Repórter
Publicado em 2 de setembro de 2025 às 11h20.
Última atualização em 2 de setembro de 2025 às 11h33.
A disputa entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, não é de hoje. Trump, que já chamou Powell de "atrasado", "terrível", "muito burro", entre outros xingamentos, ameaçou demiti-lo diversas vezes desde que iniciou seu segundo mandato no começo deste ano.
Uma eventual demissão de Powell seria algo inédito na história dos EUA — até então, nenhum presidente usou esse poder para interferir no banco central —, e pode alterar diretamente o curso da política monetária do país.
Mesmo se não for demitido, o mandato de Powell acaba em maio de 2026. Nos EUA, o presidente do banco central é escolhido pelo chefe de Estado, com o parecer e o consentimento do Senado, e cumpre um mandato de quatro anos. Powell, inicialmente nominado por Trump em 2018, foi renomeado pelo ex-presidente americano Joe Biden em 2022.
Para Paulo Feldmann, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP), é quase uma certeza que o Fed irá perder a independência caso Powell seja demitido ou mesmo ao final de seu mandato.
"É pouco provável que o banco central nos Estados Unidos continue sendo independente de fato. É possível que se diga que formalmente [o Banco Central] é independente, mas certamente não o será. Com Powell sendo substituído, e o mandato dele já próximo do fim, o próximo presidente do Fed será uma pessoa muito ligada a Trump e que não o contesta. Porque é assim que ele fez em praticamente todos os cargos importantes hoje dos Estados Unidos", afirma Feldmann em entrevista à EXAME.
A relação entre Trump e Powell já está tensa há meses, especialmente devido à recusa de Powell em baixar os juros. Trump tem pressionado o Fed para reduzir a taxa de juros de referência, atualmente em 4,25% a 4,5%, alegando que esse patamar impede o crescimento da economia americana. Powell, por sua vez, defende a postura do Fed, afirmando que suas decisões são baseadas em análises econômicas e não políticas.
Outra pessoa na mira de Trump agora é a governadora do Fed, Lisa Cook.
A demissão de Cook foi anunciada por Trump na segunda-feira, 25, sob alegação de fraudes hipotecárias, em uma postagem no TruthSocial. Cook, no entanto, disse que não pretende renunciar ao cargo e que vai continuar exercendo suas funções normalmente. Nenhum presidente havia tentado demitir um governador do Fed nos 112 anos de história da instituição até que Trump publicou uma carta afirmando que Cook estava demitida.
Para Robert J. Barro, professor de economia de Harvard, a saída de Cook não deve causar alterações significativas no Fed.
"Demitir Cook é uma questão diferente. Ele pode demiti-la 'por justa causa'. A acusação de fraude hipotecária foi claramente levantada por motivos políticos [como em outros casos, como o do Senador Schiff]. No caso de Cook, a administração quer usar essa acusação para criar outra vaga no Fed. Mas a política subjacente não significa que a acusação seja infundada", afirma. "E eu não acho que isso teria um grande efeito nos mercados financeiros ou na inflação", afirmou à EXAME.
Para ele, a situação muda se Trump de fato interferir na presidência de Powell. "Demitir Powell teria grandes efeitos adversos, incluindo nas taxas de juro e na inflação. E eu não acho que Trump fará isso", diz.
Segundo Feldmann, "a lógica do Trump é querer ter não só o controle total da política fiscal, mas também da política monetária e da política cambial".
"Essas duas estão na mão do Banco Central. E o Trump, pelo estilo dele e pelo que tem feito, não vai concordar com isso", afirma. "Na próxima oportunidade, Trump vai nomear alguém que vai sempre abaixar a cabeça para tudo o que ele falar."
Segundo o Atlantic Council, think-tank de relações internacionais, evidências históricas mostram que a independência de um Banco Central está correlacionada a uma inflação mais baixa, e vice-versa. Em artigo, a instituição afirma que "a autonomia do Fed é crucial para manter a confiança global nas instituições americanas" e que "a credibilidade respalda o papel do dólar como moeda de reserva mundial e ancora a estabilidade do mercado financeiro".
Em 2022, a Turquia provou a teoria na prática, quando o presidente turco Recep Tayyip Erdogan demitiu o presidente do banco central do país, levando a inflação do país para um patamar de cerca de 80% naquele ano. Por lá, a taxa de juros nominal é de 43% — a mais alta do mundo, na frente da Argentina (29,%), Rússia (20%) e Brasil (15%), segundo dados da consultoria MoneyYou.
A Índia, para Feldmann, é um bom exemplo para o embate entre Trump e Powell.
"A Índia, que é considerada um país democrático, também tem um banco central independente — mas só no papel. Muitas brigas aconteceram entre o primeiro-ministro, principalmente o Modi, e o presidente da autarquia. Então, veja: é comum haver brigas entre o governante do país, seja ele presidente ou primeiro-ministro, e os dirigentes do Banco Central. Não é algo raro", diz.
Em discurso recente no simpósio de Jackson Hole, Powell adotou uma postura mais dovish (mais branda, favorável a juros baixos para estimular a economia), aumentando as apostas de Wall Street sobre um corte nos juros dos EUA já em setembro. A estimativa é de uma probabilidade de 81,9% de corte em setembro, segundo dados do LSEG.
Paula Zogbi, estrategista-chefe da Nomad, afirmou que o discurso de Powell em Jackson Hole trouxe um novo grau de otimismo para um mercado altamente apoiado na expectativa de uma breve retomada do ciclo de cortes de juros.
“Apesar de reconhecer que o ambiente macro continua desafiador, especialmente com as mudanças em imigração e políticas comerciais afetando oferta e demanda com efeitos difíceis de antecipar, o presidente do Fed afirmou que a política monetária está restritiva e sinalizou a proximidade de ajustes, o que resultou em uma resposta imediata dos ativos”, diz.
Em meio às pressões de Trump para cortes imediatos de juros, o presidente do Fed buscou tranquilizar o mercado em relação a interferências políticas nas decisões do banco central.
O presidente do Fed não pode ser demitido pelo presidente dos Estados Unidos sem a comprovação de justa causa, como estabelece a legislação americana. A independência do banco central é protegida por lei e pela Constituição, o que impede que um presidente dispense o chairman por discordâncias políticas ou decisões sobre a política monetária.
A lei americana permite a demissão de membros do conselho do Fed apenas em casos de má conduta, impropriedade ou ineficiência — e não por divergências em relação à taxa de juros ou à condução da economia. Powell, indicado por Donald Trump em 2017 e reconduzido por Joe Biden, tem mandato até 2026 e já afirmou publicamente que não renunciaria ao cargo, mesmo que fosse pressionado a fazê-lo.
O mandato de Jerome Powell à frente do Fed vai até maio de 2026, mas a pressão política e as críticas de Trump levantam dúvidas sobre seu futuro. Se Powell decidir continuar no cargo, ele poderá influenciar as decisões políticas do banco central até o fim de sua nomeação. No entanto, a relação tensa entre Trump e Powell continua a ser um dos maiores desafios da administração, especialmente à medida que o presidente busca alinhar a política monetária às suas metas econômicas.
Para Michelle Weaver, analista do Morgan Stanley, a pressão de Trump em relação ao Fed é "parte de uma tentativa mais ampla de controlar a política monetária para atender aos seus objetivos eleitorais." "Ele está buscando um banco central mais submisso à sua agenda", disse ela à Bloomberg.
A remoção de Powell, no entanto, seria um movimento sem precedentes e representaria um desafio direto à independência do Fed, algo que é garantido por lei desde a sua criação em 1913. Se Trump tentasse demitir Powell, isso poderia gerar uma crise institucional, afetando a confiança do mercado e a estabilidade financeira.
Trump, que frequentemente criticou Powell por aumentos nos juros e chegou a chamá-lo de "inimigo", já cogitou removê-lo da presidência do conselho do Fed e nomear outro para a função. No entanto, essa substituição exigiria o aval da maioria dos demais membros do comitê, o que hoje parece improvável, dado o perfil dos atuais integrantes.