Fernando Modé, CEO do Grupo Boticário: “Cuidar da saúde, da energia vital, da espiritualidade e manter rituais de aprendizado é essencial para sustentar um ritmo intenso de decisões e interações” (Leandro Fonseca /Exame)
Repórter
Publicado em 19 de maio de 2025 às 08h09.
Última atualização em 19 de maio de 2025 às 09h23.
“Diga menos ‘não’ para as oportunidades”. A reflexão é de Fernando Modé, CEO do Grupo Boticário, durante sua participação no podcast De Frente com CEO, da EXAME. Advogado por formação e inquieto por natureza, Modé construiu uma carreira marcada por reestruturações, inovação e coragem para sair do previsível — inclusive abrindo mão de cargos altos para recomeçar em novas funções.
Com uma trajetória marcada por reestruturações, ele comanda há quatro anos uma empresa que dobrou de tamanho desde sua chegada ao cargo máximo, em 2021, e que somam hoje mais de 21 mil funcionários.
Sua origem humilde em Guarulhos e os primeiros aprendizados com o pai, que era dono de uma farmácia, moldaram seu olhar para o varejo e para as pessoas. “Meu pai atendia todos com respeito. Essa simplicidade e humanidade eu busco praticar até hoje”, afirma.
Modé entrou no Grupo Boticário em 1999, após uma carreira sólida como gerente jurídico da Iospe Máxima. Ele chegou à empresa para montar do zero a área jurídica, que até então era descentralizada e sem coordenação interna.
“Foi uma escolha contraintuitiva. Saí de um cargo sênior para recomeçar como advogado, porque ainda não existia o cargo formal de gerente jurídico. Mas eu vi uma oportunidade de construir algo”, conta. “Fugir do trânsito de Guarulhos mudou o rumo da minha carreira”.
Aos 28 anos, Modé deixou Guarulhos para morar em Curitiba – e a aposta deu certo. Ele logo foi assumindo novos desafios em áreas fora do direito, passando por operações administrativas, planejamento estratégico e, em 2004, tornou-se CFO do grupo.
Em 2021, assumiu o posto de CEO com a missão de unificar as marcas e estruturas do grupo, que até então operavam quase como empresas concorrentes, e liderar a transformação cultural e digital.
Sob seu comando, a companhia passou por uma ampla reestruturação. “Reorganizamos a empresa para funcionar como um ecossistema de beleza. A lógica antes era de competição entre as unidades de negócio. Hoje, buscamos colaboração, integração e consistência com o consumidor”, afirma.
A mudança exigiu a movimentação de cerca de 900 líderes dentro da empresa e a implantação de um novo modelo de trabalho — com foco na multidisciplinaridade e na autonomia. “Não acredito em repetição. Tenho dificuldade em fazer a mesma tarefa da mesma forma. Essa inquietude virou valor da empresa”, afirma.
Mesmo com o fim das restrições sanitárias, o Grupo Boticário manteve o modelo de trabalho remoto para as áreas administrativas. “Percebemos que não fazia mais sentido exigir a presença física. O remoto nos ajudou a democratizar oportunidades, integrar culturas e reduzir as microdiferenças entre áreas”, diz.
Hoje, a empresa opera com três regimes: trabalho remoto prioritário, híbrido e presencial, conforme a área. Mais de 70% do time atua fisicamente nas lojas e centros logísticos, mas o remoto se tornou uma das formas de ampliar diversidade geográfica e acesso a talentos.
A transformação digital também ganhou fôlego com a criação de uma área interna de tecnologia que hoje reúne cerca de 3 mil pessoas. “Hoje, todas as soluções dos nossos canais de venda são próprias, desenvolvidas internamente. Antes, tudo era terceirizado”, conta. Com ajuda da inteligência artificial, o Grupo Boticário consegue desde escolher o ponto ideal para uma nova loja até reduzir em 20% o tempo de lançamento de um novo produto no mercado.
Entre os principais marcos recentes estão a abertura de 150 lojas por ano, a construção de uma nova fábrica em Pouso Alegre (MG) — com investimento de R$ 1,8 bilhão — e o avanço da presença internacional, com foco em Colômbia, Portugal e Estados Unidos. O grupo também mantém uma fintech própria e investe em startups voltadas para experiência do consumidor e personalização genética de cosméticos.
Além dos negócios, o CEO destaca o compromisso com diversidade: “Hoje, 60% do nosso time são mulheres. E mais da metade dos nossos líderes também são mulheres. Entre pretos e pardos, temos 46% dos colaboradores e 26% dos líderes. Ainda temos desafios, mas temos metas claras desde 2021 e levamos isso tão a sério quanto levamos nossas metas financeiras.”
Para Fernando Modé, um bom líder precisa desenvolver três competências fundamentais: escuta ativa, comunicação eficaz e capacidade de ampliar os limites da organização. “O papel do líder não é estressar a companhia, mas ajudá-la a se expandir com consistência”, afirma.
Ele também enfatiza o autoconhecimento como base da liderança. “Cuidar da saúde, da energia vital, da espiritualidade e manter rituais de aprendizado é essencial para sustentar um ritmo intenso de decisões e interações”, afirma. Leituras, podcasts, anotações e até um arquivo chamado “10 organizadores do ano” fazem parte de seu processo contínuo de aprendizado.
E para quem quer crescer profissionalmente, Modé deixa uma mensagem: “Diga menos ‘não’ para as oportunidades. Mesmo aquelas que parecem pequenas ou não fazem sentido imediato. Elas podem te abrir caminhos que você nem imagina. Foi assim comigo.”