Marketing

Mercado Pago e Anitta: a estratégia além do buzz da 'provocação' ao Nubank

O Mercado Pago quer ser visto como banco, não apenas carteira de pagamentos. E por isso, 'roubar' a porta-voz do concorrente foi uma ação de marketing estratégica

Mercado Pago anunciou novo posicionamento de marca e trouxe Anitta como embaixadora no Brasil (Divulgação)

Mercado Pago anunciou novo posicionamento de marca e trouxe Anitta como embaixadora no Brasil (Divulgação)

Publicado em 27 de abril de 2025 às 07h20.

Tudo sobreestrategias-de-marketing
Saiba mais

Quando a cantora Anitta, ex-embaixadora global do Nubank e ex-integrante do seu conselho administrativo, apareceu como o novo rosto do Mercado Pago, muito se falou sobre a provocação ao roxo. A campanha viralizou, é claro. Mas as análises ficaram na superfície — focadas no texto afiado do comercial e na polêmica comparada a um "término de namoro". Poucos perceberam a real inteligência estratégica por trás desse movimento: o Mercado Pago quer ser percebido como banco digital completo, e não apenas como carteira de pagamentos.

A diferença não é trivial. E para entender o que está acontecendo, precisamos falar de pontos de paridade — um conceito fundamental no branding estratégico. No branding, pontos de paridade definem com quem você quer ser comparado. Eles equalizam a percepção básica para depois você trabalhar os pontos de diferença. Sem isso, a marca corre o risco de ser julgada em uma categoria errada.

O Mercado Pago nasceu em 2004 como meio de pagamento do Mercado Livre. Cresceu, acumulou mais de 60 milhões de clientes, mas manteve sua imagem atrelada à plataforma de e-commerce. Era visto como uma "carteira", não como um "banco". Tanto que, em entrevista à imprensa no ano passado, David Vélez, fundador do Nubank, minimizou a concorrência: "(O Mercado Pago é) uma carteira de pagamentos onde você deixa algum dinheiro e pega crédito, não investe suas economias de vida. " Mas o Mercado Pago tem ambições maiores. Em 2023, lançou formalmente seu banco digital e anunciou planos de se tornar o maior e melhor banco digital da América Latina. Mas para isso, precisa mudar a maneira como é percebido.

A estratégia do Mercado Pago lembra o que a Nespresso fez na criação de um novo mercado. A marca, se comparada ao café de coador, seria vista como cara e ineficiente: cápsulas a R$ 3,50 versus R$ 0,50 por dose de café, necessidade de uma máquina específica de R$ 400 versus um coador simples de R$ 15. Mas a Nespresso nunca quis competir com o café de coador. Ela se posicionou como alternativa às opções premium — Starbucks, Santo Grão, cafeterias e restaurantes — onde um espresso custa mais do que o dobro das suas capsulas. Dentro desse "frame of reference", a Nespresso é conveniente, acessível e de alta qualidade. Ao controlar seus pontos de paridade, a Nespresso redefiniu o jogo e enfatizou seus diferenciais. Algo de extrema importância, mas que poucas empresas realmente pensam a respeito.

O Mercado Pago está fazendo o mesmo: está se colocando lado a lado com bancos digitais como Nubank e Inter, e não mais apenas com carteiras de pagamento como PicPay ou PayPal. No modelo clássico de branding, a definição de pontos de paridade é o primeiro passo para construir um posicionamento estratégico consistente. Uma marca precisa primeiro "igualar o jogo" para depois destacar suas diferenças.

Ao contratar Anitta, que já foi símbolo do Nubank, o Mercado Pago está sinalizando que joga no mesmo segmento deles.

É um movimento de reposicionamento claro: iguala-se nos elementos básicos, como conta corrente, cartão de crédito e investimentos, para depois tentar criar diferenças relevantes.

Toda marca é, no fundo, um processo de cocriação de valor. O valor não é apenas criado pela empresa e entregue ao consumidor. Ele surge da interação entre a empresa e o consumidor. Ou seja, o Mercado Pago só será um banco digital na medida em que os consumidores o utilizarem como tal. Se o público continuar enxergando o app apenas como uma forma de pagar compras no Mercado Livre, o investimento em novos serviços bancários será desperdiçado.

Por isso, analisar a campanha e comparar às provocações do Burger King ao McDonald's, ou o antigo caso do Zeca Pagodinho com a Brahma e Nova Schin é entender apenas a construção estética de um discurso.

Para o Mercado Pago, o buzz é só o início do verdadeiro trabalho: migrar usuários de pagamentos para o uso ativo de contas, créditos e investimentos, e oferecer experiências que consolidem a percepção de "banco principal" dos seus clientes.

Reconfigurar o imaginário do consumidor é um dos maiores desafios em branding.

Uma mudança de percepção leva tempo, exige coerência em todas as interfaces da marca e não pode se basear apenas em campanhas publicitárias. O Mercado Pago precisará garantir que seu produto seja, de fato, equivalente à promessa feita: que tenha a robustez, o atendimento, as funcionalidades e a experiência usuário esperadas de um banco de verdade. Campanhas ganham a atenção. Experiências sustentam a mudança.

O caso Mercado Pago vs Nubank é um excelente exemplo de como branding não é apenas sobre "fazer propaganda impactante". É sobre gestão estratégica de percepções, categorias e significados. Toda empresa que busca evoluir ou mudar de mercado precisa planejar com quem quer ser comparada, e quais os pontos de paridade precisa garantir antes de tentar se diferenciar, e se está cocriando o valor certo com seu público.

Se esses pontos forem ignorados, a empresa pode investir milhões em novos produtos, serviços e campanhas — e continuar sendo vista apenas como aquilo que ela sempre foi. No branding, não basta ser. É preciso ser percebido. E ser percebido é um processo que se constrói com estratégia, consistência e, visão de longo prazo. É essa visão que os marqueteiros precisam desenvolver para se tornarem essenciais e passar a sentar na “mesa de gente grande” nas empresas.

Contexto

O Mercado Pago anunciou recentemente seu novo posicionamento de marca, com o objetivo de se consolidar como o banco digital líder na América Latina. A mudança, que inclui uma nova identidade visual divulgada em 15 de abril, visa fortalecer a conexão do banco digital com o ecossistema do Mercado Livre. O novo conceito, baseado no princípio ganha-ganha, destaca a importância de oferecer benefícios mútuos para os usuários.

Para dar visibilidade à nova fase, o Mercado Pago trouxe a cantora Anitta como embaixadora no Brasil. A artista é a protagonista de uma campanha nacional, criada pela agência GUT, com o slogan "Mercado Pago, você tem tudo para ganhar", que será veiculada em TV aberta, mídias digitais e outros canais da marca.

Além do reposicionamento de marca, o Mercado Pago também lançou o Cofrinho “Rendimento Perfeito”, uma reformulação de sua ferramenta de reservas. O novo produto oferece rendimento de até 112% do CDI, o maior do mercado para esse tipo de solução, com a possibilidade de resgatar valores a qualquer momento e com liquidez diária. O Cofrinho está disponível para clientes que depositarem R$ 1 mil ou mais por mês ou sejam assinantes do Meli+, programa de fidelidade do Mercado Livre.

Em nota, a empresa informou que, em 2024, o volume de benefícios oferecidos pelo Mercado Pago ultrapassou R$ 2 bilhões, com cashbacks, descontos e outras vantagens. A companhia também reportou um crescimento de 111% nos ativos sob gestão no Brasil e um faturamento de aproximadamente R$ 24 bilhões no mesmo ano.

Acompanhe tudo sobre:estrategias-de-marketingMercado LivreNubankBrandingBancos

Mais de Marketing

Prêmio que reconhece agências de publicidade independentes tem só uma brasileira

Lembra da patinadora do Carrefour? Ela está de volta em campanha de 50 anos da rede

Qual é o real plano da Brahma ao transformar torcedores em investidores do futebol?

Quer ir para a Coreia do Sul? Boticário mira em fãs de k-dramas para relançar linha clássica