Usina de Geração e Cogeração de Energia do Instituto Butantan (Marília Ruberti/Divulgação)
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Publicado em 11 de setembro de 2025 às 15h00.
Por Newton Duarte*
Em tempos de mudanças climáticas, a segurança energética fica seriamente ameaçada. Tempestades com chuvas e ventos fortes, que muitas vezes derrubam árvores, postes e redes de energia elétrica, costumam comprometer o fornecimento a milhares de consumidores em grandes centros urbanos.
Outro agravante é a complexidade do sistema elétrico, com o crescimento pouco planejado de fontes intermitentes, o que se complica com a imensa simultaneidade de consumo em horários de ponta (de 18h às 21h), quando as pessoas chegam em casa e acendem luzes, usam eletrodomésticos e equipamentos de ar condicionado, levando a um aumento significativo da demanda em um curto período de tempo. Isso sobrecarrega as linhas e exige que o sistema responda com rapidez, o que pode gerar instabilidades.
Não por acaso, os consumidores brasileiros ficaram, em média, 10,24 horas sem energia em 2024, e, no mesmo ano, a frequência das interrupções de energia foi de 4,89 em média por consumidor, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Esses são alguns dos fatores que tornam a cogeração – sistema que permite a geração simultânea de energia elétrica e térmica – uma alternativa segura para instalações de uso intensivo de energia em grandes centros urbanos.
Esses sistemas são unidades de geração distribuída, ou seja, instalados junto às cargas e podem operar em modo isolado, assegurando a continuidade das operações em caso de falhas na rede elétrica principal. Nos grandes centros urbanos, onde as redes de distribuição a gás natural subterrâneas cobrem boa parte dos municípios, essa opção é relevante, principalmente para serviços essenciais e que dependem de fornecimento estável e confiável. Estamos falando de hospitais, indústrias, centros de pesquisa, data centers, centros de eventos, shoppings, edifícios corporativos e até mesmo aeroportos, dentre outros exemplos.
A tese acaba de ganhar um reforço com um belíssimo investimento do Instituto Butantan, centro de referência na produção de vacinas e soros que inaugurou, em agosto, uma Usina de Geração e Cogeração de Energia.
Os números impressionam. A capacidade instalada é de 12 MW, com seis geradores a gás natural que têm a função de prover não só a energia elétrica para a operação do Butantan, mas alimentar caldeiras a vapor e, ainda, resfriar água gelada, com chillers de absorção, para os sistemas de ar condicionado.
É mais um dentre tantos polos que adotaram essa solução. Construído em 2008, o Rochavera Corporate Towers, no Morumbi, conta com uma central de cogeração de energia com quatro geradores a gás natural e cinco chillers de absorção que garantem a refrigeração das salas do conjunto de quatro edifícios do condomínio. Um case que certamente inspirou o condomínio Birmann 32, erguido em 2020, na Avenida Faria Lima, com dois geradores e 1 chiller de absorção. Outro case fantástico é o do Expo Imigrantes, que, em 2016, instalou uma usina própria de cogeração – primeiro sistema em um centro de exposições no País, garantindo sua autossuficiência.
De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), braço de planejamento do Ministério de Minas e Energia (MME), o custo final do gás natural no Brasil poderia cair à metade (de US$ 16,10 para US$ 7,67) por milhão de BTU. Para tanto, é preciso atacar custos ainda existentes em elos da cadeia como escoamento, processamento e transporte pelos gasodutos. Em grande maioria, são investimentos em ativos já depreciados e que foram devidamente remunerados, isto é, uma conta que os consumidores já não deveriam estar pagando.
A revisão tarifária das transportadoras de gás, com um minucioso exame da base de ativos regulatórios, é um processo que exige muita assertividade da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que, mesmo diante de desafios como a falta de recursos que vêm afetando as agências reguladoras, não pode prescindir de uma atuação transparente e criteriosa, com elevada qualidade técnica e suficiente tempo para que todas as partes interessadas no processo possam atuar.
Também há uma grande expectativa sobre os leilões da Pré-Sal Petróleo S/A (PPSA), que podem ser determinantes para o acesso negociado e não discriminatório às infraestruturas – o próprio MME tem sido diligente em apontar os custos atualmente praticados de acesso à infraestrutura do Sistema Integrado de Escoamento (SIE) e de Produção (SIP) — operados pela Petrobras — como entraves para que o gás chegue ao mercado a valores competitivos.
No plano regulatório estadual, a criação de modalidades específicas para a cogeração a gás natural, com redução de percentuais nos processos de revisão tarifária, é outra sinalização oportuna para estimular a atratividade para novos projetos.
O ganho não é só para quem investe, mas para a sociedade. A maior eficiência energética traz uma redução significativa das emissões de gases de efeito estufa em relação a geradores a diesel. Outro ponto a observar é que a mesma rede de abastecimento a gás natural pode incorporar a molécula o biometano, basicamente o mesmo CH4, gradualmente trazendo renovabilidade e redução de emissões para essa cogeração. Além disso, por estarem próximos aos pontos de consumo, esses empreendimentos mitigam a necessidade de investimentos em novas linhas de transmissão e subestações, além de aliviar as flutuações de tensão da rede elétrica.
É por esses motivos que o bom exemplo do Instituto Butantan, um orgulho para todos os brasileiros, pode representar um novo marco para a cogeração, inspirando outros projetos que explorem todo o potencial e benefícios desse segmento de cogeração.
*Newton Duarte é presidente executivo da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen).