A matemática é categórica ao apontar que a estratégia de investir com juros altos raramente compensa quando há pendências em aberto. (Kenishirotie/Thinkstock)
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Publicado em 25 de setembro de 2025 às 16h17.
Quando sobra dinheiro no final do mês, muitos brasileiros se veem diante de uma encruzilhada que esconde uma complexidade matemática. De um lado, a tentação de investir e fazer o dinheiro render; do outro, a possibilidade de quitar dívidas que corroem o orçamento a cada mês.
Esse dilema ganha ainda mais relevância no cenário econômico atual, em que a taxa Selic permanece no patamar de 15% ao ano. Enquanto a alta dos juros torna os investimentos mais atrativos, também significa que manter qualquer pendência financeira sai ainda mais caro.
Em julho deste ano, o Indicador de Inadimplência de Pessoas Físicas (CNDL/SPC) apontou que cerca de 71,3 milhões de brasileiros estavam com o nome negativado. Esse número representa 42,9% da população adulta do país, que poderia se beneficiar com uma estratégia financeira adequada para limpar o nome.
Antes de tomar qualquer decisão financeira, é fundamental compreender que nem todo endividamento possui o mesmo impacto no orçamento. Especialistas classificam as obrigações financeiras em três grupos, cada um com características bem distintas.
O primeiro tipo são as chamadas dívidas de patrimônio, contraídas para aquisição de bens duráveis como imóveis ou veículos. Embora representem compromissos de longo prazo, essas operações costumam oferecer taxas mais atrativas e geram ativos tangíveis para o patrimônio familiar.
Já as dívidas emergenciais surgem em momentos inesperados — uma internação hospitalar, um reparo urgente ou uma situação familiar adversa. Apesar de muitas vezes inevitáveis, demandam uma estratégia clara de quitação para não se tornarem um fardo.
O terceiro grupo representa o maior perigo para a saúde financeira: os gastos rotineiros financiados. Pequenas compras no cartão de crédito ou saques no cheque especial podem se transformar em uma bola de neve devido às taxas praticadas nesses produtos.
A realidade dos juros no Brasil expõe uma matemática cruel para quem mantém dívidas. Enquanto a Selic opera em 15% ao ano, patamar já considerado muito elevado, as modalidades de crédito mais utilizadas pelos consumidores conseguem superar disparadamente.
Em setembro, dados do Banco Central indicam que a média do rotativo do cartão de crédito chega a 494,9% ao ano, liderando a lista dos juros mais altos. O parcelamento do cartão de crédito não fica muito atrás, com uma taxa de 169,3% anuais. O cheque especial, por sua vez, cobra 150,6% ao ano, enquanto o crédito consignado privado opera com 44,8% anuais.
A exceção nesse cenário são os financiamentos imobiliários, cuja taxa média está em 10,6% ao ano — ainda assim, superior à poupança, por exemplo.
Do lado dos investimentos seguros, o Tesouro Selic trabalha com o rendimento bruto de 15% ao ano, enquanto um CDB que remunera 110% do CDI oferece cerca de 16,5%. Vale lembrar que o desconto do Imposto de Renda (IR) e as possíveis taxas pesam ainda mais na equação.
Produto | Taxa de Juros (a.a.) |
---|---|
Cartão de crédito rotativo | 494,9% a.a. |
Parcelamento do cartão de crédito | 169,3% a.a. |
Cheque especial | 150,6% a.a. |
Crédito consignado privado | 44,8% a.a. |
Financiamento imobiliário | 10,6% a.a. |
A matemática é categórica ao apontar que a estratégia de investir com juros altos raramente compensa quando há pendências em aberto.
Para ilustrar, imagine ter R$ 10.000 disponíveis e uma dívida do mesmo valor no cartão de crédito. Em dois meses, um investimento no Tesouro Selic com juros a 15% renderia cerca de R$ 10.235 – um ganho modesto de R$ 235. Enquanto isso, a dívida no rotativo do cartão saltaria para R$ 13.460, resultando em prejuízo líquido de quase R$ 3.000.
Se a dívida estiver parcelada, ela chegaria a R$ 11.795 – ainda assim um prejuízo de R$ 1.560. No crédito consignado, o valor alcançaria R$ 10.636, superando também o rendimento bruto do investimento.
Em um ano, as diferenças ficam ainda mais evidentes. Os R$ 10.000 investidos chegariam a R$ 11.500, enquanto a dívida no cartão rotativo chegaria a quase R$ 60.000. Portanto, manter dívidas enquanto se investe é uma estratégia que cobra seu preço e raramente compensa.
Produto | Taxa de Juros | Após 2 meses (R$) | Após 12 meses (R$) |
---|---|---|---|
Investir (Selic 15% a.a.) | 15% a.a. | 10.235,7 | 11.500,0 |
Cartão de crédito rotativo | 494,9% a.a. | 13.460,9 | 59.490,0 |
Parcelamento do cartão de crédito | 169,3% a.a. | 11.795,2 | 26.930,0 |
Cheque especial | 150,6% a.a. | 11.654,6 | 25.060,0 |
Crédito consignado privado | 44,8% a.a. | 10.636,4 | 14.480,0 |
Financiamento imobiliário | 10,6% a.a. | 10.636,4 | 11.220,0 |
A renegociação de dívidas surge como uma das ferramentas mais estratégicas para reduzir o impacto dos juros. Instituições financeiras frequentemente oferecem condições especiais para consumidores dispostos a regularizar sua situação.
Entre as principais vantagens estão parcelamentos com taxas reduzidas e descontos consideráveis para pagamento à vista. Os feirões promovidos por empresas como o Serasa chegam a oferecer abatimentos de até 90% sobre juros e multas acumulados.
Trocar uma obrigação de alto custo por uma modalidade mais acessível pode resultar em uma economia significativa. O crédito consignado, disponível para funcionários públicos e aposentados, por exemplo, oferece condições muito melhores em comparação ao cartão de crédito.
Outra alternativa é o refinanciamento usando bens quitados como garantia. Proprietários de imóveis podem acessar linhas de crédito com taxas mais atrativas, especialmente quando comparadas aos produtos mais tradicionais de consumo.
Uma outra estratégia eficiente exige foco nas obrigações de maiores custos. O método conhecido como "avalanche" sugere atacar primeiro os débitos mais onerosos, reduzindo o impacto total dos juros.
Por outro lado, existe também o método "bola de neve", que propõe começar pelas pendências menores, criando uma sensação de progresso que pode motivar a continuidade do processo de resolução de dívidas.
Um plano financeiro bem elaborado é fundamental para evitar o retorno ao ciclo de endividamento. Isso inclui a organização completa do orçamento familiar, a eliminação de gastos supérfluos e a criação de uma reserva equivalente a seis meses de despesas.
Essa base sólida protege contra imprevistos e garante que situações adversas não resultem em novo recurso ao crédito caro.
A taxa básica de juros exerce influência direta sobre as condições do financiamento imobiliário. Quando a Selic sobe, os bancos naturalmente elevam as taxas dos financiamentos, impactando tanto o valor das parcelas quanto a capacidade de financiamento dos consumidores.
Consequentemente, esse movimento afeta diretamente a dinâmica do mercado imobiliário. Juros mais altos desestimulam a demanda por imóveis, podendo inclusive pressionar os preços para baixo. O efeito contrário ocorre quando a taxa básica recua, tornando o crédito mais acessível.
Uma estratégia financeira bem pensada começa com o mapeamento completo da situação econômica familiar. O primeiro movimento envolve listar todas as receitas e gastos mensais, identificando oportunidades de otimização nos custos.
A construção de uma reserva de emergência deve ser prioridade absoluta após a eliminação das pendências caras, já que esse fundo de proteção existe justamente para evitar que imprevistos forcem o retorno ao endividamento.
Por fim, apenas depois de quitar as pendências de alto custo e consolidar a reserva faz sentido direcionar recursos para aplicações financeiras. Nessa última fase, é possível diversificar os investimentos conforme o perfil de risco e os objetivos de médio e longo prazo.
Vale lembrar que, durante todo esse processo, o monitoramento regular do planejamento se faz necessário para garantir que as metas sejam cumpridas, além de permitir ajustes quando necessário.