Direto de Manaus, onde o marketing pulsa com identidade regional, floresta e pertencimento. Uma Amazônia que ensina, inspira e transforma (Marc Tawil)
Estrategista de Comunicação
Publicado em 5 de agosto de 2025 às 14h19.
Última atualização em 5 de agosto de 2025 às 15h08.
Escrevo essa coluna diretamente de Manaus, capital do Amazonas, um dos Estados mais emblemáticos da nossa rica e diversa República Federativa. Estou na cidade pela terceira vez desde 2008, quando aqui estreei como repórter da Rádio BandNews FM, a caminho do Festival de Parintins, do qual falo mais adiante.
Desta vez, vim palestrar no primeiro DSX Summit, evento vibrante que colocou o Norte no mapa nacional da inovação, tecnologia e marketing digital. Uma agenda de dois dias que reuniu lideranças locais, empreendedores nacionais, startups da floresta e marcas que já entendem que a Amazônia Legal é ponto de partida para uma nova regeneração do mundo.
Aqui pude assistir a palestras conduzidas por vozes da região, conhecer negócios nascidos no coração da Amazônia e comprovar a força do marketing regional.
A praça de alimentação do evento, por si só, era um manifesto: ao lado da pizza e do sushi, havia filas para um tacacá fumegante, a farofa de camarão, o suco de Taporobá e o potente guaraná amazônico, servido gelado. Cena cotidiana para quem vive aqui talvez, mas um lembrete intenso para quem ainda insiste em padronizar o Brasil.
Manaus, com seus quase 3 milhões de habitantes, cresceu exponencialmente nas últimas décadas. A cidade pulsa em múltiplas direções: do Polo Industrial à arte indígena; do centro antigo aos mercados populares; da Zona Leste à orla revitalizada do Rio Negro.
O trânsito é caótico. O clima, escaldante. Nada disso ofusca, contudo, o que realmente importa por aqui: a IA local. Não a batida Inteligência Artificial; algo mais profundo, que chamo de Inteligência Ancestral.
Aqui na maior capital da Amazônia, aprendi que marketing precisa ser vivido com os cinco sentidos. Não se comunica com os locais com slogans criados no ChatGPT ou mídia programática. É preciso decodificar símbolos, respeitar ritmos e entender a cultura como ponto de partida, e não de chegada.
Ainda vejo marcas e marketeiros insistindo em falar com o Brasil como se estivéssemos diante de um único território, de uma única cultura, de um único público. Basta pousar no Norte, porém, para entender que “comunicar”, aqui, é verbo que exige reverência. Pois a floresta tem sua própria linguagem e o tempo corre em outro compasso.
A Amazônia Legal, criada em 1953 e consolidada por Lei Federal em 1966, abrange nove Estados: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Mato Grosso e parte do Maranhão, e corresponde a 59% do território brasileiro. São cerca de 26,7 milhões de habitantes e aproximadamente 10% do PIB nacional. Um recorte que, por si só, já desafia qualquer tentativa de simplificação.
O Mercado Adolpho Lisboa, cartão-postal da orla de Manaus, com seus cheiros, cores, sabores e vozes, é um universo multisensorial. Construído em 1883, durante o ciclo da borracha, e assinado por Gustave Eiffel, é Patrimônio Histórico Nacional.
Lá dentro, 180 boxes oferecem artesanato indígena, cocares, máscaras, cerâmicas, cipós, sementes, óleos medicinais (copaíba, andiroba, jambu), ervas da medicina tradicional, farinha ovinha, tucupi, doces de castanha, escamas e línguas de pirarucu. Tudo acompanhado de histórias e funcionalidades.
Outro exemplo emblemático de marketing regional bem aplicado está no Manauara Shopping, jovem ícone da lógica amazônica, com 15 anos de vida e raízes profundas.
Mais do que um centro de consumo, o Manauara se afirma como espaço de pertencimento: são 237 lojas e mais de 1 milhão de visitantes por mês circulando por corredores onde, no centro de tudo, respira... uma floresta viva com 3.000 m² de buritis nativos que refrescam, silenciosamente, a experiência de quem passa.
Paisagismo? Não. É identidade em estado bruto.
Grafismos indígenas adornam pisos e forros. Esculturas de animais amazônicos dividem o espaço com restaurantes como o Moquém do Banzeiro e o Waku Sese, que servem tapiocas, mojica, x-caboquinho, tacacá, açaí. E, ao lado disso tudo, convivem em harmonia grifes globais como Coach, Diesel e Ray-Ban.
A 365 quilômetros dali, a uma hora de voo ou 18 de barco, a cidade de Parintins leva essa lógica ao extremo. Durante o Festival Folclórico que acontece no fim de junho, marcas como Coca-Cola, Azul Linhas Aéreas, Bradesco e Natura se veem diante de uma escolha inadiável: ou se adaptam, ou são rejeitadas.
A vermelhíssima Coca-Cola lança latas azuis em homenagem ao Boi Caprichoso. A Azul pinta parte de sua frota de aviões de vermelho, cor do Boi Garantido. A Natura transforma suas lojas em palcos culturais. A Brahma homenageia os bois com latas assinadas por artistas da região.
Em 2024, o festival movimentou R$ 180 milhões e gerou 48 mil empregos. Em 2025, ao completar 60 edições, o faturamento foi um pouco menor, todavia, o número de patrocinadores cresceu. Um sinal claro de que o mercado começa a entender que a Amazônia é território com símbolos próprios, que não cabem em um briefing criado na Faria Lima.
Dados da Kantar, aliás, apontam que 76% dos brasileiros se conectam mais com marcas que valorizam identidade regional. A Nielsen afirma que campanhas localizadas têm até o dobro de conversão fora dos grandes centros. E o Badam, Banco de Dados da Amazônia, oferece indicadores sociais, culturais e econômicos que ajudam marcas a decidirem com mais contexto e menos arrogância.
O marketing que marca presença aqui na Amazônia compreendeu que número de metros quadrados não equivale a homogeneidade. Por isso escuta, se adapta e reverencia.
Seja em Manaus ou em Parintins, a Ilha da Magia do Norte, onde cores têm dono e os símbolos carregam história, marcas e marketeiros que escutam mais do que falam constroem um elo duradouro.
Não é sobre dominar o território. É sobre pertencer a ele.