Menos da metade dos funcionários que participaram da pesquisa acredita que os canais de denúncia são de fato eficazes, o que inibe relatos e perpetua a cultura do silêncio (Yurii Karvatskyi/Getty Images)
Repórter
Publicado em 25 de agosto de 2025 às 19h42.
Metade dos profissionais brasileiros já presenciou ou sofreu algum tipo de assédio no ambiente de trabalho. É o que aponta uma pesquisa conduzida pela CLA Brasil, empresa brasileira de auditoria e consultoria, que ouviu de forma online mais de 400 respondentes entre março e julho deste ano.
“Decidimos conduzir este estudo pela primeira vez justamente para dar luz sobre a dimensão real do problema e fornecer dados concretos que possam apoiar empresas na criação de ambientes mais seguros, inclusivos e respeitosos”, afirma Mariana Laselva, sócia da CLA Brasil.
O levantamento mostra que o problema é estrutural e, em grande parte, está relacionado ao comportamento da própria liderança: 85% dos agressores ocupam cargos de gestão, coordenação ou diretoria.
“Um dado que nos chamou bastante atenção foi o aumento dos relatos de assédio envolvendo gestores de nível intermediário (coordenadores, gerentes, entre outros). Antes, as discussões sobre o tema estavam muito centradas na alta liderança, mas o estudo mostra que a pressão e a tolerância a comportamentos inadequados também se manifestam fortemente nesse nível de gestão”, diz Laselva.
A executiva reforça que esse dado é um sinal de alerta para as empresas: não basta ter políticas bem estruturadas no papel, é preciso garantir que a cultura organizacional não normalize práticas abusivas em troca de resultados.
“Essa mudança de foco, para o chamado ‘little manager’, deve ditar a tendência de maior responsabilização e de ações mais efetivas para enraizar uma cultura de respeito em todas as camadas da empresa. É um efeito dominó, se implementamos boas atitudes, ela repercute em todos os cargos”, afirma a sócia da CLA Brasil.
O perfil das vítimas revela concentração entre mulheres (63%), profissionais jovens (38% têm entre 25 e 34 anos) e cargos de analista (36%). Empresas de médio porte concentram a maior parte dos relatos (55%), especialmente no setor de serviços (47%).
“O fato de as mulheres aparecerem mais coo vítimas tem relação com as estruturas corporativas. Historicamente, as mulheres enfrentaram maiores barreiras para ocupar espaços de decisão e liderança. No ambiente de trabalho, isso se traduz em menor representatividade em cargos estratégicos e salários mais baixos”, afirma.
Do outro lado, os agressores são majoritariamente homens (66%), na faixa de 35 a 44 anos (39%) e com posições de liderança: 43% ocupam cargos de gestão ou coordenação, e 42% estão na diretoria ou no nível executivo.
Apesar de políticas formais existirem em boa parte das empresas, há um descompasso entre discurso e prática. Mais da metade (53%) dos profissionais nunca participou de treinamentos ou campanhas sobre o tema, e apenas 47% confiam plenamente nos canais de denúncia disponibilizados pelas organizações.
A pesquisa também indica que 54% dos entrevistados percebem uma postura clara das empresas contra o assédio. No entanto, apenas 36% afirmam que as ações de conscientização acontecem com frequência. Ou seja, o tema é tratado mais como formalidade do que como prioridade contínua.
“Empresas de grande porte, por exemplo, possuem mais recursos para implementar políticas, canais de denúncias, treinamentos etc. Empresas do setor industrial e operacional costumam registrar mais casos de assédio moral e sexual, especialmente contra mulheres, aprendizes e terceirizados. A cultura de ‘brincadeiras de chão de fábrica’ ainda persiste em muitos lugares”, afirma Laselva.
Esse distanciamento entre a política e a prática se reflete na confiança dos funcionários: menos da metade acredita que os canais de denúncia são de fato eficazes, o que inibe relatos e perpetua a cultura do silêncio.
“O principal gargalo está na cultura organizacional: funcionários muitas vezes não se sentem à vontade ou seguros para denunciar situações de assédio”, diz a executiva. “Outro ponto é a capacitação da liderança — sem treinamento e engajamento dos gestores, as políticas acabam ficando apenas no papel”.
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O estudo reforça que a responsabilidade pelo combate ao assédio não pode ser delegada apenas aos setores de compliance ou RH. O exemplo da liderança — tanto executiva quanto intermediária — é decisivo para consolidar uma cultura de respeito.
“Quando um gestor ignora um comentário inapropriado, minimiza uma denúncia ou promove alguém conhecido por comportamentos tóxicos, ele normaliza o assédio. Por outro lado, quando ele age com coerência, escuta sua equipe e impõe limites claros, ele dá exemplos claros para todos”, afirma a executiva.
Sem responsabilização clara de gestores, Laselva acredita que sem metas vinculadas a conduta e treinamentos recorrentes, o programa de integridade corre o risco de se tornar apenas um documento formal.
Para que o combate ao assédio no ambiente corporativo seja efetivo, Laselva reforça que é necessário tomar algumas iniciativas.
“É fundamental que o combate ao assédio faça parte da avaliação e do reconhecimento dos gestores. Indicadores comportamentais devem entrar nas avaliações de desempenho, abusos precisam ser punidos mesmo com bons resultados, e líderes que constroem ambientes respeitosos devem ser valorizados em campanhas, premiações e bônus”, afirma.