac e terreno — você não poderá usá-lo ali”, explica Adriano Sartori, presidente da CBRE Brasil.
O estoque disponível — cerca de 250 mil m² de potencial construtivo — só existe graças à revisão da operação urbana aprovada em 2024, que reabriu espaço após o esgotamento anterior. No segmento não comercial da Faria Lima, há apenas 40 mil m² disponíveis.
Perímetros e setores de operação da Operação Urbana Consorciada Faria Lima
O primeiro leilão de Cepacs da Faria Lima aconteceu em 2004, com lance inicial de R$ 1,1 mil e sem ágio. Por mais de uma década, os preços avançaram lentamente, até dispararem em 2019: o valor inicial subiu de R$ 6,5 mil para R$ 17,6 mil, um ágio de 170%, na venda de 93 mil títulos e arrecadação de R$ 1,6 bilhão.
No leilão seguinte, em 2021, o preço inicial foi mantido, mas apenas 83% dos títulos ofertados foram vendidos — 10,3 mil unidades, somando R$ 183 milhões, sem ágio.
O certame desta terça-feira será o 13º da operação urbana e promete ser o mais relevante.