EUA - Mercado - consumo - americanos - verduras - legumes - frutas - inflação - americana - alimento - alimentação - Nova Iorque - New Yorque - USA Foto: Leandro Fonseca data: setembro 2022 (Leandro Fonseca/Exame)
Colunista
Publicado em 17 de julho de 2025 às 14h01.
Brasil e China mantêm uma relação cada vez mais estratégica em torno da segurança alimentar. De um lado, a China precisa garantir a oferta de carne e soja para sua população crescente e em transição nutricional. Do outro, o Brasil se consolida como maior fornecedor desses produtos ao mercado chinês.
Essa sinergia tem gerado ganhos econômicos, aprofundado a interdependência produtiva e impulsionado investimentos bilaterais em infraestrutura e logística.
Mas essa parceria só é sustentável se o Brasil mantiver sua capacidade produtiva. E essa capacidade está ameaçada pelo desmatamento na Amazônia. Sem floresta, não há chuva suficiente nas regiões produtoras. Sem chuva, a produtividade despenca. A floresta amazônica é a usina de umidade que irriga os centros agropecuários do Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.
Estudos do INPE, Embrapa e IPAM mostram que o desmatamento já compromete a regularidade das "rios voadores" – fluxos de umidade que partem da Amazônia e mantêm a estabilidade climática nas regiões produtoras. Entre 1980 e 2019, 28% das áreas agrícolas já saíram da faixa climática ideal. E as projeções são alarmantes: até 2060, 74% das áreas podem perder a viabilidade para agricultura de sequeiro.
Além disso, a principal causa do desmatamento na Amazônia segue sendo a pecuária extensiva e de baixa produtividade, baseada na expansão de pastos novos para cima de florestas muitas vezes griladas. Cerca de 92% das áreas desmatadas viraram pastos, muitas vezes com menos de um boi por hectare. Isso significa desperdício de terras e risco comercial. Estudos do projeto Amazônia 2030 e do Radar Verde mostram que é possível dobrar a produção de carne sem derrubar mais floresta, apenas com recuperação de pastagens degradadas.
O Radar Verde também revela um dado preocupante: dos 64 frigoríficos brasileiros autorizados a exportar para China analisados em 2023, 84% apresentaram controle "baixo" ou "muito baixo" sobre o risco de desmatamento na sua cadeia. Isso inclui falta de rastreabilidade, especialmente entre fornecedores indiretos, onde o desmatamento costuma ocorrer. Esse descompasso pode se tornar um risco reputacional e comercial.
A China está indicando atenção para isso. A China Meat Association publicou especificações para um comércio verde de carnes, que incluem critérios de sustentabilidade e rastreabilidade. Ainda não são obrigatórios, mas sinalizam uma tendência. E o Brasil precisa se alinhar, se quiser manter a relevância no maior mercado do mundo.
Outro ponto crítico está na infraestrutura. Os corredores logísticos que escoam soja, milho e carne para a China atravessam regiões sensíveis da Amazônia. Sem planejamento, esses projetos abrem novas frentes de desmatamento, fragmentam a floresta, inflamam conflitos sociais e colocam em risco o futuro da agricultura brasileira. Além de afetar diretamente a estabilidade climática continental.
Precisamos de planejamento público com critérios socioambientais. Isso inclui mapear fluxos de carga, comparar alternativas logísticas, avaliar riscos ambientais e envolver comunidades afetadas nas decisões. Infraestrutura que respeita a floresta é estratégia para garantir a competitividade do agro brasileiro.
Conservar a Amazônia não é só uma agenda ambiental. É uma exigência econômica e geopolítica. O futuro da comida brasileira — e de nossa capacidade de exportar para a China — depende de uma floresta.