Wall Street: investidores monitoram a retórica tarifária de Trump (AscentXmedia/Getty Images)
Repórter
Publicado em 14 de julho de 2025 às 07h19.
O clima em Wall Street nas últimas semanas têm sido de cautela estratégica diante da escalada do presidente Donald Trump sobre tarifas comerciais. Apesar do anúncio de uma tarifa de 200% sobre medicamentos importados, investidores não demonstram pânico, refletindo a crença de que a medida não será totalmente implementada — ou, se for, virá acompanhada de mecanismos de amortecimento. Para os investidores, as ameaças tarifárias podem ser apenas um blefe.
“O padrão é familiar: declarações dramáticas, recuos e novas ameaças. Isso corroeu sua credibilidade e se assemelha ao menino que gritava ‘lobo’”, disse Carolyn Kissane, professora do Centro de Assuntos Globais da Escola de Estudos Profissionais da NYU ao site The Independent. “Ele acredita que essa tática lhe dá uma vantagem única nas negociações, mas também enfraquece as próprias ameaças.”
O otimismo cauteloso também é compartilhado por Paul Donovan, economista-chefe da UBS Global Wealth Management. Para ele, "é uma perda de tempo tentar interpretar cada postagem de Trump". Segundo o economista, os investidores já assumem que ele vai recuar se os mercados balançarem demais.
Tony Sycamore, analista de mercado da IG Australia, define a nova rodada de tarifas como "um tremor secundário". “O mercado já estava preparado para isso, mais do que para o abalo sísmico que sacudiu os mercados no ‘Dia da Libertação’, há mais de três meses”, disse ele em nota enviada à CNN.
Mesmo assim, há alertas contra o excesso de complacência. “A retórica pode virar realidade, e nesse caso, o impacto seria brutal”, afirmou Michael Wan, estrategista do MUFG Bank, à CNN. “Os ativos de risco parecem excessivamente tranquilos.”
Os índices acionários dos EUA recuam nesta segunda-feira, 14, em resposta às tarifas de Trump contra o México, com os futuros do S&P 500, Dow Jones e Nasdaq-100 perdendo cerca de 0,4%. Na Europa, os principais índices também operam no vermelho após o anúncio de uma tarifa de 30% sobre produtos da União Europeia a partir de 1º de agosto. Por volta das 7h, no horário de Brasília, o DAX (Alemanha) caía 0,6%, e o CAC 40 (França) recuava 0,7%.
Mesmo sendo o principal alvo da nova política tarifária, o setor farmacêutico tem respondido com rapidez e estratégia ao plano de Trump de impor uma tarifa de 200% sobre medicamentos importados. Desde o anúncio da medida, o índice NYSE Arca Pharmaceutical acumula alta de cerca de 1% na semana, enquanto o S&P 500 se manteve praticamente estável.
A proposta de Trump, revelada em reunião de gabinete, tem como objetivo forçar a indústria a "trazer de volta ao território norte-americano a produção de medicamentos destinados ao mercado dos EUA". O presidente sinalizou que a tarifa entraria em vigor somente após um “período de transição” de 12 a 18 meses — tempo suficiente, segundo analistas, para que as empresas ajustem suas cadeias de suprimento.
“Isso dá à indústria tempo suficiente para agir”, afirmou Akash Tewari, analista da Jefferies, ao Wall Street Journal (WSJ). “Se o prazo começar ainda em 2025, as empresas podem operar sem tarifa até 2027 — e ainda formar estoques que garantam fornecimento até 2028.”
A previsão de um longo intervalo antes da aplicação efetiva da tarifa já desencadeou uma série de reações práticas no setor. Segundo o WSJ, as importações de hormônios farmacêuticos da Irlanda para os EUA somaram US$ 36 bilhões em 2025 — mais que o dobro do total registrado em 2024. O movimento reflete uma corrida por estoques antecipados.
Em paralelo, as empresas aceleram investimentos em produção nacional. A Eli Lilly anunciou um plano de US$ 27 bilhões para ampliar suas unidades industriais nos Estados Unidos. A Merck, por sua vez, vai nacionalizar a fabricação de uma nova versão do Keytruda, seu principal medicamento contra o câncer.
De acordo com estimativas da Jefferies, mesmo com a tarifa de 200%, o impacto sobre os lucros da Merck em 2027 e 2028 deve ser limitado — entre 1% e 2%. O valor, inclusive, é inferior aos 3% projetados anteriormente para uma tarifa de apenas 25%, graças à combinação de estoques, reestruturações operacionais e incentivos fiscais.
O consenso entre especialistas é de que as tarifas terão consequências significativas para o crescimento econômico dos EUA e para as economias globais.
O JP Morgan foi um dos primeiros a revisar suas projeções econômicas após o anúncio das tarifas. Michael Feroli, economista-chefe do banco, ajustou a previsão do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA para 2025, reduzindo-a para 1,6%, uma queda substancial em comparação com estimativas anteriores. Feroli justificou essa revisão com a crescente incerteza comercial que as tarifas geram, além da pressão adicional sobre os preços, que, segundo ele, deverá resultar em uma aceleração da inflação.
A equipe do JP Morgan também destacou que a imposição dessas tarifas criaria um aumento nos custos de consumo, uma vez que os preços dos produtos importados tendem a subir, impactando diretamente os consumidores americanos.
Feroli alertou ainda que, com o aumento dos custos devido às tarifas, a inflação ao consumidor deve subir 0,2 pontos percentuais, o que afetaria especialmente as classes média e baixa dos EUA. Além disso, as tarifas retaliatórias que podem ser impostas pelos países afetados também são um ponto de preocupação, já que elas poderiam limitar o crescimento das exportações dos EUA, afetando negativamente a balança comercial e as empresas que dependem de mercados internacionais. Essas projeções foram divulgadas em um relatório detalhado do J.P. Morgan Research, que reforçou o impacto negativo das tarifas sobre a atividade econômica, especialmente nos gastos de capital das empresas.
Jamie Dimon, CEO do JP Morgan, fez declarações sobre os efeitos das tarifas em um evento promovido pelo Ministério das Relações Exteriores da Irlanda.
Dimon, conhecido por sua abordagem pragmática e cética em relação a políticas econômicas abruptas, alertou que o mercado está subestimando os riscos associados às tarifas. Em sua fala, Dimon reconheceu que, sob certas circunstâncias, as tarifas poderiam ser uma estratégia válida para proteger a indústria nacional e corrigir desequilíbrios comerciais. No entanto, ele também enfatizou que o mercado financeiro, por enquanto, parece estar complacente quanto aos riscos inflacionários e às possíveis consequências de um aumento nas taxas de juros, que poderiam ser necessárias para conter o impacto inflacionário causado pelas tarifas.
Dimon foi enfático ao dizer que, embora alguns aspectos da política de Trump possam ser justificados, o mercado precisa estar mais atento ao efeito que a guerra comercial terá sobre a estabilidade econômica global. "Eu detesto usar a expressão 'Taco trade' porque acho que ele fez a coisa certa ao dar um passo atrás, mas, infelizmente, acho que o mercado está complacente", afirmou Dimon, referindo-se ao risco de que as tarifas aumentem os custos operacionais das empresas e exacerbem as pressões sobre os consumidores.
Tarifas mais altas, como as de 50% sobre o Brasil, podem ter um impacto desproporcional em determinadas economias, segundo a Bloomberg.
No caso do Brasil, que já enfrenta desafios econômicos internos, o aumento das tarifas sobre commodities como cobre pode exacerbar uma recessão, gerando uma pressão adicional sobre a indústria e as exportações. Além disso, a análise da Bloomberg destacou que, mesmo com a moderada reação dos mercados, as tarifas forçarão ajustes nas cadeias produtivas globais. Empresas em todo o mundo terão que se adaptar a uma nova realidade comercial, em que os custos de importação são mais altos, e as tarifas retaliatórias de outros países podem criar uma dinâmica comercial mais complexa e volátil.
A projeção da Bloomberg para os setores mais afetados inclui a indústria automotiva, que já sofre com os altos custos de produção devido às tarifas sobre o aço e o alumínio. A indústria alimentícia também está no radar, com aumentos de preços para os consumidores podendo reduzir a demanda por certos produtos. Além disso, as empresas do setor de metais, como aquelas que dependem do cobre, sofrerão impactos diretos com as novas tarifas, principalmente no Brasil. A análise da Bloomberg conclui que, embora a reação inicial do mercado tenha sido moderada, o cenário futuro depende da implementação das tarifas e das respostas dos países afetados, que podem buscar retaliações ou ajustes nos acordos comerciais com os EUA.
O presidente Lula anunciou que o Brasil aplicará a Lei de Reciprocidade Econômica em resposta à tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros.
Durante entrevista ao Jornal Nacional, Lula deixou claro que está aberto a negociações com o presidente americano, mas que, se necessário, o Brasil usará a lei para retaliar a partir de 1º de agosto, quando a medida entra em vigor. Lula criticou a atitude de Trump, considerando-a "inaceitável" e uma intromissão nas decisões brasileiras, além de afirmar que as alegações de déficit comercial não são fundamentadas.
A tarifa imposta por Trump afetará setores-chave da economia brasileira, como café, aeronaves e suco de laranja. Essa decisão vai além de questões comerciais, sendo também uma retaliação política aos processos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e à interferência do Supremo Tribunal Federal (STF) nas plataformas digitais americanas. A medida também agrava as tensões comerciais entre os dois países, com destaque para o contexto do Brics e das disputas geopolíticas no Sul Global.
Lula reforçou que a retaliação de Trump precisa ser baseada em fatos reais e que as acusações de déficit comercial entre Brasil e EUA são infundadas. De acordo com o presidente, os Estados Unidos têm superávit comercial com o Brasil, o que torna a medida ainda mais questionável.
O governo brasileiro planeja formar uma comissão com empresários e representantes do governo para avaliar os impactos das tarifas e explorar alternativas comerciais. A ideia é buscar novos mercados e reduzir a dependência do mercado americano, abrindo novas oportunidades para as exportações brasileiras.
Os estados mais impactados pelas tarifas de 50% incluem aqueles com maior volume de exportações para os EUA. Estados como São Paulo, Minas Gerais e Paraná, que têm forte presença no setor agropecuário e aeronáutico, poderão sentir de forma mais intensa os efeitos econômicos dessas tarifas.
A estimativa é que a tarifa possa reduzir o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em até 1,2%, de acordo com análises do JP Morgan.