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Parque da Cidade, em Belém: com cúpula de chefes de Estado marcada para 6 e 7 de novembro, Brasil precisa resolver credenciais e especulação que afastam atores decisivos para transição climática. (Rafa Neddermeyer/ COP30)
Editora ESG
Publicado em 6 de outubro de 2025 às 08h27.
Última atualização em 6 de outubro de 2025 às 09h34.
Em 30 dias, a COP30 começa em Belém, com a abertura da cúpula de líderes (que reúne chefes de Estado).
A presidência brasileira da conferência climática ainda trabalha para propagar uma agenda que contabiliza avanços tangíveis: por exemplo, o número de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) submetidas aproxima-se de 60 países.
Nesta quase reta final, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também parece ter assumido um papel maior pelo engajamento internacional percebido, sobretudo, durante a Semana do Clima de Nova York, em setembro, quando a COP30 foi lembrada em todos os seus pronunciamentos oficiais na Assembleia Geral da ONU e ocupou um relevante espaço na agenda, mesmo com tantos outros temas paralelos.
Contudo, a corrida para pavimentar um caminho rumo a uma conferência bem-sucedida ainda tropeça em obstáculos críticos. A crise logística de hospedagem perdura – mesmo que ações conjuntas da alta gestão da COP, governo federal e Casa Civil tenham rendido algum progresso nas confirmações de delegações.
Na última sexta-feira, 2, durante visita ao Parque da Cidade, onde ficará o espaço oficial do evento, Lula reconheceu publicamente as limitações da infraestrutura local.
Acompanhado por ministros e autoridades locais, o presidente recebeu apresentação detalhada sobre o andamento das obras das Blue Zone ( a Zona Azul, destinada às negociações oficiais) e Green Zone (a Zona Verde, aberta ao público), além da área de credenciamento. Na ocasião, declarou:
"Eu sei os problemas de Belém, sei os problemas de drenagem, sei os problemas da pobreza. Mas por que aceitamos o desafio de fazer a COP lá? É preciso mostrar para o mundo o que é a Amazônia e o que é o Pará. Não vai ser a COP do luxo. Nem irei para hotel, vou dormir em um barco."
Lula relembrou ainda dificuldades enfrentadas na realização da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016, reforçando que a COP30 será "a COP da verdade", sem o padrão luxuoso de edições como Dubai ou Paris. "Ninguém vai dormir aqui pior do que dorme em qualquer lugar do mundo", garantiu.
O presidente Lula em visita às obras de macrodrenagem e urbanização do Canal da União, em Belém, em visita que antecede a COP30. (Ricardo Stuckert)
Presente no evento, Rui Costa, ministro da Casa Civil, afirmou que o número de inscritos ultrapassou 55 mil, o que sinalizanria forte interesse global. Porém, somente 87 países já reservaram hospedagem, enquanto 81 seguem em tratativas.
Durante a Semana do Clima de Nova York, o governador do Pará, Helder Barbalho, também havia tentado minimizar os problemas. Em entrevista para EXAME à época, afirmou que já haviam sido credenciadas mais de 44 mil pessoas, com 80 delegações oficiais confirmadas e representantes de 150 países.
"Se fizermos uma comparação hoje, projetando faltando 50 dias, teremos uma participação internacional de delegados maior do que aconteceu em Baku", disse, comparando com a COP29 do Azerbaijão.
Em uma conversa com EXAME em Nova York, o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da conferência, já havia alertado para o risco persistente que os altos custos de hospedagem representam para participação de grupos de sociedade civil e para imprensa, sobretudo internacional.
O desafio atual, conforme o diplomata, não está mais nas obras – muitas já concluídas ou em fase final –, mas em garantir que a maior diversidade de participantes possa comparecer: cientistas, empresários, representantes da sociedade civil e gestores públicos de todo o mundo. Na sexta-feira, em Belém, foi ainda mais direto:
"A questão de virem todos os países está equacionada. Agora a questão de virem todos os atores que a gente quer ainda não está equacionada, porque nós precisamos de preços mais atraentes."
E completou: um relevante impacto concreto da especulação imobiliária é o cancelamento da cobertura presencial de veículos internacionais.
"Vocês não sabem a quantidade de jornais no mundo que estão nos dizendo que não vêm mais a Belém, por causa do preço dos hotéis. Grandes grupos de imprensa estão trazendo só um terço [das equipes], a metade do que queriam. É uma pena, porque isso aqui vai ser um espetáculo", declarou.
Mas para além do já conhecido desafio logístico, é um novo entrave que ganha contornos preocupantes nos bastidores - e afeta diretamente a participação estrangeira: a pressão crescente de empresas por badges de acesso à Blue Zone , crachás que permitem entrada no espaço onde acontecem negociações oficiais e reuniões bilaterais.
O problema, também evidenciado durante a Semana do Clima de Nova York, ameaça esvaziar justamente a participação do setor que detém o capital considerado imprescindível para viabilizar a transição energética global.
A questão está fora da alçada de Dan Ioschpe, climate champion da COP30 e responsável pela ponte entre setor privado e demais atores oficiais, o que adiciona complexidade à resolução do impasse.
Uma articulação emergencial em Nova York fez chegar às mãos de Ana Toni, CEO da COP30 e que poderia ceder as credenciais, uma relação de cerca de 30 empresas, formulada por atores que capitaneiam a participação privada e entendem que o acesso é fundamental para que muitas das decisões na cúpula sejam abraçadas pela indústria.
Não houve avanço desde então, crescendo apenas a preocupação de que a participação empresarial siga esvaziada ou relegada a papéis meramente protocolares.
A presença do setor privado nas COPs habita território contraditório. Por um lado, o histórico de pressões que travaram ou influenciaram negativamente negociações, sobretudo por lobistas de petroleiras, alimenta desconfiança.
Em Baku, a delegação formada por representantes desta indústria foi a segunda maior do evento. E o fato de as três últimas edições da conferência terem sido realizadas em petroestados (Egito, Emirados Árabes e Azerbaijão), não ajudou a construir credibilidade.
No entanto, em outra perspectiva, especialistas e veteranos de COPs reconhecem: sem capital privado, tanto o montante de investimentos necessários para a transição quanto a cooperação de negócios emissores conforme estabelecido nas NDCs tornam-se inalcançáveis, especialmente em países vulneráveis às mudanças climáticas.
Na edição brasileira, a tentativa de organizar a voz empresarial para além do lobby passa por mobilizações como a SB COP – iniciativa da Confederação Internacional da Indústria (CNI) que busca replicar o modelo de outros fóruns como o B20 no G20.
Ricardo Mussa, chair da SB COP que liderou a força-tarefa de transição energética do B20, defende que o setor precisa demonstrar capacidade de entrega concreta.
"O maior papel da SB COP é organizar bem o setor privado, ter representatividade e liderar pelo exemplo. O setor privado mundial, 80% das emissões está no setor privado, onde a solução vai estar", afirmou Mussa em um evento recente da EXAME.
"Há quase 20 anos o G20 aprendeu que convidar o setor privado para participar pode funcionar muito bem", ponderou o executivo. Durante a presidência brasileira do G20 em 2024, o B20 conseguiu que 72% de suas recomendações fossem refletidas na negociação final.
Para a COP30, Mussa explica, a estratégia da SB COP (que reúne associações de indústria e comércio representando cerca de 40 milhões de empresas de mais de 60 países) envolve apresentar casos de sucesso reais em vez de listas extensas de propostas.
"Lançamos um concurso para receber os melhores exemplos do mundo. E chegaram mais de 1.200 casos de sucesso", contou. A partir de uma curadoria e avaliação destas iniciativas, 23 prioridades foram entregues ao embaixador Corrêa do Lago.
O discurso pragmático do chair da SB COP reflete a tentativa de distanciar a iniciativa do lobby tradicional. "Não adianta só ficar reclamando. A maior briga quando eu tenho uma discussão sobre clima é que a gente passa 90% do tempo falando do problema e 10% da solução", avalia o executivo.
A questão permanece: o modelo conseguirá equilibrar acesso às negociações com salvaguardas contra captura por interesses contrários ao clima? E mais urgente: haverá acesso suficiente para testá-lo?
Com a cúpula de chefes de Estado e de governo marcada para 6 e 7 de novembro, o Brasil precisa encontrar rapidamente o equilíbrio entre viabilizar participação qualificada do setor privado e evitar a captura das negociações por interesses contrários ao avanço climático.
A presidência brasileira se estenderá até novembro de 2026, mas o evento em Belém será o momento decisivo para demonstrar se o país consegue traduzir protagonismo diplomático em resultados concretos.
Como ressaltou Corrêa do Lago, ainda é possível reverter o esvaziamento. Para isso, é preciso vontade política para enfrentar tanto os preços abusivos de hospedagem quanto a abertura controlada de acesso às negociações.
"Tomara que a gente preserve isso e se organize cada vez mais para que as próximas COPs a gente esteja cada vez com um: olha, aqui é a solução, foca mais nesse ponto", disse Mussa sobre a estruturação da participação empresarial. "Isso a gente faz muito melhor, eu acho, que o setor público. É focar."
O desafio é fazer essa solução chegar à Blue Zone.