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O começo do fim do fluxo de caixa descontado

O futuro que temos adiante é complexo, porque extremamente diversificado, volúvel e flexível, além de exponencialmente evolutivo

2 dicas essenciais para organizar seu fluxo de caixa

2 dicas essenciais para organizar seu fluxo de caixa

Pyr Marcondes
Pyr Marcondes

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Publicado em 17 de maio de 2025 às 07h00.

O método baseado no conceito de Fluxo de Caixa Descontado se tornou obsoleto nestes tempos de tecnologias exponenciais e empresas de ciclos curtos.

Quanto mais for aplicado no valuation dessas operações, notadamente naquelas em fase inicial de expansão, mais vai obstruir a modernização das empresas, das economias e das sociedades.

Ele precisa urgentemente ser substituído, porque interfere nos avanços do futuro.

Essa é a tese nada ortodoxa de um White Paper chamado “ O vôo incerto do Fluxo de Caixa Descontado - O mais importante e histórico método de avaliação de empresas dá sinais de cansaço. E isso é ruim para o futuro”, de minha exclusiva autoria, e que estou publicando em primeira mão aqui na Exame.

Ninguém que leu concordou com ele. Acredito que muito poucos que lerem concordarão.

Citarei dois que não leram, mas advogam teses assemelhadas.

O primeiro é Aswath Damodaran, professor de finanças corporativas na New York University e considerado a maior autoridade em valuation do mundo.

Ele diz assim: “Grande parte das lições dos livros de negócios que leio e uso em modelos de negócios foi desenvolvida no século XX para empresas com ciclo de vida longo – aplicá-las em uma empresa com ciclo de vida concentrado pode ser um desastre. O centro de gravidade da economia e dos mercados se deslocou para empresas com ciclos de vida muito mais curtos e um exemplo desse risco é fazer a avaliação de uma empresa dessas utilizando um modelo de fluxo de caixa descontado. A prática convencional é estimar um valor terminal para o negócio ao fim do período de previsão, em geral partindo do pressuposto de que ela vai durar para sempre. A suposição de perpetuidade é feita por conveniência, pois o valor resultante é muito próximo ao obtido pela projeção de que o negócio duraria por cinquenta, sessenta ou oitenta anos – uma suposição factível para uma empresa de ciclo de vida longo. Ao avaliar uma empresa com um ciclo de 25 anos, utilizar um pressuposto de perpetuidade no fim da primeira década de existência, quando é provável que lhe restem apenas quinze anos de vida, vai produzir um valor terminal distorcido.”

Tem um capítulo do meu White Paper só para a perpetuidade, conceito que considero uma pérola. Damoradan diz que ela é apenas uma conveniência. Sem tê-lo lido antes, escrevi o seguinte, tá lá no meu doc: “Perpetuidade, como considerada no modelo teórico do FCD, é uma espécie de pacto conveniente com a intransitoriedade. É tão somente contabilidade projecionista”. Juro que está lá e juro que escrevi antes de ler lido esse trecho do seu livro “O Ciclo de Vida Corporativo”.

O conceito de perpetuidade entra na fórmula de valuation por FDC logo nas premissas. Usado nas empresas de ciclo curto, cuida de solapar as projeções financeiras da vítima logo na base, para não deixar pedra sobre pedra.

Um desastre, como qualifica Damoradan.

Mas observe com muita atenção o destaque que ele dá sobre o deslocamento do centro de gravidade das economias e dos mercados para empresas ágeis, que surgem e desaparecem. São empresas em sua maioria de fundamentos tech. Transformadoras. É para aí que migraram e seguirão migrando as economias. E é aí que habita nosso futuro. Pois é exatamente aí onde o FDC causa seu maior estrago.

Sobre esse tema, assassinar o futuro das empresas que transformarão nosso futuro, tem um outro professor que gostaria de citar.

Trata-se de Michael Bennett, PhD e titular da cadeira de IA na Northeastern University em Boston: “Na medida em que as organizações de investimento não incorporarem a exponencialidade em seus cálculos de valuation e subinvestirem com base em seus receios e métodos habituais, as sociedades humanas perderão ganhos significativos de eficiência, potenciais inovações decorrentes da colaboração entre humanos e IA, e, possivelmente, até novas formas de inovação tecnológica, produção de conhecimento científico e outros modos de inovação societal, que sistemas poderosos de IA podem catalisar”.

Entendeu o risco? Métodos ultrapassados impedem o fluxo do capital de Venture, o capital que transforma o Capital. Exatamente em IA.

Pois então. Isso está acontecendo no mundo inteiro, um monte, exatamente agora, enquanto você me lê aqui.

O FDC é amplamente utilizado no mercado financeiro desde sua incepção, no início dos anos 1930. Como nos alerta Damoradan, outros tempos.

Na minha preocupação, quanto mais aplicado for, pior.

E pior ainda: quanto mais inesperados, imprevisíveis e avançados o ecossistema e as companhias analisadas, mais o FCD erra, penalizando especialmente as empresas de tecnologias disruptivas emergentes.

Elenco uma série de outras fragilidades técnicas do FDC no meu estudo. E elaboro uma nova metodologia que, entendo (até o momento, só eu entendo) ser bastante mais adaptada aos novos tempos.

Mas isso não importa. Importa termos novos métodos que bypassem o FDC.

Ou mudamos ou nunca mudaremos

O futuro que temos adiante é complexo, porque extremamente diversificado, volúvel e flexível, além de exponencialmente evolutivo.

A única saída para as metodologias que sirvam como base para o valuation das empresas velozes e disruptivas dessa nova economia é que essas mesmas premissas sejam igualmente incorporadas a elas.

E a melhor ferramenta que temos para isso é a própria razão número um de todo esse novo cenário: a IA.

Os modelos preditivos da IA que se utilizam das estruturas de redes neurais e aprendizado de máquina podem analisar dados históricos, tendências macroeconômicas e transformações no comportamento das sociedades, captando um infindável conjunto de indicadores em constante movimento na vida real.

Apenas como exemplo, vou listar alguns:

1. As reconfigurações geopolíticas agora em curso. Alterações e colapsos nas cadeias de suprimento internacional;

  1. Disrupção global com o uso de IA. Impacto direto e recorrente em todos os drivers de performance das companhia;
  2. Reconfigurações aceleradas dos mercados financeiros com a digitalização de ativos.Open finance, tokens, criptoativos em blockchain.
  3. Desastre climático global. E seus óbvios impactos na vida do Planeta.

Na aplicação cotidiana do mercado financeiro do FDC, pouco ou nada disso entra na planilha (ainda) do Excel.

Para tangibilizar, não aparecem os impactos da guerra na Ucrânia e na Palestina, ou a guerra tarifária internacional ou ainda a guerra maior de todas entre China e EUA pelo domínio da IA.

Enquanto o FDC tradicional se baseia em um  circunscrito número de cenários (base, otimista e pessimista, pouco mais, pouco menos), a IA permite modelagem de milhares de cenários simultaneamente (ex: Monte Carlo com IA adaptativa), atribuindo probabilidades reais a cada um.

Modelos com IA podem ser alimentados com dados em tempo real — indicadores financeiros, dados setoriais, notícias, redes sociais, etc. — e recalcular automaticamente o valuation à medida que o contexto muda. Seus algoritmos detectam padrões e anomalias em volumes sem limite, aprimorando projeções financeiras para além do âmbito humano.

A IA faz correlações não óbvias e projeções surpreendentes para a  limitada lógica unívoca das finanças convencionais.

Tudo em velocidade de máquina, analisando continuamente centenas e centenas de modelos que rodam simultaneamente ao mesmo tempo.

Num cenário volátil e em constante evolução, os métodos de valoração das empresas  precisam incorporar essas novas premissas. E essas novas rotinas exponenciais.

Isso acontecendo, não estaremos mais apenas diante da transformação dos métodos de valuation, mas de todo o mercado financeiro e do futuro das empresas que vão transformar o futuro.

O resto, só lendo o meu White Paper neste link.

N.A.: Sou sócio do Pipeline Group, de M&A e Ventures, que não assina comigo este estudo.

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