Invest

Entenda por que o mercado financeiro ficou ‘nervoso’ após Lula questionar estabilidade fiscal’

Economistas viram sinais de aumento de dispêndio no próximo ano e risco de elevação da dívida pública

Lula fez críticas “à tal estabilidade fiscal”, ao teto de gastos e perguntou o motivo de o país ter meta de inflação, mas não de crescimento (Gustavo Minas/Bloomberg via/Getty Images)

Lula fez críticas “à tal estabilidade fiscal”, ao teto de gastos e perguntou o motivo de o país ter meta de inflação, mas não de crescimento (Gustavo Minas/Bloomberg via/Getty Images)

AO

Agência O Globo

Publicado em 11 de novembro de 2022 às 12h08.

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva afirmou na quinta-feira em discurso a parlamentares aliados que é preciso mudar a forma de encarar determinados gastos do poder público e que a questão social deve ser colocada à frente de temas que interessam, segundo ele, apenas ao mercado financeiro.

Ele fez críticas “à tal estabilidade fiscal”, ao teto de gastos e perguntou o motivo de o país ter meta de inflação, mas não de crescimento. As declarações dadas durante a primeira visita de Lula ao Centro Cultural Banco do Brasil, onde funciona a transição, foram mal recebidas entre economistas, que viram sinais de aumento de dispêndio no próximo ano e risco de elevação da dívida pública.

PEC da Transição, reabertura da China, reação à onda de balanços e o que mais move o mercado

Com isso, o dólar subiu 4,1%, a maior alta diária desde março de 2020, e encerrou o pregão a R$ 5,39. No mercado de ações, o Ibovespa caiu 3,35%, aos 119.775 pontos, foi a queda mais acentuada desde novembro de 2021.

— Por que as pessoas são levadas a sofrerem por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal desse país? Por que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gastos, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gastos? Por que as mesmas pessoas que discutem teto de gastos com seriedade não discutem a questão social neste país? — disse Lula.

O presidente eleito acrescentou:

— Muitas coisas que são consideradas como gastos neste país precisam passar a ser encaradas como investimento. Não é possível que se tenha cortado dinheiro da Farmácia Popular em nome de que é preciso cumprir a meta fiscal, a regra de ouro.

Após fala de Lula: 'Reação do mercado é ideológica', diz Monica de Bolle sobre alta do dólar

Expectativa com a PEC

A regra de ouro impede que o governo se endivide para pagar despesas correntes, como salários. Enquanto a meta fiscal prevê uma meta para o resultado das contas públicas. Já o teto de gastos trava o crescimento das despesas federais à inflação do ano anterior. Essas são as três regras fiscais em vigor no país.

— Sabe qual é a regra de ouro nesse país? É garantir que nenhuma criança vá dormir sem tomar um copo de leite e acorde sem ter um pão com manteiga para comer todo dia — disse o presidente eleito. Ele acrescentou: — Por que o povo pobre não está na planilha da discussão da macroeconomia? Por que a gente tem meta de inflação, mas não tem meta de crescimento?

O presidente eleito afirmou ainda que a Petrobras não será “fatiada” e que o Banco do Brasil não será privatizado em seu futuro governo, assim como a Caixa Econômica Federal:

— Quero dizer para vocês que as empresas públicas brasileiras serão respeitadas. A Petrobras não vai ser fatiada, quero dizer que o Banco do Brasil não vai ser privatizado, assim como a Caixa Econômica e o BNDES, o BNB (Banco do Nordeste) e o Basa (Banco da Amazônia) voltarão ser bancos de investimento, inclusive para pequenos e médios empreendedores.

No centro das discussões a respeito da estabilidade fiscal está a elaboração da chamada “proposta de emenda à Constituição (PEC) da Transição), que busca levantar recursos para manter o pagamento do Bolsa Família em R$ 600, reajustar o salário mínimo, recompor verbas para programas como o Farmácia Popular e para obras e investimentos.

A saída encontrada foi retirar o Bolsa Família do teto de gastos. Pagar o benefício de R$ 600 e garantir R$ 150 adicionais a famílias com crianças de até seis anos custaria R$ 175 bilhões, que funcionariam como uma licença para gastar.

Os recursos previstos originalmente no Orçamento pelo atual governo para este fim, de R$ 105 bilhões, seriam remanejados para outras despesas, como o salário mínimo, entre outros.

Integrantes do PT trabalhavam ainda na noite de quinta para entregar o texto da PEC após submeter os principais pontos do projeto a lideranças do Congresso. O texto até agora prevê a retirada do Bolsa Família do teto de gastos permanentemente e 2% dos recursos obtidos com receitas extraordinárias do governo.

Análise: 'Apontar incompatibilidade entre social e fiscal é um erro brutal. E Lula é a prova', diz Sardenberg

‘Nervoso à toa’

Após a repercussão negativa das declarações em discurso, no fim do dia, Lula comparou a reação do mercado com o comportamento ao longo dos quatro anos do atual governo:

— O mercado fica nervoso à toa. Nunca vi mercado tão sensível como o nosso. É engraçado que o mercado não ficou nervoso nos quatro anos de Bolsonaro.

Economistas temem que o aumento das despesas com programas sociais fora do teto de gastos abra caminho para gastos ainda maiores.

Salário mínimo: Entenda a proposta de Lula para o piso salarial

Risco de descontrole

O risco quando os dispêndios sobem de forma descontrolada é aumentar a dívida pública, elevar a inflação e os juros, o que tem impacto negativo sobre a economia e a própria população, destacam.

— Foi um discurso inflamado. Deu claros indícios de que o avanço sobre as contas públicas deve ocorrer, mas o que não se coloca é que países que escolheram priorizar a estabilidade social sofrem hoje instabilidade social muito maior. Descontrole fiscal leva à inflação, desbalanços na economia que concentram riqueza e ferem as populações mais necessitadas — afirmou o sócio e gestor da Galapagos Capital, Fábio Guarda.

Para o estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno, o discurso de Lula foi na linha de declaração de campanha, o que gerou apreensão entre os investidores:

— Toda a discussão da PEC da Transição parte da ideia de que é preciso aumentar gastos para conseguir determinados objetivos, mas o mercado sabe que o país já está altamente endividado. Amento de gastos sem contrapartida gera termo de a dívida pública voltar a subir e seguir trajetória de endividamento insustentável.

Apesar da reação de Bolsa e dólar, alguns analistas avaliam que a resposta foi desproporcional. Mônica de Bolle, economista e professora da Universidade Johns Hopkins, escreveu numa rede social que o mercado não representa interesses da população. Ela critica o comportamento de investidores e o jornalismo econômico.

“O mercado passou quatro anos conivente com a pior gestão econômica que o país já teve. Teceu louvores a Guedes (ministro da Economia), aceitou o orçamento secreto e nada disse das quatro modificações no teto, a última populista e eleitoreira”, escreveu, dizendo esperar que ele não atrapalhe a transição. (Manoel Ventura, Eliane Oliveira, Geralda Doca, Fernanda Trisotto, Alice Cravo, Jennifer Gularte, Paula Ferreira, Eduardo Gonçalves, Bruno Góes, Vitor da Costa, João Sorima Neto).

LEIA TAMBÉM: 

Acompanhe tudo sobre:economia-brasileiraLuiz Inácio Lula da SilvaMercado financeiro

Mais de Invest

Futuros americanos caem após rebaixamento da nota de crédito pela Moody’s

Warren Buffett não participará da próxima assembleia da Berkshire Hathaway, diz jornal

Bolsa Família: pagamento de maio começa na segunda-feira; veja calendário

O Walmart já está se preparando para o cliente do futuro: o agente de compras com IA