(Designed by/Freepik)
Colunista
Publicado em 22 de maio de 2025 às 20h56.
A vivência no Brasil nos ensina, antes de tudo, a desenvolver um faro apurado, quase um sexto sentido, para as marés da economia. E convenhamos, essas marés por aqui costumam ser bem agitadas. Vira e mexe, uma onda mais forte nos sacode e recorda a importância de ter uma âncora firme, um porto seguro para proteger o que a gente batalha para construir.
A gente convive com uma instabilidade política que parece crônica, uma fragilidade fiscal que sempre volta a acender o alerta da desconfiança, e uma inflação que, teimosa que só ela, insiste em comer um pedaço do nosso poder de compra. Some-se a isso um Real que, olhando o longo prazo, vem perdendo valor de forma consistente para moedas mais fortes, como o dólar. São fantasmas que assombram quem planeja o futuro por aqui.
Por isso, defendo que dolarizar uma parte do patrimônio não é tentar dar um tiro curto para ganhar dinheiro rápido, mas sim uma forma de criar uma proteção estrutural, pensando lá na frente. Uma questão de prudência, mesmo. O histórico do Real contra o dólar já diz tudo. Essa queda contínua da nossa moeda não afeta só o preço da viagem dos sonhos ou daquele eletrônico importado; ela encarece inúmeros produtos internamente, já que muitas peças e matérias-primas importantes são cotadas em dólar. Estudos da FGV, por exemplo, mostram que o câmbio influencia de 16% a 18% no que a família brasileira gasta no mês. Ter uma reserva em dólar, então, é um jeito eficiente de manter nosso poder de compra com o passar do tempo.
Alguns podem dizer que vale mais a pena investir em coisas daqui mesmo, atreladas à inflação, como os títulos IPCA+. Sem dúvida, são ferramentas importantes. Mas é bom ter claro que eles não protegem do risco de o Real perder valor para outras moedas. Esse é um jogo com regras próprias, que muitas vezes anda por um caminho diferente da nossa inflação, e pode até ir na direção oposta quando a coisa aperta.
Além disso, precisamos ser honestos sobre o tamanho do Brasil no mundo. Apesar da nossa imensidão e da nossa riqueza cultural, somos uma fatia pequena da economia global. Coisa de 2% do PIB mundial e menos de 1% do mercado de investimentos. Deixar todos os ovos na cesta brasileira é o que chamamos de "home bias", ou seja, concentrar demais no mercado de casa. Isso nos limita, nos impede de aproveitar setores inteiros lá fora que podem estar bombando, enquanto aqui a coisa está mais devagar. Dolarizar, olhando por esse lado, é abrir uma janela para um mundo de oportunidades bem maior.
A conversa fica ainda mais séria quando a gente fala do infame "Risco-Brasil". Esse termo, que infelizmente a gente já conhece bem, engloba uma série de incertezas que nos são muito particulares: a instabilidade política que já comentei, a insegurança jurídica com mudanças de regra no meio do jogo, as famosas "canetadas" do governo que podem virar os planos de cabeça para baixo de uma hora para outra. Ter uma parte do patrimônio em dólar, investido em lugares mais estáveis, onde as regras são mais respeitadas, é como ter um bote salva-vidas pronto caso nosso barco aqui ameace afundar de vez. Quem viveu o Plano Collor, que em 1990 tirou à força uma parte da poupança dos brasileiros, carrega uma cicatriz que serve de doloroso lembrete sobre o que decisões inesperadas do Estado podem fazer com nosso dinheiro.
O próprio Estado, com suas ações e políticas, infelizmente, é um fator de risco para o nosso patrimônio. Por outro lado, o dólar historicamente se fortalece quando o mundo entra em crise, funcionando como o principal porto seguro para investidores do planeta inteiro. A facilidade de trocar e a aceitação dele são indiscutíveis.
Antigamente, investir fora parecia uma prerrogativa de uma elite. Hoje, felizmente, o acesso ficou muito mais fácil pra todo mundo. Contas globais em corretoras e bancos digitais hoje permitem investimento direto em ações de empresas estrangeiras, em fundos que acompanham mercados do mundo todo (os ETFs), ou mesmo em títulos de renda fixa de outros países. O leque de opções é grande e está ao alcance.
Claro que o dólar americano não é a única moeda forte no cenário mundial. Mas, para a maioria dos brasileiros, ele oferece a melhor combinação de proteção, facilidade de movimentação e acesso. A história recente das nossas crises aqui dentro só reforça isso.
Enquanto nossos investimentos locais podem levar pancadas fortes, o dólar muitas vezes sobe, funcionando como um bom termômetro da nossa instabilidade e, o mais importante, como um seguro contra reveses financeiros grandes.
Pra mim, a questão principal não é se vamos dolarizar, mas como e quanto, com cabeça, estratégia e sem parar. A fatia ideal varia para cada pessoa e seus objetivos, mas começar e manter a disciplina de mandar um dinheiro para moeda forte regularmente, já diversificando esses investimentos lá fora, é a base de uma boa estratégia de defesa. Considero isso um pilar fundamental para proteger o patrimônio de verdade, pensando no longo prazo.
Não é modismo nem tentar adivinhar quanto o dólar vai estar semana que vem. Com o histórico brasileiro, que vive nos lembrando de ser prudente e realista, separar uma parte bem pensada dos seus recursos para moedas fortes e mercados estáveis vai além de só cuidar do dinheiro; é uma jogada inteligente. No fim das contas, cuidar do seu dinheiro é também cuidar da sua paz de espírito