Programa de conformidade é visto como um avanço por parte do setor, ao oferecer uma rota de regularização e segurança jurídica ( Bruno Peres/Agência Brasil)
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Publicado em 8 de outubro de 2025 às 21h07.
A Receita Federal e a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda estudam a possibilidade de cobrar tributos retroativos de empresas de apostas esportivas que atuam no país desde 2018, quando o mercado foi legalizado. O tema está em análise por um grupo de trabalho interministerial, e pode redefinir o equilíbrio regulatório do setor.
A medida vem na esteira da elaboração de um programa de conformidade para o setor, em moldes semelhantes ao Remessa Conforme, criado em 2024 para empresas do e-commerce estrangeiro. Após entraves na tramitação da MP alternativa à majoração do IOF, o programa foi incluído na matéria. No texto inicial, a proposta do governo era aumentar de 12% para 18% o imposto sobre o setor, frente à necessidade de aumento arrecadatório. A tentativa, contudo, não prosperou.
O trecho foi retirado da matéria votada na tarde de terça-feira, 7. Mas o relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), incluiu no substitutivo o programa de conformidade nos moldes debatidos pelo Grupo de Trabalho nos últimos meses. O Regime Especial de Regularização de Bens Cambial e Tributária (RERCT Litígio Zero Bets) tem o objetivo de aproximar o setor privado do setor público, com a declaração voluntária de recursos, bens ou direitos decorrentes da exploração de apostas de quota fixa. A adesão ao programa é voluntária e tem prazo de 90 dias.
Em um primeiro momento, o objetivo é regularizar a inadimplência de empresas que começaram a operar a partir de 1º de janeiro de 2025 — data de início da vigência da lei que regulamentou o mercado — e que ainda enfrentam pendências no pagamento de tributos ordinários, como Imposto de Renda e PIS/Cofins.
Em reunião do grupo de trabalho realizada em setembro, representantes da Receita e da Fazenda se reuniram com operadores do setor para alertar que o descumprimento das obrigações fiscais pode resultar em perda do direito de operação. Segundo apurou a Esfera Brasil, cerca de 20 empresas se encontram inadimplentes, critério que pode levar à cassação de licenças.
Em nota, a SPA afirma que está “analisando o tema” e os resultados “subsidiarão a atuação da Receita quanto à eventual cobrança retroativa”. O órgão, no entanto, ressalta que, por envolver matéria de inteligência fiscal, não pode detalhar o andamento dos estudos.
O debate mais sensível, porém, envolve o período entre 2018 e 2025, quando o mercado de apostas esportivas foi reconhecido no Brasil, sem qualquer regulação. Após a legalização, grandes plataformas internacionais passaram a operar no país sem sede local e, em muitos casos, sem o pagamento de tributos ordinários.
Em um segundo momento, a Receita avalia um “programa de conformidade para trás”, que permitiria às empresas regularizarem as pendências em prazos negociáveis, de modo a trazer o setor para a legalidade. As estimativas apontam para uma expectativa de arrecadação de R$ 12 bilhões com a medida.
A discussão pode ocorrer no âmbito do PLP 182/2025, que trata da redução de benefícios tributários e traz capítulo específico sobre apostas de quota fixa. O texto, que hoje se restringe às operações a partir de janeiro de 2025, já recebe pressões para incluir a cobrança retroativa. O projeto também prevê responsabilizar instituições financeiras e plataformas de publicidade que tenham prestado serviços a operadores não autorizados.
O setor enxerga o imposto retroativo com cautela. Operadores argumentam que o custo regulatório já é elevado, com outorga de R$ 30 milhões por licenças de cinco anos, além de taxas mensais de fiscalização que podem chegar a R$ 2 milhões, a depender do porte da plataforma.
Segundo cálculos de associações do setor, se somados os tributos federais e municipais (ISS, IR, PIS/Cofins e CSLL) ao imposto seletivo instituído na reforma tributária, a carga tributária imposta ao setor se aproxima dos 50%.
“A gente está muito próximo da curva de Laffer. Se aumentar mais a tributação, a arrecadação cai porque o operador sai do mercado regulado”, diz um representante de uma das principais casas de apostas.
Há relatos de empresas que cogitam não renovar ou até devolver a licença, caso a cobrança retroativa se confirme. Um dos pedidos já apresentados ao governo é permitir condições mais brandas de parcelamento e descontos em eventuais débitos passados.
Apesar da tensão, o programa de conformidade é visto como um avanço por parte do setor, ao oferecer uma rota de regularização e segurança jurídica. O grupo de trabalho deve concluir suas análises ainda em outubro.