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Brasil precisa saltar de 4% para 50% de reciclagem até 2040 enquanto enfrenta custo alto de resina reciclada e infraestrutura limitada de coleta seletiva (Rodolfo Buhrer/Divulgação)
Repórter de ESG
Publicado em 21 de outubro de 2025 às 20h30.
Última atualização em 21 de outubro de 2025 às 20h41.
O Brasil é campeão mundial na reciclagem de latas de alumínio, com impressionantes 97% de reaproveitamento em 2024. Mas quando o assunto é plástico e outros materiais, o país ainda patina: apenas 4% do lixo total produzido anualmente é reciclado, muito abaixo da média mundial de 16%.
Enquanto milhões de toneladas de resíduos acabam em lixões ou aterros sanitários, a falta de infraestrutura de coleta seletiva, o alto custo e a baixa escala de reaproveitamento são os maiores gargalos.
Às vésperas da COP30, o governo federal deu um passo para mudar o cenário e acelerar a economia circular. O decreto publicado na terça-feira, 21, no Diário Oficial da União estabeleceu pela primeira vez metas nacionais de reciclagem: 32% em 2026, chegando a 50% até 2040.
Para reutilização do material em novas embalagens, o Brasil precisa saltar de 22% para 40% no mesmo período.
As novas regras colocam pressão sobre um setor que já movimenta bilhões em programas de logística reversa, mas ainda enfrenta desafios estruturais gigantescos.
A EXAME conversou com a Coca-Cola, Natura, Boticário e Unilever — empresas que juntas colocam no mercado milhões de toneladas de embalagens anualmente — e estão em uma corrida acelerada para fechar o ciclo dos materiais na cadeia produtiva.
Com programas que vão de cooperativas na Amazônia a fábricas de reciclagem no Nordeste, essas gigantes investem em modelos que buscam unir impacto ambiental, inclusão social e viabilidade econômica.
Mas todas esbarram no mesmo paradoxo: a resina reciclada ainda custa mais caro que o plástico virgem, invertendo a lógica que deveria favorecer a economia circular.
Na grande conferência do clima da ONU em Belém, a agenda terá pela primeira vez um palco oficial nas discussões climáticas e o Brasil tenta mostrar que pode ser laboratório de inovação.
Como diferencial, coloca catadores de materiais recicláveis no centro da estratégia, transformando o maior desafio ambiental do país em oportunidade de inclusão social.
Mas afinal, no que as gigantes de embalagens estão apostando?
A Natura se posiciona com um portfólio ambicioso de economia circular entre as gigantes brasileiras. Pioneira na adoção de embalagens refis em 1983, a companhia de cosméticos estabeleceu meta de se tornar 100% regenerativa até 2050, com compromissos intermediários que incluem ter 100% das embalagens reutilizáveis, refiláveis, recicláveis ou compostáveis até 2030.
O coração da estratégia é o Programa Natura Elos, que desde 2020 já reciclou mais de 41,2 mil toneladas de materiais.
A iniciativa mobiliza 58 cooperativas parceiras apenas no Brasil, reunindo mais de 2,5 mil catadores, e incorpora anualmente mais de 15 mil toneladas de materiais reciclados nas embalagens e materiais da empresa.
Na Amazônia, onde já atua há mais de duas décadas, o projeto Rios Vivos mobiliza 10 comunidades ribeirinhas e quatro cooperativas de reciclagem no Amazonas e Pará, impactando mais de 680 famílias na coleta de resíduos plásticos dos rios.
O resultado aparece em produtos como o frasco de hidratante de castanha da linha Ekos, feito 100% com este plástico e redução de 81% no uso de material.
Em Belém, a ecobarreira instalada em parceria com a prefeitura municipal já coleta 400 quilos de resíduos por dia, retendo plásticos em canais urbanos antes que cheguem aos oceanos e levem a poluição.
Os materiais seguem para reciclagem e reaproveitamento industrial, inclusive como insumos para construção civil em parceria com a startup Seixos Plásticos.
"A ecobarreira funciona como um legado para além da COP30, promovendo conscientização sobre a gestão de resíduos e inspirando políticas públicas e modelos replicáveis de sustentabilidade urbana", destacou à EXAME Sergio Talocchi, gerente sênior de cadeias de circularidade da Natura.
O projeto Benevides Recicla, desenvolvido em parceria com a prefeitura local, já engajou mais de 30% da população e destinou corretamente 160 toneladas de resíduos recicláveis.
A meta é que 50% de todo o plástico utilizado seja reciclado até 2030 e 100% dos plásticos do portfólio sejam de origem renovável e compostáveis até 2050.
Atualmente, 70% dos frascos de polietileno são feitos de bioplástico derivado da cana-de-açúcar e 90% dos PETs contêm 100% de material reciclado pós-consumo.
Para a Natura, os desafios são técnicos e econômicos. A companhia cita limitações de segurança para utilização de alguns materiais em contato com algumas formulações cosméticas e a resina reciclada com custo ainda mais alto que a virgem.
Desde 2006, o Grupo Boticário opera o Boti Recicla, o maior programa de logística reversa em pontos de coleta do setor de beleza no Brasil.
Com mais de 4,5 mil pontos que recebem embalagens de qualquer marca, o volume coletado cresceu 85% em 2024 comparado a 2023 e beneficiou mais de 500 catadores.
Mas a grande inovação está no fechamento do ciclo: o material coletado é transformado em chapas sustentáveis que substituem MDF nos mobiliários das lojas.
Cada uma das 100 lojas sustentáveis da marca leva em sua estrutura cerca de uma tonelada de plástico reaproveitado.
Em 2025, o Boticário apostou em uma ação de reciclagem em uma nova loja em Pinheiros, em São Paulo: durante um fim de semana, a loja aceitou exclusivamente embalagens recicláveis como moeda de troca por créditos que davam acesso a prêmios.
Em apenas três dias, foram recolhidos mais de uma tonelada de resíduos que evitaram a emissão de uma tonelada de CO₂ e contou com o engajamento de cerca de 700 consumidores.
O programa Estação Preço de Fábrica, em parceria com a startup Green Mining, já conta com seis estações que valorizam o material pago aos catadores acima da média do mercado.
Em 2024, o volume de resíduos coletados aumentou 74% em relação ao ano anterior, com catadores representando 80% das pessoas beneficiadas.
A meta é recolher e destinar para reciclagem pelo menos o equivalente a 45% das embalagens geradas no ano até 2030. Em 2024, 40% do volume equivalente foi encaminhado para reciclagem.
Luis Meyer, diretor de ESG do Grupo Boticário, disse à EXAME que a companhia quer romper a lógica linear para que resíduos deixem de ser um problema e passem a ser parte da solução climática.
O Escopo 3 representa cerca de 98% das emissões do Boticário, tornando a circularidade estratégica rumo à descarbonização.
A Unilever é a única entre as gigantes que já ultrapassou sua meta de logística reversa.
Desde 2024, a empresa de bens de consumo coleta e processa o equivalente a 115% do peso de todas as embalagens plásticas que comercializa no Brasil, com um ano de antecedência em relação ao compromisso global.
A conquista não foi barata e nem simples. Entre 2018 e 2024, a Unilever Brasil reduziu 57 mil toneladas de plástico virgem em suas embalagens, evitando a emissão de 100 mil toneladas de CO₂.
Atualmente, 37% do plástico usado nas embalagens já é reciclado, e produtos como garrafas de amaciante Comfort, sabão líquido OMO, potes de máscara TRESemmé e squeezes de ketchup Hellmann's têm embalagens produzidas 100% com plástico reciclado.
"Firmamos parcerias de longo prazo com empresas de coleta e processamento, com auditoria independente e que certifica volume, origem e conformidade ambiental, legal e trabalhista", ressaltou à EXAME Juliana Marra, diretora de Assuntos Corporativos, Sustentabilidade e Comunicação da Unilever.
Segundo a executiva, o índice ainda baixo de recuperação de embalagens (21%) não é atingido principalmente pela falta de estímulo ao uso de resina reciclada, que tem custo alto e pouca competitividade.
A empresa defende políticas públicas de estímulo e investe R$ 904 mil no projeto "Ecos da Natureza", que assegura remuneração justa aos catadores sem intermediários.
As metas da Unilever incluem tornar todas as embalagens recicláveis, reaproveitáveis ou compostáveis até 2035, reduzir em 30% o uso de plástico virgem até 2026 e incluir 25% de plástico reciclado nas embalagens.
O Sistema Coca-Cola, presente há mais de 80 anos no Brasil com 33 fábricas e atuação em mais de 1 milhão de pontos de venda, vem consolidando há mais de uma década compromissos com a cadeia de reciclagem. A estratégia, que começou com os recicladores de base, agora busca fortalecer todos os elos.
A Coca-Cola FEMSA Brasil, maior fabricante em volume de vendas do sistema no país, opera a SustentaPET, sua agregadora de PET pós-consumo.
Criada em 2019, a iniciativa já coletou mais de 180 mil toneladas de PET e reciclou mais de 6 bilhões de garrafas plásticas, conectando diretamente 187 fornecedores parceiros, incluindo 24 cooperativas.
A meta para este ano é coletar 51,3 mil toneladas, atingindo próximo a 50% do volume colocado no mercado.
"Atuamos de forma estruturada para impulsionar um modelo sustentável de circularidade, reduzindo o impacto ambiental de embalagens e fortalecendo cadeias", destacou à EXAME, Fabiana Taislam, Head de ESG e Comunicação Externa da companhia.
No Norte e Nordeste, a Solar Coca-Cola está próxima de um marco: a neutralidade total de PET em 2025 no Pará, assim como já ocorre no Rio Grande do Norte, Bahia e Ceará.
O projeto Recicla Solar, iniciado em 2021, já destinou mais de 50 mil toneladas de PET pós-consumo para reciclagem em 12 estados.
Recentemente, lançou uma parceria com a Círklo para construir uma fábrica de reciclagem em Ananindeua (PA), com capacidade para transformar até 1.000 toneladas de PET por mês.
O objetivo é levar ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. Somente no Pará, são mais de R$ 6 milhões investidos em gestão de resíduos nos últimos anos.
Para Fábio Acerbi, Diretor de Relações Externas da Solar Coca-Cola, um dos principais desafios é a infraestrutura de coleta, reciclagem e beneficiamento dos resíduos.
Globalmente, a Coca-Cola Company estabeleceu para 2035 o objetivo de usar 35% a 40% de material reciclado nas embalagens primárias e garantir a coleta de 70% a 75% do número equivalente de garrafas e latas introduzidas por ano no mercado.
Em meio às diferentes estratégias, todas as empresas apontam o mesmo desafio estrutural: a economia não favorece a circularidade. A resina reciclada custa mais que a virgem, invertendo a lógica econômica que deveria incentivar a reciclagem.
"A desigualdade no acesso à coleta seletiva e à educação ambiental exige esforços contínuos para sensibilizar o consumidor e fortalecer a rede de cooperativas, que são protagonistas da transformação", resume Luis Meyer, do Boticário.
Katielle Haffner, diretora de sustentabilidade para Coca-Cola Brasil reforçou que fortalecer todos os elos produtivos também significa avançar na descarbonização da cadeia de valor da companhia, reduzindo emissões e fechando o "ciclo do plástico com eficiência, inovação e impacto social positivo"
Segundo especialistas, o novo decreto federal pode ser o ponto de virada. Ao estabelecer metas obrigatórias e priorizar cooperativas de catadores, tem o potencial de criar um mercado mais competitivo para a resina reciclada.
À EXAME, Rodrigo Oliveira, fundador da Green Mining, alerta que o maior desafio está na fiscalização devido à falta de rastreabilidade e transparência. "Grande parte dos sistemas atuais ainda depende de processos incompletos e informações autodeclaratórias. Isso abre espaço para fraudes", alertou.
A Green Mining já atua em parceria com Grupo Boticário, Ambev, Unilever, Danone e Natura, desenvolveu um sistema próprio de rastreamento que utiliza tecnologia para garantir a integridade dos dados desde a coleta até a destinação final.
O modelo operacional também elimina intermediários: por meio do projeto Estação Preço de Fábrica — do qual o Boticário participa —, a startup garante que catadores recebam diretamente o preço de fábrica via PIX semanalmente. Até agora, foram mais de 6 milhões de quilos de materiais destinados à reciclagem e R$ 5 milhões pagos diretamente aos trabalhadores.
Já a COP30 pode ser uma vitrine global para um modelo brasileiro de reciclagem em plena expansão e que une inclusão social e protagonismo dos catadores."É possível unir inovação tecnológica, impacto social e resultados ambientais concretos", afirmou Rodrigo, destacando o novo decreto federal como positivo.