Ibovespa: corte de juros no próximo ano já dá sustentação para guinada na bolsa (Germano Lüders/Exame)
Repórter de finanças
Publicado em 27 de maio de 2025 às 06h15.
Última atualização em 27 de maio de 2025 às 11h59.
Nunca se viu antes um patamar tão alto: a Bolsa atingiu seu recorde em valores nominais ao fechar em 140.110 pontos no último dia 20 de maio.
Na equação do porquê o Ibovespa sobe tanto, cerca de 16% no ano, há cinco fatores principais: fim de alta da Selic, bons resultados corporativos, as eleições presidenciais do próximo ano a recompra de ações – mas, principalmente, o interesse estrangeiro.
Se, logo após o anúncio do tarifaço no começo de abril, as incertezas sobre a guerra tarifária levaram o índice para a casa dos 120 mil pontos, agora o consenso é que as medidas de Donald Trump trouxeram benefícios para o Brasil.
O Safra já elevou sua previsão para os próximos 12 meses e vê o índice de referência da Bolsa para 170 mil pontos. O Morgan Stanley é ainda mais otimista e tem projeção de 190 mil pontos no mesmo horizonte.
Não que a tarifa de 10% imposta ao país seja negligenciável, mas o desgaste gerado no governo do republicano, com a imposição de impostos que chegaram a rocambolescos 145% para a China, trouxe uma mudança no olhar do investidor global.
O risco de desaceleração ou recessão nos Estados Unidos fez outras regiões, como a América Latina sair ganhando – com o Brasil na frente, diz o JP Morgan.
Nas duas semanas seguintes ao ‘Dia da Libertação’, cerca de R$ 10 bilhões saíram do Brasil. Mas até o fim do mês de maio, outros R$ 10 bilhões entraram. No acumulado do ano até 15 de maio, o total de entrada líquida de estrangeiros somou R$ 15 bilhões - excluindo a venda de ações da Vale pela Cosan -, sendo o melhor desempenho para o período desde 2023.
Nos cálculos do Itaú BBA, em tempos de temores de desaceleração global, a economia brasileira tem um fator de resiliência, por ser mais “fechada”, o que ajuda na atratividade do capital global. A cada 100 pontos-base (bps) de redução do atividade mundial, o Brasil cai ‘só’ 50 bps.
“Gestores globais perceberam que a América Latina é um vencedor relativo nesse novo mundo, por dois motivos: menos risco geopolítico e ter recebido só 10% de tarifas”, explica Daniel Gewehr, estrategista-chefe da instituição.
E, caso a tendência continue, há muito capital que pode entrar no Brasil.
De acordo com cálculos do Santander, o investidor estrangeiro responde por 18% da bolsa americana. Caso ele diminua em 1% a alocação e redistribua para o restante do mundo de acordo com o peso do PIB de cada país, poderia entrar no Brasil um valor na casa dos R$ 150 bi.
“Se essa saída de recurso dos EUA continuar acontecendo, pode entrar muito mais recurso aqui e fazer preço. A Bolsa já subiu bastante, mas ela pode subir mais”, ressalta o estrategista-chefe da Santander Corretora, Ricardo Peretti, destacando que, apesar da trégua tarifária, os investidores ainda estão desconfiados com os EUA.
Além da rotatividade de recursos mundiais, o segundo motivo que levou a Bolsa para o recorde nominal foi a perspectiva de corte de juros. Caso o custo de capital diminua, a Bolsa poderia avançar ainda mais.
Praticamente ninguém no mercado espera um corte de juros neste ano. O Santander, por exemplo, espera uma redução a partir de 2026, com a taxa chegando a 13% – ou seja, um corte de 175 pontos-base no período.
“Mas foi só mudar o tom da discussão de quando sobem [os juros], para quando começam a cair, que houve um movimento positivo para ações”, explica Jerson Zanlorenzi Junior, do BTG Pactual (mesmo grupo controlador da EXAME).
E o Ibovespa está barato: ele ainda negocia 1 desvio padrão abaixo da média histórica dos últimos 10 anos, a 7,9 vezes lucro. O resultado disso são ações descontadas, reflexo de uma Bolsa que andou “de lado” nos últimos três ou quatro anos, enquanto as empresas cresciam seus lucros.
Na última temporada de balanços, do primeiro trimestre de 2025, houve revisão de lucro de muitas empresas para cima, além dos resultados terem vindo sólidos.
Para Zanlorenzi Junior, das últimas três temporadas, essa foi a que tivemos a maior quantidade de surpresas positivas, apesar de commodities ter decepcionado. “O que chama a atenção é que mesmo com a Selic alta, as empresas têm mostrado resiliência no seu balanço. Fizeram um ótimo dever de casa, principalmente no refinanciamento de dívida”, comenta.
As eleições também são um ponto-chave para o otimismo com o Brasil – pelo menos é o que acha o Morgan Stanley. Para o banco, sinais de desgaste da base de apoio político do atual governo, aumentam a chance de mudança na política fiscal após as eleições de 2026.
O banco tem uma das projeções mais otimistas, potencial de alta de 30% em dólares até meados de 2026, com o índice alcançando os 190 mil pontos.
O Bradesco BBI vai na mesma linha. O banco elevou sua recomendação para as ações brasileiras para ‘compra’ no começo de maio, citando o calendário eleitoral como um dos fatores.
“A eleição de outubro de 2026 vai começar a entrar na ‘janela de desconto’ dos investidores logo, e a história mostra que isso traz retornos fortes. Isso não tem nada a ver com o fato de quem vence a eleição, apenas com o fato de a eleição estar no calendário”, afirma a equipe de estratégia do banco.
Além dos estrangeiros, outra força compradora relevante na bolsa brasileira tem vindo das próprias empresas, que estão aproveitando os valuations descontados para fazerem grandes programas de recompra de ações.
De acordo com o Itaú BBA, estamos no maior nível de recompra da história, com 132 programas em aberto. Neles, há R$ 89 bilhões anunciados, dos quais R$ 71 bilhões ainda a serem feitos. No ano passado, as recompras somaram R$ 30 bilhões.
“Ou seja, mesmo se as empresas não efetivarem tudo, tem mais de 2 para 1 de [diferença neste ano] em programas de buyback. É um sinal que quem olha para longo prazo está vendo o valuation da Bolsa como atrativo”, pontua o estrategista-chefe do Itaú BBA.
O grande risco para uma reavaliação mais estrutural das ações brasileiras continua sendo o fiscal. O país precisaria de um ajuste de 4 pontos percentuais do PIB para estabilizar sua dívida pública — uma tarefa difícil diante de um déficit de quase 10% do PIB e despesas com juros que já consomem cerca de 8% do orçamento, aponta o Morgan Stanley.
No meio de todo esse cenário, as estratégias dos bancos estão bem parecidas: vender commodities e apostar em empresas domésticas.
“Commodity tem uma dependência de crescimento global, mas depois da guerra tarifária as pessoas ficam mais conservadoras. Petróleo liberou mais produção pela OPEP, então os investidores têm medo de sobre oferta”, disse Gewehr, que está neutro em petróleo.
O BTG Pactual também está cauteloso com commodities, por conta das questões tarifárias, e dá queda recente do petróleo e do minério de ferro. O Santander também tem reduzido participação em commodities.
O único na contramão é o Morgan Stanley, justamente o mais otimista com a Bolsa brasileira. O banco aposta em commodities, com Petrobras, PRIO e SLC Agrícola, aparecendo entre os nomes.
Na avaliação do banco internacional, os setores de consumo e de ciclo doméstico já estão em estágio mais ‘avançado’ na precificação, enquanto petróleo e agronegócio estão em fase inicial de crescimento no país, com geração de receita em dólar e forte potencial de expansão.
“Petrobras é, talvez, o melhor risco-retorno da América Latina hoje — forte crescimento, alto dividendo, governança melhorando e o que consideramos uma opção de valorização caso haja mudança de política fiscal”, dizem os estrategistas do banco.
O Itaú BBA destaca infraestrutura entre as preferências, pelo fato de a receita ser previsível. “Se fechar a NTN-B, esse setor se beneficia disso. Caso a economia desacelere no segundo semestre, tem menos risco operacional. Então gostamos de saneamento e setor elétrico, com nomes como Sabesp e Equatorial.
O banco destaca ainda os setores financeiro, de construção, de saúde, com Rede D’or, e de consumo, com Grupo Mateus e Vivara. Suzano, de papel e celulose, é o único nome do setor de commodities está como compra.
O Santander, por sua vez, aumentou o peso de setores mais cíclicos e empresas mais sensíveis à redução da taxa de juros, como setor de shoppings, com preferência por nomes como Multiplan e Iguatemi. O banco também gosta do setor de construção civil, com Cyrela e Direcional, e de concessões rodoviárias, com a Motiva (antiga CCR).
Há, por fim, empresas que podem se beneficiar do próprio bull market, se ele continuar por mais tempo, como BTG e XP.