Bartelle: Verticalização e proximidade com o cliente dão informações em tempo real e controle sobre a produção e estoque (Leandro Fonseca /Exame)
Repórter Exame IN
Publicado em 22 de maio de 2025 às 07h35.
Poucas empresas sabem lidar com as adversidades – e sair muito bem delas – como tem feito a Vulcabras, dona da marca Olympikus.
A companhia chegou ao seu 19º trimestre consecutivo de crescimento de vendas, mesmo com o surgimento de novas marcas no segmento e a competição desigual com calçados asiáticos importados para o Brasil.
Essa expertise se tornou uma vantagem ainda maior diante da guerra tarifária desencadeada pelos anúncios do novo governo Trump, que exigem adaptação e resposta rápida das empresas ao redor do mundo.
Para Pedro Bartelle, CEO da Vulcabras, a estrutura verticalizada da companhia tem sido fundamental para manter o controle do processo produtivo, reduzir custos e garantir agilidade nos momentos mais desafiadores.
“Produzimos 85% dos insumos aqui no Brasil, e nossa fábrica no Ceará é a maior da América Latina, além de ser mais eficiente que as asiáticas. Isso nos dá flexibilidade para responder rapidamente às mudanças do mercado”, diz ele em entrevista ao INSIGHT.
Pronta para tudo, a Vulcabras é a capa da revista EXAME que chega nesta sexta-feira, 23, às bancas.
Leia abaixo os principais trechos da conversa:
Ainda que com desdobramentos incertos, o anúncio de tarifas do governo Trump criou um cenário ainda mais desafiador para o comércio global. Como a Vulcabras avalia esse novo ambiente e quais são os impactos que podem ser esperados para a empresa?
Bartelle: Ainda estamos avaliando os efeitos desse que tem sido chamado de “tarifaço”. É um ambiente volátil, que força as empresas e os países a revisitar suas estratégias. O Brasil é o quinto maior produtor mundial de calçados, o único fora da Ásia, e isso já representa uma posição de destaque.
Nosso modelo verticalizado e a produção local nos protegem parcialmente dos efeitos, porque não dependemos tanto das importações, e podemos reagir com maior rapidez às mudanças. No entanto, a ausência de regras claras de comércio internacional e a pressão das importações asiáticas aumentam o desafio para ampliar a capacidade produtiva no Brasil.
Temos observado um interesse crescente de marcas internacionais, como a Under Armour, que já nos procurou para entender se poderíamos ser um fornecedor local alternativo — um plano B para eles. Isso mostra que a produção brasileira ainda tem um papel importante, mesmo com o cenário tarifário difícil.
A nossa prioridade agora é garantir que tenhamos flexibilidade operacional e financeira para aproveitar oportunidades, além de mitigar os riscos que o ambiente externo impõe.
O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de calçados, mas o mercado é pressionado por importações, especialmente da China e do Sudeste Asiático. Como a Vulcabras lida com essa competição, considerando custos e regras de comércio?
Essa é uma batalha permanente. Temos um “custo Brasil” que impacta nossa competitividade, além das dificuldades em garantir regras claras e condições justas de competição. As importações cresceram 34,5% de 2018 a 2024, principalmente da China, o que pressiona toda a cadeia produtiva nacional.
Pelo menos 85% do que usamos vem da indústria nacional. Mas a nossa estratégia é apostar na produção local com uma fábrica altamente eficiente, que é maior e produz mais pares por funcionário do que as asiáticas. Isso nos dá uma agilidade enorme para atender os clientes, com pedidos mensais e entrega em até 45 dias, o que evita estoques parados e promoções excessivas, protegendo as margens.
Além disso, investimos fortemente em design e inovação, com o centro de pesquisa em Parobé, onde testamos e desenvolvemos produtos que realmente fazem a diferença para os consumidores. Essa combinação nos ajuda a competir de forma diferenciada e a criar um vínculo forte com os clientes, que valorizam produtos de qualidade e tecnologia que só conseguimos entregar com essa proximidade da produção.
Em um cenário tão volátil como o atual, com guerras comerciais, pressões inflacionárias e mudanças rápidas no consumo, como a Vulcabras organiza seu planejamento estratégico?
A volatilidade exige uma mudança de mindset. Antigamente, trabalhávamos com orçamentos de três a cinco anos, mas agora o máximo que conseguimos planejar com segurança são três anos, com ajustes anuais obrigatórios. Isso nos obriga a ser muito flexíveis, a ter indicadores rápidos e processos que permitam responder a mudanças de forma ágil.
Nossa verticalização e proximidade com o cliente são fatores que ajudam muito nesse sentido, porque nos dão informações em tempo real e controle sobre a produção e estoque. Além disso, a equipe está preparada para rever prioridades, fazer ajustes e buscar eficiência constantemente. A resiliência da Vulcabras está em combinar portfólio forte, inovação constante e essa capacidade de adaptação rápida.
A Vulcabras enfrentou uma crise em 2011, com prejuízo e a necessidade de reestruturação profunda. Quais foram as decisões estratégicas que você considera fundamentais para que a empresa conseguisse dar a volta por cima e sustentar o crescimento?
A crise de 2011 foi um divisor de águas para a Vulcabras. Entramos em um ciclo difícil, com prejuízos que não víamos havia oito anos. A consultoria Galeazzi nos ajudou a estruturar um plano rigoroso, que envolveu corte de custos, revisão da gestão e um foco claro em inovação. Na época, eu era diretor de marketing e abracei esse plano, que em 2015 me levou à presidência executiva.
A partir daí, demos passos decisivos para transformar a empresa. A primeira foi a decisão de focar no esporte, de olho em produtos de alta performance e com a produção nacional, entendendo que para competir com marcas globais e com o volume dos calçados importados, precisávamos ter um diferencial claro.
Isso significou investir pesado em tecnologia, desenvolvimento, e na verticalização da produção, o que nos trouxe mais controle e agilidade. Além disso, o re-IPO em 2017 foi fundamental para fortalecer o caixa, reduzir o endividamento e financiar a modernização da fábrica. Esses elementos combinados fizeram com que, desde então, tivéssemos uma trajetória constante de crescimento, mesmo em um mercado tão competitivo e volátil.
O varejo direto ao consumidor tem se mostrado uma frente importante para marcas que buscam fortalecer relacionamento e margem. Como a Vulcabras enxerga essa frente, especialmente para marcas como a Under Armour e a Olympikus?
O varejo direto é uma prioridade crescente para nós. Hoje, mais de 80% da nossa receita vem do atacado, para grandes redes como World Tennis e Centauro, mas queremos ampliar a presença direta, especialmente nas marcas Under Armour e Olympikus.
No caso da Under Armour, 80% das vendas globais são em vestuário, mas no Brasil são apenas 40%. O canal físico é essencial para explicar as tecnologias e o valor agregado dos produtos. Por isso, planejamos abrir lojas-conceito, que sejam vitrines para a marca e que ofereçam uma experiência diferenciada ao consumidor. Acreditamos que vai, inclusive, ajudar nossos clientes das grandes redes calçadistas a venderem mais também, com o consumidor conhecendo melhor os produtos.
Paralelamente, o e-commerce já é uma área que cresce rápido, hoje representando 17% da receita, com uma operação própria e centro de distribuição no Sul de Minas. Nosso objetivo é combinar loja física e digital para aumentar o contato direto com o cliente, melhorar o atendimento e aumentar a margem, porque conseguimos controlar melhor preços e estoques. Tudo isso sem deixar o atacado de lado que é nosso maior canal de venda. Esse movimento está alinhado com a visão de longo prazo de construir marcas fortes, desejadas e pertencentes ao consumidor.
Com o êxito nas operações e caixa fortalecido, há planos de crescimento via aquisições ou a prioridade é o crescimento orgânico?
No momento, o foco é no crescimento orgânico, porque a demanda que já temos exige muita atenção e recursos para ser atendida. Estamos investindo em inovação, ampliação da capacidade produtiva, e na expansão do varejo próprio.
Entretanto, não descartamos a possibilidade de aquisições que sejam estratégicas, que possam agregar tecnologia, portfólio ou posicionamento relevante para o mercado. Mas essas decisões são feitas com muito cuidado, porque queremos preservar a cultura e a agilidade que nos diferenciam. Estamos muito atarefados com os projetos que já estão em andamento, por isso nossa prioridade é executar bem o que planejamos.
Embora o valuation ainda seja baixo se comparado a outros players de consumo, vocês vivem um momento de forte valorização das ações e de constante pagamentos de proventos. Qual o plano de alocação de capital?
Desde 2023, começamos a pagar dividendos mensais e hoje somos uma das cinco maiores pagadoras da Bolsa. Isso mostra o compromisso da companhia em entregar retorno consistente, mesmo enquanto investe no crescimento. Mas, claro, seguimos atentos à volatilidade do mercado e trabalhamos com planos mais curtos, de até três anos, fazendo ajustes anuais para garantir sustentabilidade e flexibilidade financeira.