Pix: governo norte-americano avalia os possíveis impactos do crescimento da plataforma brasileira sobre empresas de tecnologia e serviços financeiros dos EUA (Rafael Henrique/SOPA/Getty Images)
Colaboradora na Exame
Publicado em 19 de julho de 2025 às 16h49.
Última atualização em 19 de julho de 2025 às 20h07.
O Pix, sistema de pagamentos instantâneos criado e operado pelo Banco Central (BC), está no radar das autoridades comerciais dos Estados Unidos desde, pelo menos, 2022.
O governo norte-americano avalia os possíveis impactos do crescimento da plataforma brasileira sobre empresas de tecnologia e serviços financeiros dos EUA, como a Meta (proprietária do Facebook, Instagram e WhatsApp) e operadoras de cartão de crédito.
O alerta foi feito no relatório anual do Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês), publicado há três anos, e voltou à tona nesta quinta-feira, 17, quando a agência anunciou a abertura de uma investigação formal contra práticas comerciais brasileiras, incluindo o estímulo governamental ao uso do Pix, implementado em 2020.
Pix é o pagamento instantâneo brasileiro. O meio de pagamento criado pelo Banco Central (BC) em que os recursos são transferidos entre contas em poucos segundos, a qualquer hora ou dia (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Segundo o USTR, os EUA acompanham "de perto os desenvolvimentos relacionados ao mercado de pagamentos eletrônicos de varejo no Brasil para garantir que o Banco Central brasileiro facilite condições equitativas para todos os participantes do mercado", alertando para o papel duplo do BC como regulador e também como operador do Pix.
Para o órgão norte-americano, todas as empresas devem estar em posições igualitárias, incluindo as estrangeiras.
Esse relatório integra uma análise anual do USTR sobre barreiras comerciais estrangeiras que afetam exportações e investimentos dos EUA em 63 países, entre eles, o Brasil e o Reino Unido. A edição de 2022 foi a única a mencionar o Pix nominalmente, mas documentos posteriores mantiveram críticas ao sistema financeiro brasileiro.
Responsável pelo desenvolvimento e coordenação da política de comércio internacional, o USTR é uma agência federal que integra o gabinete executivo da presidência dos Estados Unidos. De acordo com Jamieson Greer, principal dirigente do escritório, a investigação foi aberta a pedido do presidente Donald Trump, com foco em apurar “os ataques do Brasil às empresas de mídia social americanas, bem como outras práticas comerciais desleais que prejudicam empresas, trabalhadores, agricultores e inovações tecnológicas” dos EUA.
Segundo a Agência Brasil, analistas apontam que as críticas ao Pix podem estar relacionadas ao fato de um sistema que é gratuito, público e amplamente difundido, competir diretamente com serviços privados, como operadoras de cartão de crédito e plataformas privadas como o WhatsApp Pay, da Meta.
Segundo dados do Banco Central, o Pix movimentou R$ 26,4 trilhões em 2023, e se consolidou como o maior entre os sistemas de pagamento mais utilizados no país.
Em entrevista à Agência Brasil, a economista Cristina Helena Mello, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), afirmou que “o Brasil desenvolveu uma forma de meio de pagamento que oferece uma série de vantagens. O Pix é ágil, promoveu um processo de bancarização, de inclusão de pessoas que não tinham conta. E faz parte da lei de competência e de concorrência oferecer um produto cada vez melhor”.
Uma das possíveis motivações para a reação do governo Trump está na suspensão, em 2020, do WhatsApp Pay no Brasil. Em junho daquele ano, a Meta, empresa de Mark Zuckerberg, anunciou que o país seria o primeiro do mundo a permitir transferências de dinheiro pelo aplicativo. A operação usaria cartões de crédito e débito cadastrados no app.
Menos de uma semana após o anúncio, o BC e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) suspenderam a funcionalidade. Conforme as autoridades brasileiras, era necessário analisar riscos à concorrência e garantir o funcionamento seguro do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).
“O WhatsApp criou uma forma de transferência de dinheiro de pessoas para pessoas, mas estava fazendo isso fora do sistema financeiro legal. Não estava fazendo com integração com o nosso sistema financeiro. Portanto, escapava da regulação do Banco Central, o que fere regras brasileiras de acompanhamento de transações monetárias”, explicou Mello.
Com a abertura da investigação comercial pelo USTR, cresce o interesse internacional sobre o papel do Pix no cenário global de meios de pagamento. O sistema brasileiro começa a ser visto também como uma alternativa ao dólar em algumas transações, o que intensifica o debate geopolítico em torno da sua expansão e também as tensões entre Brasil e EUA.
Até o momento, o Banco Central e o Ministério das Relações Exteriores não se pronunciaram sobre as novas críticas e a investigação anunciada pelo governo norte-americano.