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Parque da Cidade, onde acontecerão as negociações oficiais da COP30: Belém enfrenta crise de credibilidade internacional por especulação imobiliária que compromete primeira COP realizada na Amazônia. (Rafa Medelima / COP30/Flickr)
Editora ESG
Publicado em 5 de agosto de 2025 às 20h19.
A crise de hospedagem da COP30, em Belém, pode ter ganhado um novo capítulo durante a São Paulo Climate Week, movimento global que até dia 8 de agosto promove eventos pela capital paulista sobre o futuro das mudanças climáticas.
Na segunda-feira, 4, a tríade gestora da conferência climática - André Corrêa do Lago, Ana Toni e Dan Ioschpe - percorreu alguns dos principais eventos da programação paulistana em uma operação que parece coordenada para conter os danos causados pelo setor hoteleiro na capital paraense e garantir presença qualificada na cúpula do clima de novembro próximo.
Ao abrir a agenda na Aya Earth Partners, Ana Toni abordou rapidamente a questão das acomodações, assunto que dominou as conversas nos intervalos, tanto entre ambientalistas quanto na comunidade empresarial.
A presidente da COP30 reconheceu que há desafios logísticos, mas centrou o discurso no detalhamento da agenda de ação proposta pela presidência brasileira, estruturada em quatro eixos que visam transformar as metas climáticas em ações concretas em nível global.
Contudo, deixou também uma claríssima mensagem para o setor privado: "Não abandonem Belém em favor dos eventos paralelos que se multiplicam pelo país. Eles (os eventos) estão muito bons, têm sua relevância. Mas a COP acontece em Belém", disse Toni.
Há fundamento no apelo. Os fóruns alternativos têm ganhado força como opção para aqueles que estão hesitantes em enfrentar os custos e incertezas na capital amazônica. Incluindo executivos.
Nos bastidores do evento, alguns representantes da indústria afirmaram para EXAME, em off, que corporações estão reconsiderando não apenas o tamanho de suas delegações, mas a própria presença na conferência climática de Belém.
Decisões que teriam dupla motivação: os custos proibitivos de hospedagem na capital paraense - que chegam a US$ 700 por pessoa por noite - e a dúvida sobre se será uma oportunidade de realmente encontrar os interlocutores adequados para negociações; tanto pelas delegações governamentais que podem ser drasticamente reduzidas, quanto pelas próprias empresas que planejam enviar representantes com menor autonomia decisória.
Para conter o risco de esvaziamento empresarial na COP30 Belém, a iniciativa privada articula uma manifestação formal sobre as condições da cúpula do clima.
O documento seguiria o modelo da carta assinada por nações africanas e europeias, que pediram formalmente a mudança da sede da conferência climática durante reunião de emergência convocada pela ONU no final de julho.
Questionados por EXAME durante o lançamento da Climate Action Solutions & Engagement (C.A.S.E.), evento realizado na noite de segunda-feira, Corrêa do Lago, Ana Toni e Dan Ioschpe foram unânimes em negar qualquer movimento de contestação por parte do setor privado, ressaltando o alinhamento da indústria com a agenda climática brasileira.
Ana Toni, presidente da COP30, durante encontro promovido pela Aya Earth Partners: "Eventos paralelos estão muito bons, têm sua relevância. Mas a COP acontece em Belém" (Aya/Divulgação)
Diante das crescentes pressões internacionais, o governo do Pará tem adotado uma postura otimista, descartando qualquer mudança na programação da COP30 fora da capital amazônica.
Também não foram anunciadas medidas ou iniciativas para lidar com a especulação nas acomodações da região.
Em um painel no evento da Aya Earth Partners, André Godinho, secretário executivo da prefeitura de Belém para a COP30, opinou que a conferência havia se tornado um debate sobre infraestrutura hoteleira em vez de mudanças climáticas.
"Estão falando mais sobre o problema dos hotéis do que sobre o problema do mundo. A COP é um evento de arquitetura ou de padrão de imóveis? Ou é um evento climático para falar dos impactos que estamos sofrendo?", declarou, atribuindo o imbróglio à cobertura da crise.
O secretário se ateve a justificativas considerando somente as limitações locais da capital paraense, sem se aprofundar sobre o descontrole das tarifas praticadas pelos hoteleiros da região.
"Espero que o mundo veja esse ambiente e compreenda de que forma pode colaborar, em vez de ficar só mostrando defeitos ou falhas como se não tivessem defeitos e falhas nos seus lugares também", declarou Godinho.
Por fim, reafirmou: "Vai ter COP em Belém, queira sim, queira não, queira alguém que está lá do outro lado do mundo reclamando que não vai ter".
Nesta terça-feira, 5, o presidente austríaco Alexander Van der Bellen tornou-se o primeiro chefe de estado a oficializar sua ausência por limitações orçamentárias, sinalizando que mesmo nações desenvolvidas enfrentam dificuldades para custear a participação integral na Cúpula.
Van der Bellen, que havia demonstrado entusiasmo pela conferência amazônica em conversas com Lula no ano passado, será substituído pelo ministro do Meio Ambiente de seu país.
A crise da hospedagem da COP30, porém, expõe uma fragilidade que vai além da logística. Começa a colocar em xeque também a legitimidade das decisões que serão tomadas na capital amazônica.
Conforme as exigências da ONU, é necessária a participação de ao menos dois terços dos 198 países signatários da convenção do clima para validar os acordos firmados durante as conferências climáticas.
Nesta terça-feira, 5, em uma participação remota no evento da Climate Week realizado pelo Insper, André Corrêa do Lago foi direto:
"Se não tivermos todas as delegações em Belém, pode ter um questionamento sobre a legitimidade do que nós negociamos, pela ausência de alguns países que não podem pagar hotel."
Nesta tarde, foi divulgado o calendário oficial dos Dias Temáticos da COP30 Belém, informação que pode facilitar a programação de quem não teria disponibilidade - e disposição financeira - para permanecer duas semanas inteiras na capital paraense.
"Queremos que todas as pessoas, como cientistas e estudantes, ministros e prefeitos, ativistas e artistas, vejam onde se encaixam nessa agenda e planejem se juntar a nós em Belém para uma ação coletiva", disse Ana Toni, CEO da COP30, na nota de comunicação oficial da agenda.
Os próximos dias serão decisivos para o futuro da conferência climática na Amazônia. Em pouco menos de uma semana, no dia 11 de agosto 2025, o Brasil precisa apresentar ao Secretariado da ONU soluções efetivas para o tema.
O desenrolar deste cronograma definirá se a primeira COP da Amazônia será lembrada pelas soluções e avanços em negociações ou pelo precedente de uma conferência esvaziada por ganância hoteleira.