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Turismo de manada: vale a pena seguir multidões em busca do paraíso perdido?

Como fugir de hordas de turistas e tendências instagramáveis, priorizando destinos autênticos e real necessidade de descanso

Overtourism: destinos antes alternativos agora enfrentam superlotação e desafios de sustentabilidade. ( esspeshal/Envato)

Overtourism: destinos antes alternativos agora enfrentam superlotação e desafios de sustentabilidade. ( esspeshal/Envato)

Taiza Krueder
Taiza Krueder

CEO do Grupo Clara Resorts

Publicado em 4 de setembro de 2025 às 14h00.

Os japoneses de Naoshima devem se perguntar a razão da quantidade de estrangeiros de todas as partes, incluindo brasileiros, que têm invadido esse destino tão remoto. Para quem não sabe, ela é conhecida como a “Ilha das Artes” justamente por ser um destino dedicado à arte contemporânea e arquitetura, com hotel e tudo, nos moldes do Clara Arte, o resort inaugurado em dezembro de 2024 dentro do Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG). Por mais que eu faça as contas, não entendo como cabem tantos turistas em Naoshima.

Essa invasão de destinos antes obscuros levanta uma questão fascinante: o que exatamente torna um lugar "trendy" no universo das viagens? A resposta é mais complexa do que parece e revela padrões interessantes sobre nosso comportamento coletivo – ou de manada, como se costuma dizer.

O fato é que o Japão é um destino trendy, seja pelo fato de o país ter preços agora mais atrativos, pois sempre foi muito caro, seja pela Exposição Internacional de Osaka, que acontece até outubro deste ano. Há destinos instagramáveis que entram, como no caso japonês, e voltam de moda, a exemplo da Islândia e as zonas de aurora boreal em países do Ártico. Porém, há aqueles que nunca deixam de ser tendência, como safaris na África ou mesmo uma rápida ida à ilha italiana de Capri.

Paralelo a tudo isso, é interessante notar outros movimentos em curso: o resgate de destinos, como Ibiza e Marbella, na Espanha, Marselha, na França, ou mesmo a descoberta deles, como é o caso da Albânia, o último país a sair do comunismo na Europa. O país tem um mar maravilhoso, compartilhando-o com seus vizinhos mais ricos ou estruturados em turismo, mas é bem mais barato, tanto que está nos meus planos de visita neste agosto – e de lá vou para Seul, na Coreia. E existem ainda destinos que voltaram aos roteiros, como Roma, ainda mais em Ano de Jubileu. Os milhões de turistas que invadem a Cidade Eterna, porém, estão fazendo com que autoridades municipais pensem até mesmo em cobrar ingresso para ver atrações públicas como a Fontana de Trevi – a multidão que tenta diariamente visitá-la é realmente impressionante!

O overtourism é a prova que nem tudo são flores quando um destino vira febre. Segundo levantamento de Federmeccanica e Federturismo, o setor responde na Itália por 30,5% do avanço da economia, superando o comércio, que participa com 16%. No entanto, os números escondem um problema estrutural: 75% dos turistas estrangeiros que vão àquele país se concentram em apenas 4% do território italiano. Além de Roma, cidades como Veneza e Nápoles integram o ranking de visitantes, enquanto outras regiões praticamente recebem pouquíssimo fluxo turístico. E convenhamos: a Itália é muito mais que isso e regiões como a Úmbria, Abruzzo, Molise e Basilicata deveriam, por suas riquezas naturais e culturais, serem também tendência.

A resposta para esse desequilíbrio passa por uma estratégia coordenada entre governo e setor privado: investir em infraestrutura e promoção das regiões menos exploradas, criar incentivos para que operadores de turismo diversifiquem seus roteiros e, principalmente, educar os viajantes sobre as riquezas escondidas desses destinos alternativos. Quando concentramos 75% dos visitantes em apenas 4% do território, não estamos apenas perdendo a oportunidade de distribuir a renda do turismo de forma mais equitativa – estamos, também, privando os viajantes de experiências autênticas e menos massificadas, que são justamente o que muitos buscam hoje. O turismo sustentável não é só sobre preservar o meio ambiente, mas também sobre preservar a qualidade de vida das comunidades locais e garantir que os benefícios econômicos cheguem a mais pessoas e lugares.

Um destino turístico global, no entanto, tornou-se o símbolo da reação contra o “turismo de massa”. Constantemente, os cidadãos saem às ruas de Barcelona, a cidade mais visitada da Espanha, para protestar contra o excesso de turismo. Manifestantes chegaram a usar pistolas de água contra visitantes que comiam ao ar livre em restaurantes, gritando "guiris” – como são chamados pejorativamente os turistas – “vão para casa". A concentração de visitantes pressiona os serviços urbanos e eleva os preços de imóveis e aluguéis. O overtourism afasta moradores e prejudica o bem-estar local. Esses custos não são contabilizados no PIB, mas impactam diretamente a qualidade de vida e a produtividade em áreas como transporte e infraestrutura.

A população nesses locais vive uma vida paralela à dos turistas – ou, pelo menos, tenta. Quando morei em Paris, não conseguia caminhar até o supermercado de tão cheias estavam as ruas e calçadas, transitando com dificuldade com sacolas nas mãos em meio a uma horda infinita de turistas. A capital francesa, entretanto, aproveitou as Olímpiadas de 2024 e se remodelou, inclusive com recursos vindos do turismo, para a sua população e, de quebra, também para os turistas. Isso também acontece com Nova York. Mas Barcelona, que também se transformou para as Olimpíadas de 1992, posteriormente deixou de fazer a lição de casa, não investindo o dinheiro do turismo para beneficiar a sua população – e, com isso, os barceloneses veem os turistas como inimigos.

Essa tensão reflete também uma mudança fundamental no comportamento de quem viaja. Alguém além de mim tem saudades de férias na casa ou no sítio da avó? Quem também sente falta de enfiar as coisas no carro e ir a um lugar simples, perto, com muita natureza e comida caseira? Todos queremos escapar... Pessoalmente, tento balancear tanto as idas ao exterior como “fugir” para um lugar perto e com pouco mais de ócio, do famoso “dolce far niente” que, ao que parece, nem os italianos fazem mais, estressados e reclamões que sempre estão.

Como hoteleira que sou, percebo que essa “fuga” mais que necessária da realidade está reformatando até mesmo o calendário. Antigamente, havia épocas de férias muito bem definidas, em julho e as férias de verão, que coincidem com as férias escolares. Hoje impera o escapismo: toda época do ano se pode tirar férias. As pessoas buscam isso com qualquer desculpa: aniversários, homenagens, pontes de feriado, folgas, destino inusitado.

Essa busca de experiência por escapismo mudou as férias das pessoas. Quem tem filhos em idade escolar acaba tirando naquelas épocas tradicionais. Mas quem não tem ou mesmo os tem adultos, acaba aproveitando as oportunidades para “se desligar do mundo”. Afinal, viajar – fora ou dentro do Brasil – é bom demais! Viajar só nos faz crescer como pessoas, é o único dinheiro que você gasta e volta mais rico.

Fugir das multidões e das tendências instagramáveis, porém, exige coragem para romper com o roteiro padrão e escuta ativa das próprias necessidades. Priorizar destinos autênticos não significa abrir mão da beleza ou da experiência, mas sim buscar lugares que ressoem com o que realmente queremos viver, seja uma vila esquecida no interior da Itália, uma praia deserta no Nordeste brasileiro ou até mesmo o quintal da casa da avó. O descanso verdadeiro não está em acumular check-ins e carimbos no passaporte, mas em permitir-se desacelerar, contemplar e reconectar. É nesse silêncio, longe das filas e dos flashes, que o turismo volta a cumprir sua função mais nobre: renovar o corpo, a mente e a alma.

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