Economia

Os perigos do domínio de Google, Facebook e Amazon

Livro do jornalista Franklin Foer alerta para os métodos de dominação econômica e cultural das grandes empresas de tecnologia

O CÍRCULO: filme mostra como a tecnologia pode colocar em risco a democracia / Divulgação

O CÍRCULO: filme mostra como a tecnologia pode colocar em risco a democracia / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 18 de novembro de 2017 às 08h32.

Última atualização em 18 de novembro de 2017 às 16h16.

World Without Mind: The Existential Threat of Big Tech

Autor: Franklin Foer

Editora: Penguin Press

Páginas: 268

Preço: R$ 73,41, ebook R$ 29,23

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O livro O Círculo, de Dave Eggers (que foi transportado ao cinema em 2017), conta a história de Mae Holland, uma jovem contratada para trabalhar em uma empresa de tecnologia. Era o emprego dos sonhos. O Círculo, uma mistura de Facebook com Google, possuía um campus sedutor, com festas, palestras e alojamentos gratuitos. Os empregados desfrutavam de benefícios como plano de saúde estendido a suas famílias, não importava qual doença pré-existente eles tivessem.

Holland agarrou a oportunidade com unhas e dentes. Dedicava dias e noites à companhia e procurava se encaixar social e profissionalmente. Vestiu a camisa d’O Círculo. Seu esforço não passou em branco. A dedicada funcionária foi convidada a testar uma novidade, a câmera SeeChange.

O aparelho, do tamanho de uma bola de gude, era uma câmera que podia ser instalada em qualquer lugar. O gadget era mais um passo da empresa na direção da “transparência total”. Segundo a missão d’O Círculo, o mundo seria um lugar melhor se não houvesse nenhum tipo de segredo. Só assim poderíamos ser realmente abertos e democráticos. Holland começou a transmitir sua vida em tempo real. Milhões de pessoas passaram a seguir todos os seus passos – e a opinar em sua vida.

Não demorou muito, os políticos também passaram a vestir o SeeChange e a colocar suas vidas à disposição do mundo. Afinal, os servidores públicos não deveriam esconder absolutamente nada dos cidadãos. A transparência total, segundo O Círculo, seria uma nova era da democracia mundial.

Antes de começar a dar spoilers do livro ou do filme, é preciso dizer que O Círculo aborda questões extremamente importantes atualmente. Apesar de ser um livro de ficção científica, está assustadoramente próximo do nosso mundo. O discurso dos figurões da empresa fictícia se assemelha muito ao que dizem CEOs em conferências e entrevistas.

A perigosa mistura entre tecnologia e democracia d’O Círculo – quando a empresa propõe que todas as leis dos Estados Unidos sejam votadas usando perfis da rede social – nos lembra das suspeitas de que Facebook e Twitter tiveram influência direta na eleição do populista Donald Trump e da campanha nacionalista do movimento britânico Ukip, que levou o Reino Unido a sair da União Europeia. Se há um tema central em O Círculo é o perigo do monopólio que tem sido protagonizado pelas empresas de tecnologia. Em nome de uma suposta liberdade de informação, estamos entregando dados e controle do debate público a companhias que nem sempre cumprem o que prometem.

Podemos dizer que o novo livro do jornalista Franklin Foer é a literatura complementar perfeita para quem gostou de O Círculo e gostaria de se aprofundar no tema. Em World without mind – The existential threat of big tech, o autor analisa as raízes e o impacto dos monopólios exercidos por Google, Facebook e Amazon (com rápidas menções à Apple) nos mercados em que essas empresas atuam.

Sim, porque embora elas se apresentem como “plataformas” que apenas facilitam certas operações (conexões sociais, compra e venda de produtos), Franklin mostra que uma grande parcela de responsabilidade pode ser creditada às empresas de tecnologia pela destruição dos mercados de jornalismo e de livros. Segundo ele, a concentração de mercado que as companhias de tecnologia têm promovido são prejudiciais não só a qualquer noção de livre mercado, mas também à democracia.

Foer centra sua análise no aspecto ideológico do discurso dessas empresas e mostra a desconexão entre teoria e prática. “A Big tech [grandes empresas de tecnologia] considera a concentração de poder – nas redes que controlam – um bem social urgente, o precursor da harmonia global, condição necessária para desfazer a alienação da humanidade”, afirma. De acordo com o jornalista, “o que começou como um sonho agitado – a humanidade unida em uma única rede transcendente – tornou-se a base do monopólio”. “Nas mãos do Facebook e do Google, a visão de marca é um pretexto para a dominação”, continua.

No caso da rede social fundada por Mark Zuckerberg, Foer é taxativo.  A suposta intenção de acabar com a privacidade para criar um mundo melhor contrasta fortemente com as práticas de transparência da companhia. “Embora o Facebook ocasionalmente fale sobre a transparência dos governos e das corporações, o que realmente quer fazer avançar é a transparência dos indivíduos – ou o que chamou, em vários momentos, de ‘transparência radical’ ou ‘transparência final’.” Não por acaso, esse trecho faz eco ao tema central de O Círculo e à câmera SeeChange.

Por trás da ilusão de que a tecnologia poderia “resolver” certas questões, afirma o jornalista e ensaísta, esta a idéia de que seria possível criar maneiras perfeitas de governar o mundo através do uso da ciência e da engenharia. Essa não é uma ideia nova na filosofia política, mas vem ganhando força recentemente. “Ao longo dos últimos duzentos anos, o Ocidente não conseguiu destruir uma fantasia permanente, uma sequência de sonhos em que expulsamos os políticos vagabundos e os substituímos por engenheiros”, diz Foer.

Um dos pilares da tecnologia atual é o algoritmo, todos sabem. Pouco se discute, no entanto, os elementos por trás de sua construção. Não se trata apenas das características técnicas, mas também das decisões tomadas por humanos e dependentes inteiramente de decisões que as máquinas não são capazes de tomar sozinhas. “Um algoritmo”, diz o autor, “é um sistema, como o encanamento ou uma cadeia de comando militar”. “É preciso [ter] know-how, cálculo e criatividade para que um sistema funcione corretamente. Um sistema é um artefato humano, não um truísmo matemático. As origens do algoritmo são inequivocamente humanas, mas a falibilidade humana não é uma qualidade que associamos a ele.”

Confundir esse elemento técnico com algum tipo de verdade é um erro. Como qualquer empreendimento humano, é desenvolvido para atender a certas necessidades. Conforme terceirizamos nossas atividades – compras, amizades, leituras, consumo de notícias, gosto musical – estamos, na realidade, “terceirizando o pensamento para as organizações que executam as máquinas”. Isso abre a possibilidade de sermos manipulados sem ao menos sabermos. A realidade é que isso já acontece, conforme o próprio Facebook revelou ao mundo em 2014.

Outro caso analisado em detalhe por Foer é o da Amazon. A companhia de Jeff Bezos fez com o mercado editorial (e de outros itens de consumo) o que Facebook e Google fizeram com o jornalismo: diminuiu radicalmente o preço final dos livros e centralizou completamente a distribuição do conteúdo. As empresas da “big tech”, diz o jornalista, “fizeram manobras para destruir o valor do conhecimento, de modo que a mídia antiga viesse a depender indevidamente de suas plataformas”.

“Ao estabelecer unilateralmente o preço do e-book em US$ 9,99, muito inferior ao papel, Bezos sugeriu falsamente que o custo de produzir um livro residia na impressão e envio, não em capital intelectual, criatividade e anos de esforço”, completa Foer.

O livro dedica um capítulo inteiro à análise do jornalismo e deu perecimento. A mídia entregou de bandeja o papel de “gatekeeper” [uma espécie de guardião] da informação ao Vale do Silício. Ao fazer isso, a imprensa não apenas passou a depender das empresas de tecnologia, mas também de seus valores. E elas incutiram nas publicações uma verdadeira obsessão por dados de audiência que, na opinião de Foer, corromperam o jornalismo.

Há muito pessimismo em World Without Mind: The Existential Threat of Big Tech, sem dúvida. Mas, principalmente no final, o autor faz questão de dizer que há esperança. De uma maneira geral, é preciso que a sociedade entenda a necessidade da regulação dos mercados de modo a evitar os monopólios que já se formaram e os que ainda poderão existir. A era da inocência e do otimismo desenfreado chegou ao fim. É vital discutir seriamente o que pode ser feito para garantir que os negócios dessas empresas não sacrifiquem a democracia, a diversidade e o livre-arbítrio.

Para o jornalismo, Foer oferece uma alternativa simples, porém engenhosa. Já que se fala na necessidade de consumir alimentos de qualidade, que não são processados, que não vêm carregados de agrotóxicos e não agridem o ambiente, porque não pensar também em um “jornalismo orgânico”?. Ou seja, dar valor à informação bem apurada, estudada, checada e rechecada. Feita com o mesmo cuidado que um pequeno agricultor planta seus tomates. A isso, Foer chama de “rebelião do papel”, uma pequena insurgência que irá rejeitar a rapidez e o processamento da informação feita por algoritmos e sua exigência de eficência e audiência.

Em muitos momentos, o novo livro de Foer pode parecer um pouco alarmista, mas as questões levantadas por ele são urgentes. Afinal, não é preciso ser jornalista ou dono de jornal para entender que é preciso dar alguns passos atrás e repensar o consumo e distribuição da informação. Se o objetivo é construir sociedades igualitárias, justas e democráticas, então temos de estar realmente alarmados. World Without Mind: The Existential Threat of Big Tech é um alerta que não pode ser ignorado.

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