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Cannes Lions 2025 levanta debate sobre fim da 'era Mad Men' - e Brasil ganha protagonismo criativo

A 72ª edição do festival traz à tona o debate sobre a transição da publicidade tradicional para uma era marcada por dados, tecnologia e eficiência; Brasil se consolida como potência criativa com alta de inscrições e reconhecimento internacional

Cannes Lions 2025 reúne a indústria criativa global em uma edição marcada por dados, impacto e protagonismo brasileiro (Divulgação/Cannes Lions)

Cannes Lions 2025 reúne a indústria criativa global em uma edição marcada por dados, impacto e protagonismo brasileiro (Divulgação/Cannes Lions)

Juliana Pio
Juliana Pio

Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais

Publicado em 16 de junho de 2025 às 08h18.

Última atualização em 16 de junho de 2025 às 09h10.

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CANNES - Já no voo de Roma para Nice, o clima era de Copa do Mundo — e não por causa do Mundial de Clubes, que começou neste fim de semana. Com celulares em mãos, muitos passageiros acompanhavam em tempo real as divulgações das shortlists do chamado Oscar da Publicidade. A argentina Florencia Kessler, diretora global de reputação criativa da Grey, chegou a pedir para trocar de poltrona com a reportagem. Queria ficar mais perto da equipe e comemorar as indicações da agência em dez novas categorias. Só faltou o brinde com rosé. Para muitos a bordo, incluindo vários brasileiros, Nice era apenas uma escala. O destino final é Cannes, que, a partir desta segunda-feira, 16, até sexta, 21, recebe a 72ª edição do Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions.

Famosa pelos festivais de cinema, estrelas de Hollywood e tapetes vermelhos, a cidade na Riviera Francesa se transforma, nessa época, no principal ponto de encontro da indústria criativa global. Saem os vestidos longos e entram os tênis e looks descolados no entorno do Palais des Festivals, onde ocorrem as principais cerimônias.

Criado nos anos 1950 como premiação dos melhores anúncios, o Cannes Lions se tornou uma vitrine para CMOs, tecnologia, entretenimento, influenciadores e todo tipo de intermediário imaginável.

Google, Amazon, TikTok, Meta e até consultorias agora ocupam áreas expressivas — um reflexo da transformação da indústria publicitária e do papel do evento. Antes, Cannes antecipava tendências; hoje, é curador da interseção entre criatividade, tecnologia, cultura e impacto social”, diz Alexandre Peralta, fundador da Peralta Creatives e vencedor de mais de dez Leões, incluindo um Bronze no ano passado com a campanha do Itaú e Madonna que debateu o valor do tempo e o etarismo.

Estima-se que o festival tenha movimentado milhões em 2024, embora o impacto econômico não tenha sido divulgado. Para se ter ideia, na edição atual, inscrever um case custava entre 675 euros (cerca de 4,3 mil reais, na cotação atual) e 2.300 euros (14,7 mil reais ) em categorias premium, sem contar despesas com hospedagem, viagens e ativações. Muitas agências, como a Grey, inscreveram várias campanhas e profissionais.

Veterano de Cannes Lions, Alexandre Peralta relembra a era dos grandes filmes publicitários e questiona os novos rumos da criatividade (Peralta Creatives/Divulgação)

Em 2025, o Cannes Lions recebeu 26.900 cases, ligeiramente acima dos 26.753 de 2024. “Com inscrições de 96 países e crescimento de 16% na América Latina, esperamos uma diversidade global de ideias inovadoras”, diz Simon Cook, CEO da Lions. O Brasil, uma das maiores delegações, enviou 2.736 peças, alta de 32,4% — a segunda maior participação, atrás dos EUA, com 6.797 inscrições.

A presença reforça a potência criativa brasileira, que chega ao festival como o primeiro 'Creative Country of the Year' ('País Criativo do Ano'). O prêmio, incluído oficialmente no calendário neste ano, reconhece não apenas troféus, mas também a diversidade de cases, a formação de profissionais e o impacto social, cultural e econômico. Ao longo da semana, haverá homenagens, showcases, palestras e ativações no pavilhão brasileiro.

Segundo a WARC, os investimentos publicitários no país devem crescer 7,9% em 2025, atingindo R$ 93 bilhões. "O Brasil já é um player importante na publicidade. Queremos dar mais visibilidade aos nossos criativos. Por meio do Creative SP, selecionamos — via chamamento público — 10 agências que, sem o apoio do Estado, não teriam condições de estar em Cannes”, diz Marilia Marton, secretária da Cultura, Economia e Indústria Criativas de São Paulo.

O festival também homenageará Washington Olivetto, falecido em 2024, o “Padrinho da Publicidade Brasileira” e primeiro brasileiro a conquistar um Leão de Ouro, com mais de 50 prêmios ao longo da carreira. Entre as ações, um desfile de carnaval da Acadêmicos do Baixo Augusta na Croisette, principal avenida de Cannes, nesta segunda, 16.

Para Gabriela Borges, presidente da Publicis Brasil, o reconhecimento confirma a presença definitiva do Brasil no mapa da criatividade global. “É uma validação do talento dos nossos profissionais, da diversidade cultural e do potencial de inovação. Isso reforça também a responsabilidade de seguir elevando o país como referência, mostrando que nossa criatividade é capaz de transformar mercados, gerar impacto social e conquistar o reconhecimento que merecemos”, afirma.

Gabriela Borges, presidente da Publicis Brasil, celebra protagonismo criativo brasileiro no Cannes Lions 2025 (Divulgação)

Historicamente, o Brasil já inscreveu mais de 56 mil cases no Cannes Lions, conquistando 1.191 Leões, incluindo 20 Grand Prix, o reconhecimento mais importante. Os primeiros troféus vieram em 1971, com dois bronzes e uma prata, e o primeiro jurado brasileiro foi Alex Periscinoto. Em 1974, Olivetto e Francesc Petit assinaram o primeiro Leão de ouro brasileiro com a campanha “Homem com mais de 40 anos”.

Nas décadas de 1980 e 1990, a publicidade brasileira ganhou destaque global, com nomes como Alexandre Gama, Marcello Serpa e Nizan Guanaes. O primeiro Grand Prix chegou em 1993, pela DM9, com uma campanha para 'Guaraná Antarctica Diet'. Em 2014, o Brasil alcançou a 2ª posição no ranking global de criatividade do Lions, mantendo-se entre os quatro primeiros nos anos seguintes e reassumindo a vice-liderança no ano passado.

A Africa Creative lidera as indicações brasileiras em 2025, com 48 entre 228 trabalhos em 20 shortlists divulgados até este domingo, 15. Ao todo, o festival conta com 30 categorias de premiação. Seguem no top 5: DM9 (26), Gut (22), VML (18) e LePub (17). Projetos da Disney Brasil e ESPN Brasil também figuram entre os finalistas.

A AlmapBBDO também ajudou a colocar o Brasil em destaque este ano com a campanha “Pedigree Caramelo”, finalista na categoria Titanium Lions — a mais prestigiada do festival. O projeto transforma o cão caramelo, ícone da cultura popular brasileira, em uma raça oficial, a partir de sequenciamento genético e iniciativas de incentivo à adoção.

Debate sobre o futuro da criatividade

Mais do que uma premiação de campanhas criativas, o Cannes Lions virou feira de negócios e plataforma de tendências. A edição de 2025 terá cinco trilhas de conteúdo, que abordarão temas como tecnologias emergentes, processos criativos, impacto social, comportamento de consumo e, especialmente, performance.

Serão mais de 150 horas de painéis, workshops e debates com executivos de marcas, agências e plataformas. “Após anos em que propósito e impacto social dominaram as conversas, esta edição traz uma ênfase renovada em eficiência, performance e criatividade orientada a resultados concretos de negócio”, afirma Camila M. Costa, CEO e sócia da iD\TBWA.

Segundo ela, a programação reflete a evolução da indústria ao destacar temas relevantes com foco em traduzir dados, percepções e tendências em conexões emocionais acionáveis. “Estou acompanhando os debates sobre ROI (retorno sobre investimento) real com o uso mais avançado de inteligência artificial e acredito que seguirá em alta a discussão sobre o futuro da comunicação e das agências — com as big techs como aliadas ou não”, afirma a executiva.

Para Camila M. Costa, o festival reflete a nova fase da indústria: dados, eficiência e criatividade orientada a resultados (Divulgação)

Os profissionais lidam com mudanças como IA, declínio da TV linear e instabilidade econômica global, que dificultam planejamentos. A WPP Media revisou para baixo a projeção de crescimento dos investimentos publicitários em 2025, de 7,7% para 6%, citando “disrupções no comércio e desglobalização”.

“A presença crescente da IA na publicidade chama a atenção. A tecnologia transforma criação, personalização e entrega de campanhas, com customização e eficiência antes impensáveis. Essa integração promete moldar o futuro da comunicação de uma maneira que poucos anos atrás parecia ficção científica”, diz Gabriela Borges, da Publicis Brasil.

Esse cenário redefine as prioridades dos clientes e exige novos modelos das agências, com foco em dados e resultados mensuráveis — como mostrou reportagem da EXAME sobre o novo papel do CMO. Ainda há, no entanto, certa nostalgia das grandes campanhas no estilo ‘Mad Men’, da época em que Peralta começou a frequentar o festival.

“Antes, os filmes eram exibidos em tela grande, com plateias lotadas — uma experiência formativa”, lembra o publicitário. “Hoje, ficam no subsolo, com fones de ouvido e cadeiras desconfortáveis — um sinal equivocado para um formato ainda central nas estratégias de marca. Basta lembrar que um comercial no Super Bowl custa 7 milhões de dólares”, completa.

O crescimento do retail media também exemplifica essa mudança. Segundo o WARC, os investimentos no setor — que inclui sites, apps e displays em lojas — devem ultrapassar os da TV linear até 2026. No Brasil, o segmento cresce com novos players, como farmácias e empresas de bens de consumo. Em Cannes, subcategorias de retail media foram incluídas nas premiações Media Lions e Creative Commerce Lions.

Outra categoria em alta é a de criadores de conteúdo, acompanhando o avanço do setor, que deve movimentar 33 bilhões de dólares em 2025 — mais que o triplo dos 10 bilhões de dólares em 2020, segundo a Statista. “Vejo como tentativa prática da indústria de se aproximar dos creators, pois é para lá que a verba publicitária está migrando”, diz Rafaela Lotto, CEO da YouPix no Brasil, consultoria especializada no segmento.

Recém-inserida nesse debate — já que é apenas o segundo ano em que creators participam do festival —, ela considera o esforço positivo, mas ainda distante do debate sobre o futuro da comunicação. “Enquanto publicitários se premiam e tomam rosé, o modelo de negócio deles derrete no Brasil", afirma Lotto.

Os CMOs desempenham papel central no Cannes Lions 2025, liderando discussões sobre inovação, estratégias orientadas a resultados e o futuro da comunicação (Divulgação/Cannes Lions)

Agências passam por transformações

No mercado global, grandes holdings passam por reestruturações. Omnicom e IPG aguardam aprovação para uma fusão que pode formar a maior empresa de publicidade do mundo. Executivos como Mark Read, da WPP, e David Droga, da Accenture Song, anunciaram suas saídas, enquanto cortes de pessoal seguem frequentes.

Nesse cenário, consultorias e agências independentes têm ganhado espaço. “Significativamente”, diz Mark Rotensteiner, diretor de gestão da The Agency, vinculada à Universidade da Flórida, em entrevista à EXAME. Em sua quinta vez no festival, ele aponta que o crescimento desse modelo está ligado à agilidade e à personalização no atendimento, em contraste com as estruturas mais lentas e burocráticas das grandes agências.

“O movimento não se limita aos EUA, e já é observado também em mercados como Reino Unido e Canadá. Há empresas aqui em Cannes buscando alternativas mais dinâmicas para executar suas estratégias de comunicação”, diz Rotensteiner, que veio acompanhado de cinco alunos da universidade, a convite da Disney Advertising. O grupo também atende marcas como Uber, Netflix e Microsoft.

O analista de mercado Brian Wieser afirmou ao Business Insider que as seis maiores holdings representam 30% do mercado nos EUA, ante 40% em 2015 — tendência que deve se refletir em Cannes. O grupo Stagwell, criado por Mark Penn, ex-Microsoft, estará com a ativação “Sport Beach”, atraindo atletas como Billie Jean King e Carmelo Anthony. A Accenture Song terá um catamarã para reuniões e encontros com executivos na costa de Cannes. Mais de 350 marcas participaram no ano passado, número que deve crescer, segundo os organizadores.

Para Brian Morrissey, ex-editor do Digiday e autor do The Rebooting, as mudanças na indústria também afetam a percepção sobre a produção criativa. Comerciais de 30 segundos deram lugar a formatos voltados à ROI, personalização e automação. Ao Business Insider, ele disse que pretende perguntar aos participantes qual foi a melhor campanha dos últimos 12 meses. “Poucos lembrarão. Tudo agora gira em torno dos dados na publicidade”, complementou.

Apesar das transformações, o festival mantém estrutura de luxo. O ingresso mais caro custa 10.945 euros (cerca de 70 mil reais). A programação paralela inclui restaurantes Michelin, passeios de iate e shows de Cardi B, Ludacris e Diplo. Nos bastidores, porém, a disputa mais acirrada é pela atenção (e pela verba) dos CMOs.

  • *A jornalista viajou a convite da Nomad
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