Site de apostas esportivas ( Bruno Peres/Agência Brasil)
Colunista
Publicado em 19 de maio de 2025 às 18h37.
Instalada em novembro de 2024, a CPI das Bets surgiu com a missão de investigar crimes cometidos por casas de apostas online. Por meses, ficou às margens do noticiário político. Mas agora, às vésperas de seu desfecho, ganhou as manchetes com a convocação de influenciadores digitais — uma espécie de novo inimigo público número um. O que chama a atenção, no entanto, não é o súbito interesse pela CPI, mas a distorcida percepção sobre o papel do Estado nesse debate.
O Congresso Nacional, o mesmo que regulamentou as apostas esportivas no Brasil, agora se diz preocupado com a “destruição das famílias” e o “aumento do endividamento”. Um tipo de amnésia institucional que beira o cômico. A alegação é que as casas de apostas estariam consumindo a renda disponível da população, especialmente das classes C, D e E, como apontou a pesquisa do Instituto Locomotiva. O número de apostadores cresceu, o volume de dinheiro também — e, como sempre, os burocratas agora correm atrás do estrago que ajudaram a promover.
Mas essa discussão tem sido marcada por um falso moralismo que precisa ser desmontado. De um lado, o Estado brasileiro se comporta como pai severo e onisciente. De outro, trata os cidadãos como crianças incapazes de tomar decisões — boas ou ruins — por conta própria. A ideia de que a população precisa ser salva de si mesma é uma constante na mentalidade estatista que impera no país.
Os argumentos mais comuns são previsíveis: apostas produzem vício, arruínam orçamentos familiares e causam prejuízos à saúde mental e física. Nenhuma dessas alegações é absurda. Mas são dissimuladas. Afinal, o álcool e o tabaco fazem exatamente o mesmo — são, inclusive, legalizados, tributados e até incentivados via lobby nos bastidores de Brasília. E quando o assunto são as loterias federais, curiosamente, ninguém reclama. Ninguém contesta seu funcionamento — ainda que elas financiem clubes de futebol e o esporte olímpico brasileiro com o dinheiro de milhões de brasileiros esperançosos em mudar de vida num bilhete premiado. O mesmo vale para o jogo do bicho: contravenção penal, informal, fora do alcance do fisco — e ainda assim celebrado por bancar escolas de samba e tradições culturais. Mas agora, com as bets, é como se o cidadão brasileiro tivesse, de repente, perdido a capacidade de controlar o próprio ímpeto?
A aposta, como o jogo, é uma expressão de liberdade individual. O Estado pode — e deve — coibir fraudes, lavagem de dinheiro e manipulações. Mas querer proibir ou restringir a liberdade de escolha do cidadão sob o pretexto de que ele não sabe o que faz é um retrocesso autoritário travestido de cuidado social.
A compulsão por apostas não será resolvida com canetadas, assim como não foi resolvida com a proibição de cassinos — um mercado que hoje movimenta bilhões em países com marcos legais sérios. No Brasil, seguimos insistindo em interditar escolhas, como fazemos com a nossa legislação trabalhista anacrônica, o modelo engessado da saúde pública, o sistema falido de previdência ou a proteção ineficiente a setores “estratégicos” da economia.
Há décadas o Brasil evita a responsabilidade: transfere tudo ao Estado e cobra dele milagres que nem os deuses antigos ousariam prometer. Mas o que nos falta não é mais regulação. É educação financeira. É senso de responsabilidade. É liberdade com consequência — o único caminho possível para uma sociedade verdadeiramente madura.
Enquanto tratarmos o cidadão como incapaz, o Brasil seguirá sendo o país dos tutelados. E o Congresso, seu tutor oportunista.