(Leandro Fonseca /Exame)
CEO & Fundador da Saint Paul e EdTech LIT
Publicado em 20 de maio de 2025 às 11h17.
Última atualização em 20 de maio de 2025 às 13h32.
O novo marco regulatório da educação superior à distância, recentemente anunciado pelo Ministério da Educação, representa um avanço importante ao reconhecer a relevância da presencialidade nos cursos de graduação. Ao criar a figura dos cursos semipresenciais e redefinir o percentual de carga horária a distância, o MEC acerta ao valorizar um componente essencial — e muitas vezes subestimado — no processo educativo: a interação humana.
Mas por que essa ênfase na presencialidade é tão crucial? Para além da dimensão simbólica da vida universitária, a resposta passa, de forma decisiva, pelo futuro do trabalho. Estamos entrando — ou melhor, já entramos — em uma era em que o que importa não são apenas as profissões que alguém exerce, mas as tarefas que realiza. E essas tarefas estão sendo, cada vez mais, impactadas pela inteligência artificial.
Desde 2018, o Fórum Econômico Mundial já apontava que cerca de 42% das tarefas executadas por humanos em diferentes empregos poderiam ser substituídas por sistemas inteligentes. Essa projeção foi confirmada em 2023, quando novas pesquisas mostraram que a automação, de fato, já vinha transformando radicalmente a lógica do trabalho. Ou seja, a presença humana está sendo deslocada das tarefas mecânicas, repetitivas, baseadas em padrões previsíveis — e, por isso, facilmente codificáveis.
Kai-Fu Lee, um dos mais respeitados pensadores sobre o impacto da inteligência artificial no trabalho, sintetiza bem esse fenômeno. Segundo ele, tarefas repetitivas e de baixa interação social são naturalmente mais suscetíveis à automação, porque podem ser traduzidas em algoritmos. São atividades que seguem fórmulas, processos lineares e pouca variabilidade humana. Por outro lado, ele destaca que as tarefas que envolvem criatividade e alta interação social são justamente aquelas menos passíveis de substituição por máquinas — e, portanto, mais valorizadas no futuro do trabalho.
Nesse contexto, a educação superior precisa assumir um papel proativo. É justamente no espaço da graduação que se constroem as bases das competências humanas mais resilientes e desejáveis: saber trabalhar em grupo, lidar com diferenças, comunicar ideias de maneira clara e empática, desenvolver soluções criativas em cenários complexos. Tudo isso exige presença. Exige convivência. Exige troca. São atributos que não se formam com aulas gravadas ou interações esporádicas por vídeo.
A criatividade que o futuro do trabalho exige não é, necessariamente, a do gênio solitário. Ao contrário, trata-se de uma criatividade coletiva, que emerge da interação entre diferentes visões de mundo, diferentes repertórios, diferentes histórias. Ambientes presenciais e colaborativos favorecem essa efervescência criativa, criando espaços em que ideias podem ser testadas, confrontadas e aprimoradas em tempo real.
A convivência entre estudantes, professores e outros atores da comunidade acadêmica é mais do que uma questão logística ou administrativa — é um componente pedagógico essencial. Ela permite o desenvolvimento das chamadas “soft skills”, hoje mais valorizadas do que nunca: comunicação, empatia, escuta ativa, adaptabilidade, pensamento crítico. E essas habilidades não podem ser treinadas de maneira isolada, sem o outro.
Ao impor um limite mais rigoroso para a carga horária exclusivamente a distância e ao incentivar formatos híbridos com momentos presenciais obrigatórios, o novo marco regulatório caminha na direção correta. É um reconhecimento de que a tecnologia deve ser uma aliada do processo educativo, principalmente pelo alcance que proporciona, mas não pode substituí-lo completamente — especialmente quando falamos de formação humana.
A universidade é, antes de tudo, um espaço de experiência compartilhada. E, se queremos preparar nossos jovens para um mercado de trabalho que valoriza a criatividade, a empatia e a inteligência coletiva, precisamos assegurar que eles tenham, desde a graduação, oportunidades reais de exercitar essas habilidades. O futuro do trabalho será cada vez mais humano. E, para isso, nossa educação também precisa ser.
*José Cláudio Securato é CEO Exame Educação | Saint Paul e doutor pela FEA/USP