DeCripto: novas regras para declarar cripto não cria novas tributações (Future of Money/Reprodução)
Repórter de finanças
Publicado em 18 de novembro de 2025 às 18h08.
Novas regras entrarão em vigor no ano que vem para quem negocia criptomoedas. Na última sexta-feira, 14, a Receita Federal do Brasil (RFB) publicou uma instrução normativa (IN) que cria a Declaração de Criptoativos (DeCripto) e altera regras tanto para pessoas físicas quanto jurídicas. Hoje, quem compra ou vende criptoativos precisa fazer declaração mensal à Receita Federal caso as operações ultrapassem R$ 30 mil naquele período. A partir de julho de 2026, esse valor mínimo aumenta para R$ 35 mil.
A norma também classifica corretoras de criptomoedas e outras empresas do setor como Prestadoras de Serviço de Ativo Virtual (PSAV). Essa é uma mudança que entra em vigor mais cedo, a partir de 1º de janeiro. Com a nova classificação, as empresas vão ter que implementar procedimentos de prevenção à lavagem de dinheiro e de identificação de clientes.
Essa padronização, por sua vez, atualiza e substitui as regras de 2019, em vigor desde então, adotando o padrão internacional da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), possibilitando a troca automática de informações entre países.
Segundo Ana Carolina Carpinetti, sócia da área tributária de Pinheiro Neto Advogados, a IN é uma padronização de como as instituições devem coletar, conferir e enviar informações ao Fisco, incluindo controles típicos de compliance financeiro.
Ela explica que, atualmente, operações com cripto estão sujeitas apenas à declaração obrigatória à Receita Federal e ao pagamento de IR sobre ganhos de capital acima de R$ 35 mil mensais.
“Não há incidência de IOF, o que acabou abrindo espaço para o uso de ativos digitais como alternativa às transferências tradicionais, sobretudo em pagamentos internacionais”, diz.
Entretanto, o governo brasileiro estuda criar regras para a cobrança de IOF sobre operações com criptoativos, especialmente stablecoins, após o Banco Central ter indicado, neste mês, que parte dessas transações poderá ser enquadrada como operação de câmbio.
"Do ponto de vista de alíquotas e bases de cálculo, nada muda. A instrução normativa [da Decripto] não reduz, nem eleva imposto. Na prática, a fiscalização fica mais efetiva. Com mais dados, a Receita consegue cruzar informações com a Declaração de Imposto de Renda de Pessoa Física (DIRPF) e isso pode gerar mais questionamentos e autuações", diz Lisa Worcman, sócia do escritório Mattos Filho.
"Certamente o fato de dar visibilidade a operações fora do país e que não eram visíveis no Brasil e vice-versa, contribuiu com uma declaração muito mais completa de rendimentos. Diminui o risco de omissões", complementa.
A partir de 1º de julho de 2026, pessoas físicas terão que declarar as movimentações na DeCripto via e-CAC. Será o caso de operações com cripto efetuadas por meio de prestadora de serviços de criptoativo residente no exterior; efetuada por meio de plataforma descentralizada; ou efetuadas sem qualquer participação de prestadora de serviços de cripto.
O mínimo a declarar, de R$ 35 mil, vale para movimentações isoladas ou feitas conjuntamente. A instrução normativa ainda define um conjunto de operações que devem ser reportadas, abrangendo desde compra e venda de criptoativos até permutas entre moedas digitais — como a troca de ETH (ethereum) por BTC (bitcoin).
Também entram airdrops, rendimentos de staking, de mineração, empréstimos, recebimento de cripto como pagamento por bens ou serviços, transferências para carteiras próprias, perdas involuntárias como erros ou golpes, além de swaps em DEX, farming, yield e operações envolvendo distribuição primária, resgate ou tokens referenciados em ativos.
“Ou seja, praticamente tudo o que ocorre em DeFi ou fora de exchanges locais agora entra no radar da Receita”, explica Gislene Cabral, head de Compliance e Riscos da NovaDAX. Ela ainda acrescenta que a definição de “atuar no Brasil” é ampla e deve puxar várias plataformas estrangeiras para dentro da obrigação.
Falha na Cloudflare atinge mercado de criptomoedas e tira sites do arPara além da obrigatoriedade da PF de apresentar a DeCripto, a IN também se aplica a PJ.
Entram nas regras prestadoras de serviço de criptoativo que sejam residentes no Brasil para fins fiscais; sejam constituídas de acordo com as leis no Brasil e tenham personalidade jurídica no país ou sejam obrigadas a apresentarem declarações fiscais relativas à renda à RFB; sejam geridas no Brasil; tenham um local regular de negócios no Brasil; ou prestem serviços de criptoativos no Brasil.
Também é considerado obrigado a declarar entidades residentes ou domiciliadas no Brasil (não prestadoras de serviços de cripto - PJs comuns), no caso de operações com cripto, aquelas efetuadas por meio de prestadora de serviços de criptoativo residente no exterior; efetuadas por meio de plataforma descentralizada; ou efetuadas sem qualquer participação de prestadora de serviços de cripto.
“Em resumo, exchanges declaram automaticamente as operações de seus clientes. Pessoas físicas e jurídicas só declaram quando operam fora de exchanges brasileiras e passam do limite legal”, explica Cabral.
Se não declarar, tem multa?
No caso das pessoas físicas, a DeCripto deverá ser transmitida à Receita Federal via sistema Coleta Nacional, disponibilizado no e-CAC, mensalmente, até o último dia útil do mês-calendário subsequente àquele em que ocorreu o conjunto de operações realizadas com criptoativo declarável, explica Carpinetti à EXAME.
Especificamente no caso da PF, segundo ela, as penalidades são:
A Associação Brasileira de Criptomoedas (ABcripto), afirma que a mudança representa um passo importante para aproximar o Brasil das melhores práticas internacionais de regulação e supervisão.
“A atualização da Receita Federal do Brasil demonstra maturidade institucional e compromisso com a construção de um mercado de criptoativos mais seguro, transparente e integrado às normas globais”, afirma Bernardo Srur, CEO da ABcripto.
Srur destaca também que a nova regra atende a uma demanda antiga do próprio setor por mais previsibilidade e padronização, sem sufocar a inovação.
“A associação ressalta, contudo, que a fase de implementação exigirá atenção, especialmente no processo de adaptação tecnológica e operacional das empresas – nacionais e estrangeiras, que precisarão se adequar ao novo padrão de reporte”, diz.
Para a Associação Brasileira das Empresas Tokenizadoras de Ativos e Blockchain (ABToken), o esforço da RFB em estruturar um mecanismo mais claro e abrangente de coleta de dados é “compreensível” e “cumpre um papel relevante ao transformar diretrizes gerais em rotinas práticas”.
Porém, segundo a entidade, “há situações em que a regulamentação ultrapassa essa função de mero detalhamento e passa a estabelecer elementos que, pela própria lógica do ordenamento jurídico, deveriam estar previamente fixados em lei, especialmente quando envolvem a definição de sujeitos obrigados e a criação de sanções”, diz.
De acordo com a associação, há um descasamento entre lei e a instrução normativa e, nesse momento, surge uma preocupação ao incluir prestadoras de cripto no exterior como obrigadas à DeCripto e definir penalidades, o que acaba criando deveres e sanções que não estão previstos em lei.