Uso de chats de IA generativa para terapia é preeminente (Donald Lain Smith/Getty Images)
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Publicado em 29 de julho de 2025 às 15h00.
Por Dr. André Fusco*
Vivemos um momento curioso da história: em meio à mais acelerada transformação tecnológica da humanidade, com inteligência artificial (IA) se integrando à rotina pessoal e profissional, o que tem ganhado destaque não é o que as máquinas conseguem fazer, mas sim o que revelam sobre nós.
Segundo o estudo "How People Are Really Using Gen AI in 2025", da Harvard Business Review, os principais usos da IA generativa em 2025 não são os mais técnicos, e sim os mais humanos: terapia, organização pessoal e busca por propósito. Ou seja, enquanto avançamos tecnologicamente, seguimos lidando com uma carência fundamental: o desejo de compreender quem somos, para onde estamos indo e qual o sentido de tudo isso.
É significativo, e também preocupante, que tantas pessoas recorram à IA para conversar sobre suas dores, angústias e inseguranças.
O uso da IA como terapeuta é sintoma de uma sociedade que não sabe mais escutar. Que incentiva a competição em vez da colaboração, desde a escola até os ambientes corporativos. Que prepara pessoas para vencer, mas não para pertencer.
Por mais que a tecnologia possa oferecer acolhimento e escuta sem julgamento, ela não deveria ocupar esse espaço por falta de relações humanas saudáveis. Tampouco substituir o papel que o trabalho deveria cumprir: ser uma fonte de sentido, pertencimento e realização.
Desde crianças, somos ensinados a responder à clássica pergunta: “O que você quer ser quando crescer?”. Não perguntamos “o que vai fazer”, mas “quem vai ser”, porque, na vida adulta, o trabalho molda nossa identidade. Por meio dele desenvolvemos habilidades, compreendemos nosso papel na sociedade e contribuímos com algo maior que nós. Esse é o processo que chamo de construção da Identidade Profissional.
No entanto, o trabalho deixou de ser um território de desenvolvimento para se tornar, muitas vezes, uma fonte de sofrimento sem sentido. Pressões por performance sempre crescentes, metas descoladas de propósito, ambientes competitivos e relações marcadas pela insegurança impossibilitam o potencial transformador da atividade profissional. O resultado é claro: adoecimento emocional, esvaziamento do sentido e uma busca crescente por terapias, agora até com robôs.
A boa notícia é que há caminho para regenerar essa relação. Um trabalho saudável acontece por meio da boa constituição de uma Identidade Profissional que visa um modelo de organização onde as pessoas realizarão trabalhos úteis, possam se desenvolver como belos profissionais e que recebam reconhecimento recorrente pela utilidade e pelo desenvolvimento profissional. Resumindo este aspecto da Ergonomia Mental, a identidade profissional respeita três pilares fundamentais: utilidade, estética do trabalho e reconhecimento.
Quando esses elementos estão presentes, os desafios profissionais não desaparecem, mas possuem sentido pois fazem parte do desenvolvimento do indivíduo e da sua conexão com o outro.
É isso que busca a Ergonomia Mental: interferir nas regras e na estrutura do trabalho para que promovam saúde, e não adoecimento. Afinal, não basta focar no comportamento das pessoas se as condições em que atuam continuam gerando angústia, insegurança e desvalorização.
Talvez o grande convite que essa tecnologia nos faz seja justamente o oposto do que esperávamos: em vez de acelerar, ela está nos mostrando o quanto precisamos parar e olhar para como estamos organizados. Devemos construir um futuro do trabalho como território de humanidade, não só de sobrevivência.
Se a inteligência artificial está nos ajudando a buscar sentido, talvez seja hora de nós, humanos, também ajudarmos uns aos outros nessa tarefa. E isso começa, quase sempre, por repensar o modo como vivemos, organizamos e nos relacionamos com o trabalho.
*Dr. André Fusco é médico-psicanalista, especialista em Ergonomia Mental e consultor em saúde mental no trabalho.
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