Dólar e real (RHJ/Getty Images)
Colunista
Publicado em 7 de julho de 2025 às 20h22.
O primeiro semestre de 2025 terminou com uma arrancada que poucos previram — e que quase ninguém consegue explicar à luz da razão econômica. O Ibovespa subiu 15,4% e o índice de ações do setor imobiliário disparou inacreditáveis 46,4%, liderando com folga entre as aplicações financeiras no ano. Para quem olha apenas os números do mercado, o Brasil parece ter virado o novo paraíso dos investidores. Mas, olhando os fundamentos, a pergunta se impõe: o que está acontecendo com os ativos brasileiros? Desde quando um país com juros a 15% ao ano, inflação acima da meta e dívida pública elevada se transforma em refúgio de capital?
O cenário atual é quase uma farsa montada sobre o espelho invertido de dezembro de 2024. Terminamos o ano passado atolados em desconfiança: inflação de 4,83%, fora do centro e do teto da meta; Selic a 12,25%, com viés de alta; dívida pública em 76,1% do PIB; Ibovespa em queda de 10,3%; e um real derretido, cotado a R$ 6,18, após uma desvalorização de 27,3%. Um cenário indigesto — e, ao que tudo indica, ainda presente, apenas maquiado por fluxos externos.
De lá para cá, o que exatamente melhorou? Nada. Não houve reforma, não houve corte de gastos, não houve reversão das distorções. Pelo contrário: os fundamentos internos pioraram. A inflação avançou para 5,32% em maio, a Selic subiu para 15% — maior nível desde 2006 —, e a dívida pública, esta inamovível, continua em 76,1% do PIB. E mesmo assim, a bolsa dispara e o dólar recua. Só se for milagre. Ou manipulação de expectativas.
A explicação, como quase sempre no Brasil, está fora do Brasil. A desvalorização global do dólar — provocada pelas políticas tarifárias de Donald Trump, pelos sinais de esgotamento do crescimento nos EUA e por tensões geopolíticas — está empurrando moedas de mercados emergentes para cima. O real está surfando essa maré não por méritos próprios, mas porque o resto do mundo está tão bagunçado quanto — ou mais.
O fluxo estrangeiro que abastece a bolsa brasileira não vem por causa de um novo Brasil virtuoso. Vem porque os EUA perderam parte de sua atratividade e a escassez de oportunidades na Europa e no Japão fez o investidor global buscar alternativas — mesmo em economias desorganizadas como a nossa. A taxa de juros brasileira é alta o suficiente para tentar até os mais avessos ao risco, mas o que sustenta esse rali é uma combinação frágil de desalento externo e oportunismo de curto prazo.
E há mais: o mercado já começa a precificar 2026, ano de eleição presidencial. A simples esperança de que o comando mude e traga com ele um pingo de racionalidade fiscal já é suficiente para alimentar apostas. Estamos tão fora dos trilhos que a promessa de voltar ao básico — cortar gasto e respeitar orçamento — virou tese de investimento.
Nesse contexto, o investidor global passou a olhar com outros olhos para setores tradicionalmente mais estáveis: bancos, energia, commodities, saneamento (o tal do value investing). Papéis brasileiros, largados e depreciados, reaparecem nos radares, não porque o país mudou, mas porque o resto piorou e aqui ainda se encontra alguma chance de rentabilidade com risco controlado.
Mas convém lembrar: em economia não existe alquimia. O cenário externo pode e tende a virar e o que hoje parece vento favorável pode se transformar em tempestade. O Brasil segue, como sempre, ensaiando um voo com asas de cera, ignorando o rombo fiscal, apostando no improviso, empurrando decisões para depois da eleição.
A agenda fiscal continua um caos, e não há qualquer plano crível de correção de rota. Se o país não sinalizar um ajuste antes de 2026, o precipício fiscal de 2027 será inevitável. E, de novo, pagaremos o preço do populismo, da irresponsabilidade e da ilusão de que podemos crescer fingindo que contas públicas não importam.
O momento atual não é mérito do Brasil. É o mundo que piorou. E nós, ao invés de aproveitar a janela, parecemos decididos a fechá-la com força. É como se estivéssemos nos esforçando para desperdiçar a chance que o caos externo nos deu.