Itália: decreto que restringe acesso à cidadania, já aprovado pelo Senado, passa pela Câmara de deputados nesta terça-feira, 20 (Cdric Lopez/Getty Images)
Repórter
Publicado em 20 de maio de 2025 às 10h04.
Última atualização em 20 de maio de 2025 às 10h19.
“A cidadania por via administrativa, como conhecíamos, acabou”. A frase direta de Luiz Scarpelli, advogado especialista em cidadania italiana e mestre em Direito pela Università Sapienza di Roma, resume a preocupação de milhares de brasileiros que buscam trabalhar ou viver legalmente na Itália diante das novas regras para obtenção da cidadania, publicadas em março pelo governo italiano.
O decreto, que já foi aprovado pelo Senado, será discutido nesta terça-feira, 20, pela Câmara italiana e pode afetar profundamente os planos de quem sonha com uma carreira internacional na Europa.
A proposta restringe o direito à cidadania italiana apenas a filhos e netos de italianos, rompendo com o modelo anterior, que permitia a transmissão sem limite de gerações, desde que o vínculo com um ancestral italiano fosse comprovado. Agora, o direito será concedido somente se o ascendente direto (pai, mãe, avô ou avó):
A regra, que funciona como uma medida provisória — válida por 60 dias até ser confirmada ou rejeitada pelo Parlamento — provocou a suspensão dos agendamentos nos consulados italianos. Hoje, quem deseja iniciar o processo precisa recorrer à Justiça, o que torna tudo mais caro e demorado.
Segundo Rafael Gianesini, CEO da Cidadania4U, consultoria para cidadania, o cenário já é crítico e tende a piorar. “Há poucos anos, o processo via judicial levava menos de um ano. Hoje, a média é de três. Com o novo decreto, pode chegar a dez anos. Para quem ainda quer iniciar, o momento é agora. Caso a medida seja aprovada definitivamente, o sistema ficará completamente sobrecarregado”, afirma.
Além do impacto burocrático, as mudanças representam um impacto direto para quem via na cidadania italiana uma porta de entrada para oportunidades de trabalho e estudo na União Europeia. “Isso atinge diretamente milhares de brasileiros que buscavam a cidadania como um diferencial para uma carreira internacional”, diz Gianesini.
Do ponto de vista jurídico, há ainda um debate sobre a constitucionalidade da medida. “O decreto possui características inconstitucionais ao retroagir para retirar um direito que já existia desde o nascimento dos descendentes de italianos. Estamos preparados para contestar juridicamente caso a proposta avance”, afirma Scarpelli.
O desfecho dessa discussão será decisivo para o futuro de milhares de brasileiros. Para quem iniciou o processo antes de 28 de março, não será impactado, mas para quem ainda não deu entrada no processo, a recomendação é agir rápido e buscar apoio jurídico especializado — especialmente se a cidadania é parte estratégica de um plano de vida e carreira fora do país.
Para o advogado, no longo prazo, isso pode enfraquecer a cultura italiana no exterior. “A Itália é o país que mais emigrou no mundo. Bloquear o acesso dos descendentes é um erro estratégico, até porque somente as pessoas que tiverem altos recursos poderão usufruir deste direito.”
Por outro lado, a questão econômica é um fator que estimula a mudança da lei da cidadania italiana. O aumento das taxas é visto como uma tentativa de arrecadação por parte do governo italiano, que enfrenta dificuldades econômicas, afirma Scarpelli.
“Nos últimos anos, cerca de 60 mil processos judiciais foram abertos, com uma média de seis pessoas por ação. Com as novas taxas, o governo poderia arrecadar até 300 milhões de euros por ano”, conta o advogado.
Essa mudança é justificada também por pressões internas na Itália, onde a imigração tem impactado serviços públicos, como saúde pública e emprego. Entretanto, o advogado de imigração destaca que os ítalo-brasileiros, ao contrário de imigrantes de outros países, têm forte conexão cultural e histórica com a Itália. “Os brasileiros amam a Itália, empreendem, trabalham e consomem. É a nacionalidade que mais turista na Itália também. Não há sentido em afastá-los.”
Atualmente, estima-se que 500 mil brasileiros de origem italiana estão em busca de cidadania.