Repórter
Publicado em 18 de julho de 2025 às 18h01.
Um estudo internacional, liderado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), revelou uma ameaça ainda pouco reconhecida, mas com um potencial considerável de risco: asteroides que compartilham a órbita de Vênus e, devido à sua posição no céu, podem escapar das observações realizadas atualmente. Embora nunca tenham sido detectados, esses asteroides podem colidir com a Terra em um futuro distante, com impactos capazes de causar grandes destruições nas cidades.
“Nosso estudo mostra que há uma população de asteroides potencialmente perigosos que não conseguimos detectar com os telescópios atuais. Esses objetos orbitam o Sol, mas não fazem parte do Cinturão de Asteroides, localizado entre Marte e Júpiter. Em vez disso, estão muito mais próximos, em ressonância com Vênus. Mas são tão difíceis de observar que permanecem invisíveis, mesmo que possam apresentar um risco real de colisão com nosso planeta em um futuro distante”, explicou o astrônomo Valerio Carruba, professor da Faculdade de Engenharia da Unesp, campus Guaratinguetá (FEG-Unesp), e principal autor do estudo, em entrevista à Agência FAPESP.
O artigo, publicado na revista Astronomy & Astrophysics, foi desenvolvido por Carruba e sua equipe, combinando modelagem analítica e simulações numéricas de longo prazo para analisar a dinâmica desses objetos e investigar o risco de eles se aproximarem da Terra de forma perigosa.
Esses asteroides, chamados de "Asteroides Coorbitais de Vênus", orbitam o Sol, mas compartilham a mesma região orbital que o planeta, com períodos orbitais semelhantes. “Esses objetos entram em ressonância 1:1 com Vênus, o que significa que completam uma volta ao redor do Sol no mesmo tempo que o planeta”, detalhou Carruba.
Diferentemente dos "Troianos de Júpiter", que têm órbitas mais estáveis, os coorbitais venusianos conhecidos até o momento possuem órbitas altamente excêntricas e instáveis. Elas variam ao longo de ciclos de cerca de 12 mil anos. Isso faz com que os asteroides possam estar em uma configuração segura, próxima de Vênus, em alguns períodos, e em outras ocasiões, se aproximarem da Terra. “Durante essas transições, os asteroides podem chegar a distâncias muito pequenas da órbita terrestre, podendo até cruzá-la”, alertou o astrônomo.
Atualmente, o catálogo de asteroides coorbitais de Vênus conta com apenas 20 objetos, sendo que, com exceção de um, todos possuem excentricidade superior a 0,38. Isso implica que suas órbitas os levam para regiões mais afastadas do Sol, facilitando sua detecção por telescópios na Terra. Contudo, simulações computacionais indicam que existe uma população bem maior de asteroides com excentricidade inferior, os quais ficariam invisíveis a partir da Terra. “A falta de objetos com excentricidade menor do que 0,38 é claramente um viés observacional”, afirmou Carruba.
A excentricidade é um parâmetro que mede o grau de alongamento de uma órbita em relação a uma circunferência ideal. Quanto maior o valor, mais alongada é a órbita. A Terra, por exemplo, possui uma excentricidade de cerca de 0,017, enquanto os asteroides coorbitais de Vênus conhecidos têm excentricidades superiores a 0,38, indicando órbitas muito mais alongadas. Asteroides com menor excentricidade tendem a se manter mais próximos da sua órbita média, tornando-os difíceis de detectar quando estão próximos ao Sol.
Em simulações com objetos fictícios, a equipe de pesquisadores identificou regiões de risco onde os asteroides poderiam se aproximar perigosamente da Terra. Alguns desses objetos simulados atingem distâncias mínimas da ordem de 5×10−45 unidades astronômicas, uma distância tão pequena que, estatisticamente, corresponderia a impactos quase certos em escalas de milhares de anos.
“Asteroides com cerca de 300 metros de diâmetro, capazes de criar crateras de 3 a 4,5 quilômetros e liberar energia equivalente a centenas de megatons, podem estar escondidos entre esses objetos”, afirmou Carruba. “Um impacto em uma região densamente povoada causaria uma devastação em larga escala.”
O estudo também avaliou a possibilidade de detectar esses objetos a partir da Terra, utilizando o recém-inaugurado Observatório Vera Rubin (LSST) no Chile. No entanto, as simulações mostraram que, mesmo os asteroides mais brilhantes, só seriam visíveis por curtos períodos de uma a duas semanas e apenas se estivessem acima de 20 graus no horizonte. Essas janelas de observação, no entanto, são separadas por longos períodos sem visibilidade. “Esses asteroides podem ficar meses ou até anos invisíveis, aparecendo apenas por alguns dias em condições específicas. Isso os torna efetivamente indetectáveis pelos programas regulares do Vera Rubin”, afirmou Carruba.
Uma solução seria utilizar telescópios espaciais que monitorem regiões próximas ao Sol. Missões como a Neo Surveyor (Nasa) e a proposta Crown (China) poderiam detectar asteroides em baixas elongações solares, a partir de órbitas perto de Vênus, proporcionando uma cobertura mais contínua e abrangente. “A defesa planetária precisa considerar não só o que conseguimos ver, mas também o que ainda não conseguimos”, concluiu o pesquisador.
A origem dos asteroides coorbitais de Vênus é atribuída à fragmentação de um hipotético planeta terrestre, embora a hipótese mais aceita sobre a origem dos objetos do Cinturão de Asteroides, entre Marte e Júpiter, seja que eles sejam remanescentes do processo de formação do Sistema Solar. Esses corpos rochosos seriam fragmentos de planetesimais que, devido à forte influência gravitacional de Júpiter, não conseguiram se agregar para formar um planeta. Em vez disso, o Cinturão de Asteroides seria uma espécie de "fóssil" do disco protoplanetário, com corpos de diferentes estados de evolução.
Os coorbitais de Vênus, por sua vez, são considerados originários do Cinturão Principal. Por meio de interações gravitacionais, principalmente com Júpiter e Saturno, esses asteroides foram desviados para órbitas internas e eventualmente capturados temporariamente em ressonância com Vênus. “Essas capturas são efêmeras, durando em média cerca de 12 mil anos, e os objetos podem eventualmente evoluir para trajetórias próximas da Terra ou ser ejetados do Sistema Solar”, explicou Carruba.