Colunistas

O jogo virou: por que as novas ligas podem moldar o futuro do esporte

Em vez de três horas no sofá acompanhando uma partida do início ao fim, as novas gerações querem consumir o melhor do jogo em poucos minutos

Ligas propõem formatos curtos, interativos e nativos de plataformas digitais (Getty Images)

Ligas propõem formatos curtos, interativos e nativos de plataformas digitais (Getty Images)

Ivan Martinho
Ivan Martinho

Colunista

Publicado em 10 de maio de 2025 às 12h49.

Última atualização em 10 de maio de 2025 às 12h51.

O tempo médio de audiência, o chamado ATS (average time spent) tem caído de forma consistente em praticamente todos os esportes. As novas gerações, acostumadas com múltiplas telas, conteúdo sob demanda e estímulos constantes, passaram a preferir formatos mais curtos, visuais, interativos e divertidos.

Em vez de três horas no sofá acompanhando uma partida do início ao fim, querem consumir o melhor do jogo em poucos minutos, de forma fragmentada, mas ainda assim engajadora.

Esse novo comportamento de consumo não é uma exceção, é a regra! E foi exatamente nesse contexto que surgiram as novas ligas esportivas.

Nos últimos anos, o esporte tem sido palco de algo maior do que apenas novas competições. O que estamos vendo é uma mudança de era. Ligas estão surgindo em diferentes modalidades com uma proposta clara: não adaptar o passado ao presente, mas criar formatos pensados para o agora. Formatos curtos, interativos, nativos de plataformas digitais, com os atletas no centro e os fãs no controle.

Essas novas iniciativas não tentam “melhorar” o modelo tradicional, elas partem de um novo ponto de partida. São criadas para um público acostumado com o TikTok, que assiste mais bastidor do que jogo, que consome conteúdo em velocidade, que quer participar, influenciar e compartilhar.

No futebol, a Baller League vem ganhando espaço na Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos com partidas de 6 contra 6, disputadas por ex-jogadores, influenciadores e criadores de conteúdo, em horários nobres de segunda-feira.

Já a Kings League e sua versão feminina, a Queens League, nasceram na Espanha e hoje avançam para mercados como México, Brasil, Itália, França e Alemanha. A proposta é um futebol 7x7 transmitido com linguagem de Twitch, em que a audiência vota em regras e interfere no jogo ao vivo. Mais do que um campeonato, são plataformas de conteúdo com forte apelo entre as novas gerações.

No basquete, a Unrivaled, fundada por duas estrelas da seleção norte-americana, propõe uma liga 3x3 feminina com um diferencial importante: as próprias jogadoras são sócias e controlam a produção de conteúdo. É uma ruptura com o modelo tradicional, em que os atletas são parte do espetáculo, mas raramente donos da narrativa ou do negócio.

O tênis também começa a se reinventar com a INTENNSE, que transforma o jogo com sets de dez minutos, torcida incentivada a se manifestar durante os pontos, inserções de dados ao vivo e uma proposta visual que lembra mais uma live de festival do que uma final de Grand Slam. O golfe entra nesse movimento com a TGL, idealizada por Tiger Woods e Rory McIlroy, apostando em partidas curtas, disputadas em ambientes indoor com realidade aumentada e transmitidas em janelas televisivas de duas horas.

Já no críquete, o torneio The Hundred, lançado no Reino Unido, simplifica o esporte com partidas de cem bolas, integração entre o calendário masculino e feminino e foco total na experiência do torcedor no estádio.

Esses exemplos, embora distintos entre si, apontam para tendências comuns. Todas essas ligas foram pensadas desde o início para o streaming, para o consumo em dispositivos móveis e para a lógica das redes sociais.

Elas encurtam o tempo de jogo, apostam em formatos dinâmicos, e entregam entretenimento dentro e fora do campo. Colocam os atletas e criadores de conteúdo como protagonistas e dividem com eles os direitos, o conteúdo e, em alguns casos, até a sociedade. E, acima de tudo, envolvem o público em tempo real, transformando audiência em comunidade.

Essas novas ligas não são apenas projetos alternativos ou curiosidades passageiras. Elas são laboratórios vivos de inovação. Testam formatos de monetização, novas linguagens de engajamento, formas diferentes de narrar e consumir o esporte. Estão atraindo investidores, plataformas e marcas que entenderam que o jogo mudou — e que quem continuar jogando com as regras antigas corre o risco de ficar sozinho em campo.

Claro, para muitos puristas, essas transformações corrompem a lógica, a justiça e até a essência do esporte. Para esse grupo, o jogo “de verdade” não pode se curvar à cultura da audiência. Mas até quando será possível resistir, caso os formatos tradicionais continuem perdendo espaço, audiência e relevância?

Vale lembrar que essa discussão não é nova. O vôlei já abriu mão da regra da vantagem para se adaptar à televisão. O tênis introduziu o tie-break, o challenge eletrônico e o cronômetro entre os saques. A Fórmula 1 ajusta regras praticamente a cada temporada, buscando equilíbrio entre competitividade, audiência e espetáculo. Em todas essas mudanças, a essência do esporte sobreviveu. E, muitas vezes, ganhou fôlego.

Mais do que observar, é hora de agir. O esporte está mudando. Os formatos estão mudando. O consumo está mudando. A pergunta para executivos, patrocinadores e investidores não é mais se vale a pena prestar atenção. A pergunta agora é: como entrar nesse jogo antes que vire tarde demais?

Acompanhe tudo sobre:EsportesRedes sociaisFutebol