Hervé Le Gavrian, presidente da Michelin América do Sul: “Vamos além da produção de pneus e das experiências culinárias” (Michelin /Divulgação)
Repórter
Publicado em 16 de setembro de 2025 às 05h55.
Última atualização em 17 de setembro de 2025 às 10h12.
Inovação sempre foi o caminho que a Michelin encontrou para se destacar no mercado global. Fundada em 1889, na França, pelos irmãos Édouard e André Michelin, a companhia nasceu de uma pequena fábrica de borracha que produzia itens como bolas e freios para carruagens e se transformou, ao longo do tempo, em uma das maiores fabricantes de pneus do mundo – mas não se limitou à borracha.
Parte da estratégia de crescimento da empresa foi justamente olhar além do “core business”. Em 1900, os fundadores tiveram a ideia de facilitar a vida dos motoristas e viajantes com a criação de um guia que reunia mapas, oficinas de troca de pneus, postos de combustível e, para as paradas, recomendações de restaurantes e hotéis – um incentivo direto ao uso dos pneus.
Foi assim que nasceu o “Guia Michelin”, como conhecemos hoje, que em 1926, passou a avaliar os restaurantes e conceder uma estrela aos melhores estabelecimentos. A iniciativa deu tão certo para a empresa que o guia se tornou uma “linha de negócios” da Michelin, que eles chamam de Life Style. A empresa de pneus se consolidou em 63 países e chegou a um faturamento global de € 27 bilhões em 2024.
Neste ano, o Guia Michelin completa 125 anos no mercado e a companhia vai continuar inovando para além dos pneus, segundo Hervé Le Gavrian, presidente da Michelin América do Sul.
“Queremos contribuir de forma significativa para a descarbonização do setor”, afirma o CEO. “Vamos começar testando a vela na Europa, mas estamos olhando o mundo inteiro, inclusive, estamos presentes nas feiras de transporte marítimo no Brasil para apresentar essa inovação.”
Em sua primeira entrevista à imprensa, desde que assumiu a presidência da Michelin na América do Sul, em março de 2024, Gavrian compartilhou com exclusividade à EXAME os planos da multinacional para a região. O executivo francês possui mais de 30 anos de trajetória no grupo, já passou por áreas de produção, finanças e até recursos humanos antes de chegar ao cargo de presidente da América do Sul.
“A energia da organização vem das pessoas. Temos o foco em três “p”: Pessoas x Planeta x Performance Financeira. Nenhum dos elementos pode ser zero”, diz o presidente.
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Na América do Sul, a Michelin conta com 8 fábricas no Brasil, que produzem desde pneus de passeio até componentes digitais para frotas conectadas.
“Nossa operação aqui mostra a força da Michelin no país e o quanto o Brasil é estratégico para nós,” diz o executivo direto da sede no Rio de Janeiro.
No sul da Bahia, a empresa mantém a Reserva Ecológica Michelin, que acaba de completar 20 anos, e participa da iniciativa “Juntos pela Amazônia”. “Com esse projeto conseguimos proteger 145 mil hectares de floresta e, ao mesmo tempo, garantir renda para as famílias que vivem do extrativismo”, afirma Gavrian.
Fora do Brasil, os planos são também audaciosos. O presidente também prevê novas operações no Peru, onde vai iniciar, ainda em 2025, uma unidade de reciclagem de pneus de mineração em parceria com empresas locais.
“Seguimos ampliando nossa presença na região com iniciativas sustentáveis. Já temos uma planta de reciclagem de pneus de mineração em operação no Chile, agora vamos ter no Peru também”, diz o presidente.
Na frente industrial global, uma solução que a empresa desenvolveu é o uso da casca de arroz como substituto da sílica em pneus de caminhão, que reduzem o consumo de combustível em até 9% das frotas.
Segundo o presidente, essas iniciativas fazem parte da ambição global da Michelin de chegar a 2050 com pneus 100% recicláveis e fabricados com materiais renováveis.
Unidade fabril que fica no Bairro de Campo Grande, Rio de Janeiro. Essa fábrica está entre as 5 maiores do Grupo Michelin no mundo todo (Michelin/Divulgação)
Hervé destaca ainda o investimento no capital humano: globalmente, são US$ 240 milhões aplicados anualmente em treinamentos, com mais de 55 mil módulos online disponíveis. No Brasil, 46% dos funcionários têm cinco ou mais anos de casa, e 20% ultrapassam os 15 anos.
“Nosso desafio é manter a coesão social em um mundo cada vez mais volátil. Isso só se consegue com inclusão, diversidade e inovação”, disse o CEO, lembrando que metade de sua equipe de liderança no Brasil é formada por mulheres.
Entre os principais desafios da operação sul-americana estão as pressões regulatórias e a volatilidade econômica. No Brasil, por exemplo, a companhia anunciou o encerramento das operações da fábrica de Guarulhos, de forma gradual até o fim de 2025. A prioridade, segundo o CEO, é oferecer apoio individualizado a cada funcionário por meio de um pacote social que foi negociado com o sindicato da categoria.
A decisão, segundo o executivo, foi tomada como última alternativa e consequência de uma supercapacidade produtiva gerada a partir da entrada expressiva de produtos importados que, muitas vezes, chegam ao país abaixo do custo de produção. A unidade ainda produz, principalmente, câmaras de ar para pneus de motos e bicicletas, pneus industriais e produtos semiacabados.
Ainda assim, a empresa mantém a ambição de crescimento para os próximos anos. A Michelin estima que o lucro operacional de segmento (segment operating income) chegue a € 4,2 bilhões em 2026, contra cerca de €3,6 bilhões em 2023.