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Representantes do Brasil no encontro do Balanço Ético Global em Nova York, promovido por Karenna Gore: evento integra série de discussões éticas sobre clima realizadas globalmente. (Fernando Donasci / MMA)
Editora ESG
Publicado em 19 de setembro de 2025 às 20h08.
Última atualização em 19 de setembro de 2025 às 21h38.
* De Nova York
A Brazil Climate Week, tradicionalmente um palco para articulação ambientalista na esteira da Assembleia Geral da ONU em Nova York, transformou-se nesta semana em uma "pré-COP" não oficial.
O movimento, apesar de um esvaziamento de público deste ano notado nos bastidores, serviu para esquentar mais um pouco o debate - e algumas tensões - a pouco mais de 50 dias da cúpula do clima de Belém.
A semana de encontros também evidenciou como ainda é complexa a missão da liderança brasileira da COP30: defender a credibilidade da conferência contra obstáculos logísticos e o turbulento panorama global.
Nesta sexta-feira, 19, a delegação oficial do Brasil deu um passo nessa estratégia de governança, participando do encontro do Balanço Ético Global (BEG).
O diálogo, que faz parte de uma série de discussões morais e éticas realizadas globalmente - incluindo uma etapa recente em Adis Abeba, na Semana do Clima da África, onde foi discutida a liderança e a justiça climática africana - concentrou-se agora no contexto da América do Norte.
O evento, realizado no Museu Americano de História Natural, contou com a presença do presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, e da Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, ao lado de Karenna Gore, Colíder do Diálogo da América do Norte do BEG e fundadora do Center for Earth Ethics, e de Selwin Charles Hart, Conselheiro Especial do Secretário-Geral da ONU para a Ação Climática e Transição Justa.
A mensagem do governo, uníssona e clara, é de que o Brasil buscará fortalecer o multilateralismo e a solidariedade para superar o risco de enfraquecimento das decisões, mas os desafios da hospedagem e dos atrasos nos compromissos climáticos (NDCs) continuam a dominar as conversas.
Em atendimento a um grupo restrito de jornalistas após o encontro do BEG, a ministra Marina Silva reconheceu o "imenso prejuízo" causado pelo atual panorama internacional, sobretudo pela postura de grandes potências econômicas e emissoras como o Estados Unidos que, ao não se alinharem totalmente com o Acordo de Paris, minam o esforço multilateral.
Mais cedo nesta sexta-feira, André Corrêa do Lago já havia revelado que os EUA não havia enviado delegação para a primeira rodada de negociações entre os países e a presidência da Conferência da ONU sobre o Clima, realizada na semana passada.
No entanto, evocando o histórico de superação de outros acordos, como o Protocolo de Kyoto, para rebater o ceticismo: "É claro que é um prejuízo enorme. Não vamos ser negacionistas de não reconhecer esse imenso prejuízo," declarou Marina Silva.
"Por outro lado, é a oportunidade de mostrarmos que, como fizemos no passado, iremos fazer mais intensamente agora para que diferentes países do norte global e do sul global possam dar uma demonstração de fortalecimento do multilateralismo climático".
O desafio persistente da hospedagem em Belém também foi questionado, por ainda ser uma ameaça à agenda de ação. Até o momento, 79 países confirmaram hospedagem, e o governo afirmou que outras 70 nações seguem em negociação por uma solução.
Sobre o tema, o embaixador André Corrêa do Lago reafirmou que a questão dos preços "completamente desproporcionais a qualquer COP" perdura.
"Infelizmente o preço dos quartos (em Belém) continua uma coisa completamente desproporcional para qualquer COP e é uma coisa bastante difícil de entender. Mas continua," comentou o diplomata.
Na última semana, a pedido da presidência brasileira da conferência a ONU aumentou a ajuda financeira para que os países mais pobres possam enviar representantes, elevando a diária de US$ 144 para US$ 197.
A medida foi precedida por outras ações recentes: plataformas digitais de hospedagem anunciaram medidas para conter a especulação imobiliária em Belém, após intensa pressão dos órgãos de defesa do consumidor, que estabeleceram como parâmetro valores três vezes superiores aos praticados na alta temporada religiosa da cidade.
Nesta sexta-feira, Corrêa do Lago detalhou, como já havia feito há cerca de um mês, o plano para assegurar o mínimo de 15 quartos para os países de menor desenvolvimento relativo e pequenas ilhas, e 10 quartos para os demais.
Contudo, admitiu com preocupação, que os custos ainda são proibitivos para a sociedade civil, academia, setor privado e até para representantes da imprensa.
Não obstante às questões de estrutura, outro tema é motivo de tensão na agenda de negociação "pré-COP". Trata-se do atraso na entrega das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que estabelecem os compromissos climáticos de cada país.
Até o fim de agosto, somente 29 dos 197 países que fazem parte da Convenção do Clima da ONU (UNFCCC) haviam entregado suas novas NDCs para 2035.
O prazo original venceu em fevereiro, tendo sido prorrogado até 24 de setembro, dia seguinte ao debate de alto nível da Assembleia Geral. É nesta data que acontece a Cúpula de Alto Nível, anunciada há um mês na sexta carta da presidência da COP30.
O encontro prévio, um modelo inédito na história das conferências climáticas, foi motivado pela preocupação de que quase metade dos países, cerca de 97 nações, podem seguir em atraso com a entrega de suas metas, incluindo grandes emissores como China e Índia.
Questionado por EXAME sobre a situação, Selwin Hart, da ONU, afirmou que o evento do próximo dia 24, organizado em conjunto pelo Secretário-Geral da organização e pelo Presidente Lula, "atraiu o interesse significativo, com mais de 100 países expressando interesse em participar, e cerca de 50 como chefes de estado/governo."
Segundo Hart, a expectativa da ONU é que este evento se torne uma "força política importante" para que os líderes submetam suas NDCs ou, no mínimo, anunciem os principais objetivos e metas antes da COP30.
"A solidariedade e a cooperação internacional são absolutamente essenciais" completou Hart. “É preciso lembrar que 195 menos 1 é 194. Não é zero”, reforçou o diplomata, explicando que a ausência de um ator-chave não paralisará o processo multilateral.
A Cúpula de Alto Nível do dia 24 de setembro será um momento-chave para mensurar a temperatura da credibilidade do governo brasileiro junto à comunidade internacional.
O país tem sido alvo de críticas e cobranças após episódios como a postura adotada nas negociações para o Tratado Internacional do Plástico em Genebra, onde ambientalistas e observadores apontaram um suposto alinhamento do Brasil com países petroleiros que inviabilizaram o acordo.
Adicionalmente, o posicionamento sobre questões internas como a exploração na Foz do Amazonas (pauta sensível e já cobrada no Diálogo de Petersberg, em março), segue no radar estrangeiro.
Questionada por EXAME sobre esses aspectos, Marina Silva seguiu na defesa da transição em curso, tomando emprestada a fala do ministro da Fazenda sobre o Plano de Transformação Ecológica.
"As grandes contradições, elas estão postas não só no Brasil, mas no mundo inteiro," afirmou a ministra.
"De fato, nós temos ainda uma limitação de fontes renováveis para suprir a necessidade de toda a demanda de energia sobretudo nos setores econômicos, mas isso tem que ser superado" concluiu.
Agora, os próximos 50 dias serão determinantes para que o Brasil consiga transformar a solidariedade multilateral em quartos, logística e autoridade, garantindo que a primeira COP na Amazônia não seja lembrada apenas pelos transtornos, mas por acordos e avanços.