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Análise: 'COP30 é palco crítico para indústria provar compromisso real', diz Carlos Nobre

Além do desafio climático, crise de hospedagem e mal-estar internacional com custos em Belém ameaçam participação e legitimidade da conferência

Carlos Nobre, atração do Encontro Futuro Vivo: falta de acordo no Tratado do Plástico era previsível e grave; e pode comprometer COP30. (Lucas Lacaz/Divulgação)

Carlos Nobre, atração do Encontro Futuro Vivo: falta de acordo no Tratado do Plástico era previsível e grave; e pode comprometer COP30. (Lucas Lacaz/Divulgação)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 24 de agosto de 2025 às 09h12.

Última atualização em 24 de agosto de 2025 às 09h28.

O resultado fracassado das negociações para o Tratado Internacional do Plástico em Genebra, encerrado no último dia 15, não foi uma surpresa, mas serve como um alerta severo para os desafios que aguardam a COP30, em Belém.

A análise é do climatologista Carlos Nobre, um dos principais cientistas do mundo e primeiro brasileiro a se tornar integrante do grupo Planetary Guardians, que reúne pesquisadores e ativistas em prol de estudos e análises sobre ação climática e proteção de comunidades vulneráveis.

O impasse, que se deu sobretudo por pressão de nações produtoras de petróleo, incluindo os Estados Unidos de Donald Trump, bloqueou o estabelecimento de metas obrigatórias para reduzir a produção de plásticos virgens.

Para Nobre, este é um sintoma de uma doença maior: a lentidão intencional da transição energética global, mesmo diante de evidências científicas irrefutáveis.

“Foi uma decepção imensa os países não terem aprovado esse grande acordo internacional para rapidamente não produzir mais plásticos de petróleo”, afirmou o climatologista em entrevista exclusiva para EXAME.

“A ciência já mostra o risco dos microplásticos para a nossa saúde. Além disso, a queima de combustível fóssil é o principal fator da poluição urbana, levando a 6 a 7 milhões de mortes por ano”, completou.

Um cenário previsível, porém devastador

O cientista admitiu que a posição dos EUA e de outros petroestados era esperada, mas expressou surpresa com o alinhamento do Brasil ao grupo que resistiu a limites mais ambiciosos.

“Nós, da academia brasileira de ciências, tínhamos uma posição muito forte. Logicamente achávamos que o Brasil iria ser um dos países que iria claramente apoiar [nossa posição]”, disse.

A análise de Nobre vai ao encontro das críticas feitas dias antes pelo ex-vice-presidente americano Al Gore, em um evento no Rio de Janeiro, onde destacou a `hegemonia global´ da indústria de combustíveis fósseis e sua capacidade de “ditar o que o mundo pode ou não pode fazer”.

O fracasso em Genebra é um exemplo mais recente - e prático - desse poder de veto, um padrão que se repete há décadas nas conferências climáticas.

Nobre foi categórico ao diagnosticar a raiz do problema. Para o cientista, com a exploração contínua de combustíveis fósseis, mesmo sem abrir nenhum novo poço de petróleo ou mina de carvão, as reservas já em exploração emitirão gases de efeito estufa suficientes para levar o planeta a um aquecimento de 2°C até 2050.

“Isso é sem fazer nenhuma nova exploração. Nenhuma. Então não tem como você ainda estar jogando 9, 10 bilhões de toneladas [de CO2] até 2050 e imaginar que vamos conseguir manter a temperatura abaixo de 1,5°C. É impossível”, alertou.

O caminho, defende portanto, é “zerar completamente o uso” desses combustíveis, não apenas pela crise climática, mas também pela saúde pública.

A urgência em uma agenda travada

É neste contexto de impasse global que a COP30, em Belém do Pará, se desenha. E já nasce sob um paradoxo: a urgência que exigiria firmes rupturas, mas com uma agenda formal pré-estabelecida que sugere um resultado contrário ao desejado por Nobre - que obviamente estará na conferência - e toda a comunidade de ciência do clima.

Somado a isso, uma crise logística severa ameaça sua legitimidade. O imbróglio em torno da hospedagem na capital paraense, com preços inflacionados pela especulação, escalou a ponto de um bloco de 25 países, capitaneado pelo Grupo Africano de Negociadores, solicitar formalmente a mudança de sede do evento.

Em reunião solicitada pela ONU nesta sexta-feira, 22, o governo brasileiro, representado pelo embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, precisou apresentar soluções para o problema.

Foi criada, então, uma força-tarefa para possibilidar a hospedagem de nações vulneráveis, com garantia de 10 a 15 quartos a preços razoáveis para cada país. Mas demandas da ONU por um apoio mais amplo foram negadas.

O resultado imediato é preocupante. Até o momento, apenas 47 países confirmaram acomodações - dois deles, a Arábia Saudita e o Egito, petroestados que não precisarão limitar suas delegações como propõe a solução oferecida pelo governo brasileiro aos países mais pobres.

A 78 dias da COP, o número é bastante baixo para garantir o quórum necessário para legimitar decisões globais. E o risco de esvaziamento ainda paira sobre o evento.

Neste cenário de tempestade perfeita, Carlos Nobre vê a conferência em Belém como um palco crítico para testar a disposição real do setor industrial, principalmente o de combustíveis fósseis, de acelerar a transição.

“A novidade seria a indústria chegar na COP30 e falar: ‘nós concordamos em acelerar demais [a redução]."

 “Até agora, são poucos no setor do petróleo que seguiram na direção de energia renovável. É coisa muito pequena”, ponderou, lembrando o caso da BP (British Petroleum), que em meados dos anos 2000 adotou o slogan  "Beyond Petroleum" para rebatizar a companhia e reforçar o compromisso com energias renováveis e a transição.

A mudança de marca ainda sinalizava um esforço para retratar a BP como uma empresa de energia, não apenas uma empresa de petróleo. Contudo, há cerca de um ano, a companhia não somente abandonou o compromisso, como realocou investimentos antes previstos em energias renováveis para novos projetos bilionários de petróleo e gás

Um debate necessário com o mundo

A emergência climática será destaque no Encontro Futuro Vivo, no próximo dia 26 de agosto, onde Carlos Nobre dividirá um palco virtual com o renomado cientista climático sueco Johan Rockström.

A dupla, que já participou de painéis juntos em fóruns como Davos, deve aprofundar a discussão sobre os pontos de não retorno do planeta e os caminhos para evitá-los.

O evento, uma iniciativa da Vivo, reúne vozes como Ailton Krenak, Sidarta Ribeiro Gilberto Gil para debater clima, saúde, ancestralidade e tecnologia. Haverá transmissão on-line e gratuita.

Para Nobre, eventos como esse são fundamentais para alimentar a vontade política necessária para superar os obstáculos que paralisaram Genebra, agora ameaçam Belém e colocam em risco o futuro de todo o planeta.

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