A transformação digital no setor de recursos humanos é inevitável, mas IA é um aspecto que precisa de atenção (Reprodução/Reprodução)
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Publicado em 20 de maio de 2025 às 10h00.
Última atualização em 20 de maio de 2025 às 11h56.
Por José Daniel Gatti Vergna, Leandro Augusto Ricci e Silva e Fernanda Somma Jacinto*
O uso de inteligência artificial (IA) em processos seletivos de emprego tem se tornado cada vez mais comum. Empresas vêm adotando sistemas automatizados, as chamadas "ferramentas de contratação preditiva", para analisar currículos, aplicar filtros de seleção e indicar os candidatos mais alinhados ao perfil da vaga. Esses programas prometem maior eficiência e redução de custos no recrutamento. No entanto, o avanço dessas tecnologias também levanta preocupações importantes sobre discriminação e legalidade.
Embora tragam benefícios operacionais, esses algoritmos podem reproduzir – ou até intensificar – desigualdades sociais e vieses inconscientes. Isso acontece porque muitas vezes os algoritmos são "treinados" com dados históricos que refletem padrões discriminatórios já existentes no mercado de trabalho. A chamada "discriminação algorítmica" vem sendo alvo de debates em diversos países, como Estados Unidos e membros da União Europeia, onde legislações específicas e investigações já estão em curso.
Nos EUA, órgãos como a Equal Employment Opportunity Commission (EEOC) têm investigado o uso de IA no recrutamento para verificar a conformidade com leis como o Civil Rights Act of 1964, que proíbe a discriminação no ambiente de trabalho. Já na Europa, o Artificial Intelligence Act da União Europeia estabelece regras para garantir mais transparência e responsabilização no uso dessas tecnologias.
No Brasil, o tema ainda está em fase inicial, mas começa a ganhar atenção. Apesar da ausência de uma legislação específica sobre o uso de inteligência artificial em processos seletivos, já existem marcos legais que oferecem proteção contra práticas discriminatórias — como a Constituição Federal e a Lei nº 9.029/1995. A Constituição garante a igualdade de direitos e proíbe qualquer forma de discriminação, enquanto a Lei 9.029 veda exigências abusivas no processo de admissão, como testes sobre esterilização ou estado de gravidez.
Em julho de 2021, o Ministério Público do Trabalho (MPT) lançou uma cartilha alertando para os riscos da discriminação algorítmica. O documento aponta que, mesmo sem intenção explícita, algoritmos podem excluir candidatos com base em gênero, raça ou outras características. Um exemplo citado envolve uma multinacional de tecnologia que utilizava IA treinada com dados históricos enviesados. O sistema passou a eliminar automaticamente currículos que mencionavam atividades femininas, resultando na exclusão de candidatas qualificadas. A empresa foi obrigada a rever o sistema e adotar medidas corretivas.
No Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 2.338/2023 – já aprovado pelo Senado – propõe a criação de um marco regulatório para a inteligência artificial no Brasil, incluindo diretrizes para proteger os direitos dos cidadãos e mitigar riscos sociais e éticos. Embora o projeto – até o momento – não contenha regras específicas sobre o uso de IA em processos seletivos, nele são estabelecidos princípios importantes como proteção dos direitos humanos, transparência, segurança e não discriminação, o que vai ao encontro das medidas que precisam ser adotadas pelos seus usuários para coibir os possíveis vieses negativos.
Mesmo sem uma legislação específica, o uso discriminatório de IA pode ser contestado judicialmente com base nas normas já existentes. Empresas que utilizarem algoritmos de forma irresponsável estão sujeitas a sanções aplicadas por autoridades públicas e demandas judiciais. Por isso, é essencial adotar medidas preventivas, por exemplo:
A transformação digital no setor de recursos humanos é inevitável. O uso da inteligência artificial no recrutamento tende a crescer devido aos seus benefícios em agilidade e redução de custos. No entanto, é preciso estar atento aos impactos sociais e legais desse avanço. A adoção responsável dessas tecnologias passa, necessariamente, por um compromisso com a ética, a transparência e o respeito aos direitos fundamentais.
*José Daniel Gatti Vergna é sócio e Leandro Augusto Ricci e Silva e Fernanda Somma Jacinto são advogados do Mattos Filho.
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