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Navegando pela transição: o acordo da IMO que redesenha o comércio global e posiciona o Brasil como potencial protagonista na nova economia marítima descarbonizada. (Freepik)
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Publicado em 10 de maio de 2025 às 07h00.
* Por Tatiana Matiello Cymbalista
Mudamos a rota do carbono na navegação. O setor de transporte marítimo, responsável por mais de 80% do comércio global e por 3% das emissões mundiais de gases de efeito estufa, tem agora a meta de zerar as emissões líquidas de carbono até 2050.
É o que diz o acordo histórico aprovado recentemente pela Organização Marítima Internacional (IMO), a agência da ONU que regula o setor. A decisão tem implicações profundas para todo o comércio internacional, para a indústria naval e, de maneira mais ampla, para todas as nações que dependem do modal marítimo. Mais do que isso, tem um significado único para as negociações climáticas em geral.
O pacto, aplicável aos 176 Estados-membros da organização, representa um novo patamar de compromisso climático no setor. Além do net zero em 2050, ele estabelece metas anuais intermediárias de 2028 a 2050, e direciona para o uso progressivo de combustíveis de baixo carbono e tecnologias limpas.
Os navios que descumprirem as metas de redução terão que pagar taxas e multa por tonelada de CO2 equivalente acima do limite. Os recursos arrecadados irão para um fundo que recompensará as embarcações com emissão próxima a zero, mecanismo que será complementado por um sistema de comercialização de créditos de carbono interno ao setor.
A aplicação do acordo demandará nova regulação no Brasil, tanto para entronizar os limites de emissão das embarcações, quanto para incentivar investimentos em infraestrutura portuária sustentável.
As empresas brasileiras precisarão se adaptar às novas diretrizes internacionais, sob pena de sofrerem restrições comerciais e aumento de custos operacionais, além dos prejuízos reputacionais em mercados que priorizam ou exigem cadeias de valor descarbonizadas.
O Brasil tende a obter vantagens comparativas no setor, caso consiga implementar as mudanças estimuladas pelo acordo.
A produção de combustíveis verdes e a oferta abundante de energia limpa permite que o país se torne um hub de produção de combustíveis verdes (hidrogênio verde, amônia verde, etanol, biodiesel, biometano) com alto potencial de uso naval. Também a indústria de base pode se beneficiar de uma política industrial voltada à descarbonização.
O acordo recebeu muitas críticas de ambientalistas, que consideraram as metas pouco ambiciosas, observaram que na prática haveria uma “licença” para não mudar nada até 2028 e ressaltaram que o acordo, se cumprido, tardará muito para surtir os efeitos desejados.
Contudo, é preciso reconhecer que há motivos para comemoração. Primeiro, o fato de que a transição energética do transporte marítimo não é mais uma possibilidade futura, mas uma realidade em curso.
Ainda que o novo acordo da IMO ainda dependa de implementação local, ele já influencia a formulação de políticas públicas, concessões portuárias, contratos administrativos e licitações.
Ele ainda poderá ser aprofundado em novas edições, mas já temos vários exemplos em que a mera existência de uma regulamentação foi suficiente para induzir comportamentos além das metas previstas.
Além disso, no contexto atual de recuo da pauta climática e do multilateralismo, a aprovação de um acordo de descarbonização do transporte marítimo aponta para a resiliência dos acordos multilaterais e fortalece os processos de decisão internacionais em matéria climática.
Esse talvez seja o maior motivo para comemoração. Antes dele, tivemos algumas experiências setoriais de autorregulação ou de compromissos voluntários de redução e offsetting (como o CORSIA, para o transporte aéreo).
Mas este é o primeiro acordo vinculante de países membros de uma organização setorial internacional que combina limites de emissão de gases de efeito estufa e sanções para o excedente de todo um setor. E abre um mar de possibilidades.
* Tatiana Matiello Cymbalista é sócia da Manesco Advogados e Mestre em Administração Pública pela Harvard Kennedy School e doutora em Direito pela Université Panthéon-Assas (Paris II).