Amy Webb durante o Rio Innovation Week, onde defendeu que o modelo de IA será o principal ponto de contato das marcas com os consumidores (Ag Enquadrar)
Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais
Publicado em 15 de agosto de 2025 às 15h47.
Última atualização em 15 de agosto de 2025 às 15h55.
“O meio ou a mensagem?” Foi com essa pergunta que a futurista americana Amy Webb abriu sua apresentação no Rio Innovation Week nesta quara-feira, 14. A provocação do teórico Marshall McLuhan, formulada nos anos 1960, serviu de ponto de partida para discutir como novas tecnologias, especialmente a inteligência artificial (IA), estão transformando a criação, a distribuição e o consumo de conteúdo e, consequentemente, como as marcas terão de ajustar estratégias para se manterem relevantes nesse novo cenário.
“O CMO precisa ter clareza de pensamento e dedicar 50% do tempo às demandas do presente e 50% ao planejamento do futuro”, diz Webb exclusivamente a EXAME, ao ser questionada sobre como líderes de marketing no Brasil devem construir marcas diante desse cenário de múltiplas plataformas e de um possível futuro sem buscas. Com base em sua previsão, agentes de IA poderão criar, personalizar e entregar produtos e mensagens diretamente aos consumidores, sem a intermediação de pesquisas tradicionais.
Em entrevista, ela avalia que o momento é desafiador para o marketing. “É preciso identificar o que funciona bem e, depois, entender como nos comunicamos com as pessoas. Isso vale para todos os tipos de mensagens — políticas, educacionais ou de consumo. Muitos CMOs ainda pensam apenas no próximo ciclo ou na próxima campanha”, afirma, sugerindo ainda que se mantenham dois P&Ls — um para o presente e outro para o futuro — para garantir que ambas as frentes recebam atenção e recursos adequados.
A visão se conecta ao que defendeu no painel, ao lembrar que, ao longo da história, cada meio deu origem a um tipo específico de criador. “O teatro tinha seus dramaturgos, o rádio, seus comunicadores, a TV, seus apresentadores. Agora, estamos diante de uma multiplicação sem precedentes”, afirmou. Essa expansão, explicou, não se restringe a canais, mas abrange formatos, plataformas e interfaces. Além de TV, rádio e jornal, entram nesse conjunto redes sociais, newsletters, podcasts, transmissões ao vivo, experiências imersivas, ambientes virtuais, dispositivos de voz e, em breve, interfaces controladas por agentes de inteligência artificial.
Hoje, estima Webb, existem cerca de 50 meios e formatos relevantes para se comunicar. Com a evolução da IA, esse número pode ultrapassar 500 em poucos anos. “A seletividade vai se tornar crítica. Não será possível estar em todos os lugares”, afirmou.
Ao explicar seu trabalho, destacou que os novos sistemas de IA não têm como objetivo prever o futuro. “Eles existem para ajudar a tomar as decisões certas agora”, afirmou. Professora na Stern School of Business da Universidade de Nova York e CEO da consultoria Future Today Institute, Webb é autora do Tech Trends Report, relatório anual que antecipa tendências em tecnologia e é lançado durante o festival SXSW, em Austin (EUA). Suas apresentações no evento se consolidaram como ponto de encontro para profissionais brasileiros de marketing, comunicação e inovação.
No Brasil, a recepção não foi diferente. Diante de uma plateia lotada, Webb mostrou como algoritmos já influenciam hábitos de consumo. Após pesquisar exercícios abdominais, passou a receber no feed vídeos da influenciadora brasileira Virgínia Fonseca dançando. “Os sistemas deduziram que, por ter visto conteúdo sobre abdômen, eu teria interesse nela”, relatou, arrancando risos da plateia. Nos conteúdos, aparecia a marca da influenciadora, a We Pink, que vende produtos de beleza. “O algoritmo ligou pontos que, à primeira vista, não fazem sentido. Isso é fundamental para entender como produtos e criadores se conectam no ambiente digital”, disse.
A futurista explicou que, embora esse seja um exemplo pontual, a mesma lógica orienta o avanço da personalização extrema. Citou como possibilidade um protetor solar formulado especificamente para as condições climáticas do Rio de Janeiro e vendido por um criador local. Segundo Webb, esse modelo pode pressionar grandes empresas a rever a produção em massa e investir em linhas hipersegmentadas.
“O modelo tradicional de fabricar para milhões de consumidores iguais será desafiado. A personalização pode fragmentar mercados e dar mais poder a produtores menores e a criadores individuais”, afirmou.
Exemplos como o da recomendação automática de conteúdos ou do protetor solar personalizado representam um estágio inicial do que será possível com os multi-agent systems (MAS), tendência tecnológica destacada por Webb na apresentação. Nesses sistemas, diferentes agentes de IA, cada um especializado em uma função — como analisar comportamento, criar produtos, negociar com fornecedores e definir estratégias de marketing — atuam de forma coordenada e sem interferência humana para resolver problemas complexos que nenhum deles conseguiria sozinho.
“Estamos falando de máquinas que colaboram entre si para atingir objetivos complexos”, disse. Segundo ela, essa evolução permitirá personalizações em escala e poderá transformar completamente a forma como consumidores descobrem, escolhem e recebem produtos e serviços.
Essa mudança pode alterar radicalmente o funcionamento da internet. “O futuro da internet será sem busca”, afirmou. Em vez de pesquisar por um vestido perfeito, um agente de IA vai criar um modelo adaptado ao gosto do usuário, mostrando-o num corpo com medidas semelhantes. Caso aprovado, o próprio agente enviará o pedido diretamente para uma fábrica, que confeccionará a peça sob medida.
Webb também previu o surgimento dos agentes influenciadores, ou seja, inteligências artificiais criadas para interagir não apenas com humanos, mas também com outros agentes de IA. “A audiência será formada por humanos e pela própria IA”, disse.
Para ilustrar como interações complexas podem gerar aprendizados aplicáveis fora do mundo virtual, ela citou o game The Legend of Zelda. Segundo ela, estudar como jogadores exploram mapas, tomam decisões e resolvem missões em ambientes com múltiplas camadas como pode parecer trivial, mas pode ajudar no desenvolvimento de soluções para problemas reais e complexos, como a gestão de cidades ou o planejamento de transportes.
Para mostrar o poder das ferramentas de IA atuais, Webb apresentou um vídeo sintético de si mesma aplicando um creme no rosto, gerado a partir de uma descrição de texto. O conteúdo foi produzido pelo Gemini, modelo de IA do Google, capaz de transformar instruções escritas em vídeos realistas. “Não gravei nada, mas a simulação foi convincente”, disse, destacando ainda que recursos como esse podem impulsionar o marketing e tornar os agentes virtuais mais convincentes. No entanto, também exigem atenção a questões de autenticidade e possíveis usos indevidos.
No campo da comunicação e do consumo, Webb afirmou que a inteligência artificial mudará de forma estrutural o papel das marcas. “Com a inteligência viva, a entrega deixa de ser estática. O produto ou a mensagem se adapta a cada interação”, disse. Isso significa que campanhas, produtos e até a identidade visual poderão mudar em tempo real, de acordo com as reações e preferências de cada pessoa.
Parafraseando a própria futurista, “o modelo de IA é a marca”. Em um futuro próximo, segundo ela, quando um consumidor interagir com uma marca, poderá não estar falando com um humano ou acessando um canal oficial, mas sim com um modelo de IA treinado para entender suas necessidades, responder dúvidas e oferecer soluções de forma personalizada.
“Esse agente será a própria marca, com personalidade, linguagem e comportamento alinhados aos valores que a empresa quer transmitir”, explicou. Ou seja, será o principal ponto de interação com o consumidor, moldando a percepção da empresa e influenciando diretamente as decisões de compra.
Nesse cenário, o design, o tom de voz e a ética do modelo serão parte central da estratégia de branding, uma mudança que, segundo ela, trará novos desafios para equipes de marketing, comunicação e produto, já que será necessário monitorar e atualizar constantemente o comportamento da IA.
“Vocês terão que pensar no modelo como pensam em um gerente de loja, um atendente ou um vendedor — só que ele estará em todos os canais, 24 horas por dia”, afirmou.
Para Webb, a confiança na marca passará não apenas pela qualidade do produto ou serviço, mas também pela transparência e responsabilidade na atuação desse agente digital. “A ética e as decisões que o modelo toma serão percebidas como decisões da própria marca”, afirmou, reiterando: “Inventar o futuro exige coragem”.
Segundo ela, a inovação começa na capacidade de identificar sinais emergentes, mudanças sutis em comportamento, tecnologia e cultura, e analisá-los de forma estruturada. “Quero que vocês sejam inovadores. Isso significa olhar para dados, entender seu contexto e projetar cenários”, disse. “Trabalhamos para enxergar além do óbvio e orientar decisões estratégicas”, finalizou.