“Chegar lá” talvez não seja uma linha de chegada, mas um ponto de virada (Diki Prayogo/Getty Images)
Colunista
Publicado em 8 de setembro de 2025 às 17h26.
É comum, no mundo corporativo, confundirmos aquilo que fazemos com aquilo que somos. A profissão ocupa tanto espaço que passa a fundir-se com a identidade. Quando um CEO atinge tudo aquilo que almejou, quando sua marca pessoal já é consolidada, sua performance não gera dúvidas e os resultados falam por si, resta a questão: o que mais se deseja quando, aparentemente, já se chegou ao topo?
O que é, afinal, ‘chegar lá’? É apenas ocupar um cargo ou alcançar uma meta? Ou é sustentar uma trajetória que faça sentido, mesmo quando os títulos mudam? O que você faz é mutável, sujeito a transições e rupturas. Já aquilo que você é permanece como a base sobre a qual qualquer carreira se constrói.
O dinheiro, sabemos, é um indicador rígido. Ele mede, mostra e consagra. É também um marco objetivo da performance. Mas seria ele suficiente para sustentar a pulsão de vida que nos move? Ou será que, após alcançar o cargo dos sonhos e viver o reconhecimento público, o desafio passa a ser outro: permanecer relevante, manter-se no hype, “ser” o tempo todo?
No fundo, há algo honroso nessa ânsia, porque ser é maior do que ter. O verdadeiro dilema acontece quando, uma vez conquistada a cadeira desejada, “a ânsia de ter e o tédio de possuir” bate à porta.
A Amcham Brasil mostrou em pesquisa recente que 62% dos líderes reconhecem uma relação altamente positiva entre felicidade e produtividade. O dado nos provoca: se felicidade e produtividade estão interligadas, o que de fato significa “chegar lá”? E depois que se chega, o que se faz?
A questão amplia-se quando olhamos para o fim da jornada: quando é a hora de parar? Existe isso? Basta olhar para a palavra “aposentadoria” para perceber que ela advém de “aposento”, o lugar de descanso, o espaço reservado para si. Mas, para muitas pessoas, encarar seus próprios “cômodos” soa quase como uma ameaça.
O estudo longitudinal liderado pela pesquisadora Chenkai Wu, da Universidade Estadual do Oregon, mostrou que adiar a aposentadoria pode, inclusive, atrasar o declínio físico e cognitivo, já que o trabalho mantém corpo e mente ativos. Faz sentido: o trabalho, além da remuneração, oferece benefícios sociais, como conexões, trocas, engajamento. Perder isso pode ser mais duro do que perder o crachá.
Parece-me que o “chegar lá” é menos sobre ocupar um cargo, e mais sobre encontrar sentido no que se faz, inclusive depois da aposentadoria da vida corporativa.
Como decidir qual é a hora de sair de cena? O tenista Roger Federer, ao anunciar sua aposentadoria, transformou a despedida em uma celebração em quadra, agora eternizada em documentário. Rafael Nadal, por sua vez resistiu até o limite, evitando inclusive uma festa de homenagem em sua última partida jogada em Roland Garros, o piso onde consolidou seu legado como maior vencedor da história, com 14 títulos.
Apesar das escolhas distintas, ambos permanecem como referências vivas, muito além dos troféus. Federer hoje se reinventa como organizador da Laver Cup, torneio que reúne alguns dos principais nomes do tênis mundial, enquanto Nadal dedica-se à Rafa Nadal Academy, reconhecida como a melhor do mundo, cuja metodologia ultrapassa a técnica, o preparo físico e a tática, incorporando também os princípios e valores que moldaram um atleta capaz de conquistar 22 Grand Slams.
Fora do esporte, o executivo Pedro Janot é outro exemplo emblemático. Depois de ocupar posições de destaque em empresas como Richards, Zara e Azul, viu sua trajetória ser interrompida por um acidente que o deixou tetraplégico. Frente a esse desafio, reinventou-se como palestrante e consultor, provando que a marca pessoal é o passaporte para novas carreiras – e novas formas de se olhar para a sua própria narrativa.
Esse ponto é fundamental: “chegar lá” não é só sobre dinheiro. O livro The Good Life, de Robert Waldinger, relaciona uma boa saúde financeira à redução do estresse, mas é categórico ao dizer que dinheiro está longe de garantir felicidade. Relacionamentos de qualidade e um propósito claro são os elementos que sustentam vidas mais do que longas, plenas.
“Chegar lá” talvez não seja uma linha de chegada, mas um ponto de virada. Uma releitura de si mesmo, um novo projeto.
Então, volto à pergunta inicial: o que é “chegar lá”? Será que não está menos em “onde você chegou” e mais em “como você continua”?
O essencial não é apenas lidar com o parar, mas dar novo significado ao que você é, afinal isso é mais importante do que o que você faz. É nesse reconhecimento que nasce um novo modo de habitar esse novo aposento. Não se trata de sair de cena, mas habitar um novo cômodo, de abrir um novo ato, com você ainda no papel principal.
O ponto é que a felicidade reside naquilo que pulsa vida em você, e o movimento é prerrogativa da vida. Aproveite o que você é, sua marca pessoal, e permita-se explorar novos espaços, novas ânsias. Atualize seus KPI’s e metas para esses novos cômodos e circunstâncias: é isso que garantirá não apenas um novo sentido, mas também um novo sentir.