A CVM propôs o adiamento de 21 dias da Assembleia da BRF para garantir que os acionistas tenham acesso completo às atas e pareceres dos comitês
Repórter de mercados
Publicado em 17 de junho de 2025 às 11h36.
Última atualização em 17 de junho de 2025 às 14h59.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu adiar, por 21 dias, a Assembleia Geral Extraordinária (AGE) da BRF (BRFS3) que discutiria a incorporação da empresa pela Marfrig (MRFG3). A AGE estava prevista para ocorrer nesta quarta-feira, 18. A autarquia entendeu que as informações sobre a operação, disponibilizadas pelas companhias, são insuficientes para embasar a decisão dos acionistas. Assim, a CVM acatou ao pedido de acionistas minoritários, que questionam a transparência dessas informações.
A decisão de adiar a assembleia foi unânime entre os membros do colegiado e, segundo analistas, representa um revés importante no cronograma da fusão.
Dois acionistas protocolaram pedidos alegando irregularidades no processo e apontando falta de clareza nos critérios usados para definir o índice de troca das ações — 0,8521 papel da Marfrig para cada ação da BRF. A petição acatada pela CVM foi feita pela Latache Capital, conforme as informações divulgadas na coluna do Lauro Jardim, do O Globo.
Segundo o acionista, o múltiplo proposto está abaixo da média histórica e desrespeita parâmetros previstos na Lei das S.A., como o artigo 264.
A Superintendência de Relações com Empresas (SEP), da CVM, analisou as solicitações e identificou sete pontos críticos, como falhas na formação dos comitês independentes, conflito de interesses e ausência de transparência nas informações divulgadas ao mercado. Apesar de considerar que a maioria das alegações não justificava o adiamento da AGE, a SEP recomendou o adiamento com base na insuficiência de dados sobre os critérios de avaliação e a relação de troca de ações.
A diretoria da CVM endossou o parecer. O diretor Otto Lobo propôs o adiamento de 21 dias para garantir que os acionistas tenham acesso completo às atas e pareceres dos comitês. Já a diretora Marina Copola destacou que a operação envolve partes relacionadas e exige o mais alto nível de transparência.
Em fato relevante conjunto, BRF e Marfrig informaram que estão avaliando, com seus assessores financeiros e jurídicos, os próximos passos diante da decisão da CVM. As companhias não descartam solicitar que a decisão seja reconsiderada.
Para o Bradesco BBI, caso haja uma revisão do índice de troca de ações, o cenário tende a ser “ligeiramente favorável à BRF”, dadas as condições de diluição embutidas na estrutura atual. A corretora mantém recomendação neutra para a nova companhia que deve surgir da fusão, chamada informalmente de "MBRF", ressaltando múltiplos elevados e espaço limitado para revisões positivas nos lucros.
O mercado reagiu com nervosismo ao adiamento da assembleia. Por volta das 11h16 (horário de Brasília) as ações da Marfrig recuavam 2,24%, enquanto as da BRF caíam 1,66%.
Apesar das turbulências, as ações BRFS3 e MRFG3 seguem negociadas próximas ao índice de troca sugerido. Segundo a XP, a transação deve ser aprovada nos termos atuais, ainda que o movimento do mercado continue mais influenciado por fluxos técnicos do que por fundamentos, até que haja maior visibilidade sobre o desfecho da operação.
Na análise do Itaú BBA, a decisão da CVM evidencia a crescente tensão entre acionistas minoritários e a administração, além de reforçar o papel do órgão regulador em operações societárias sensíveis. O banco também lembra que o Cade ainda analisa um pedido da Minerva (BEEF3) sobre possíveis efeitos concorrenciais da fusão.
O Goldman Sachs ressalta que, no último dia 15, a BRF já havia divulgado os resultados parciais da votação online: investidores representando 51% do free float (ex-Marfrig) aprovaram a transação com 69% dos votos válidos. Ainda assim, o banco alerta para um spread de 240 pontos-base entre os preços atuais das ações e o índice de troca proposto. O Goldman mantém recomendação de compra para Marfrig, com preço-alvo de R$ 27,60, baseado em avaliação de soma das partes.
Para a Genial Investimentos, a decisão da CVM joga luz sobre o crescente escrutínio regulatório e pode afetar a percepção de governança do processo. “A postergação adiciona incerteza, protela sinergias operacionais e amplia o risco de judicialização. A insatisfação dos minoritários com o desconto implícito no índice de troca deve pressionar por ajustes na proposta”, afirma a equipe de análise da corretora.
Com a fusão sob análise do mercado e dos reguladores, investidores devem acompanhar os próximos capítulos, atentos não apenas ao resultado da AGE, mas também à possibilidade de mudanças no desenho da operação — e nos múltiplos atribuídos às ações envolvidas.