Fundadores de empresas familiares precisam entender a importância da transformação digital para as operações (FG Trade/Getty Images)
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Publicado em 21 de maio de 2025 às 15h00.
Por Aldo Macri, e Airton Maranhão*
Nas empresas familiares, a ameaça raramente chega com sirenes. Ela se infiltra devagar, entre decisões que “sempre funcionaram”, lucros que crescem menos a cada trimestre e um silêncio desconfortável entre fundadores e sucessores. O que já foi símbolo de solidez pode, sem aviso, se tornar uma fragilidade estrutural.
A transformação digital não espera. Ela pressiona modelos, desafia hierarquias e coloca as empresas diante de uma escolha desconfortável. Manter o que funcionou até aqui ou abrir espaço para o novo, mesmo sem garantias. O risco de não agir já ultrapassou o risco de errar. E é nesse território nebuloso que operam hoje milhares de empresas familiares no Brasil.
O medo de romper com práticas estabelecidas, de investir em algo que ainda parece intangível ou de perder o controle. Quando esse medo se soma à distância entre gerações, o impasse se aprofunda.
Enquanto muitos fundadores seguem focados na preservação de um modelo bem-sucedido, os sucessores, muitas vezes filhos e representantes da nova geração, operam em outro ritmo. Eles dominam canais digitais, acompanham tendências globais e não têm receio de testar. Mas frequentemente não encontram espaço, nem voz. Essa tensão, quando ignorada, trava o negócio.
Exige um novo arranjo cultural. A maioria das empresas familiares conta com times de TI enxutos, voltados para a manutenção de sistemas e não para a inovação. A solução pode estar, muitas vezes, dentro de casa. Profissionais operacionais, com repertório prático, podem ser capacitados como exploradores digitais ou até como desenvolvedores cidadãos, que constroem pequenas soluções tecnológicas para problemas reais do dia a dia sem depender de áreas técnicas.
Esse modelo reduz gargalos, estimula a autonomia e permite inovação com baixo custo. O problema raramente é a tecnologia. O obstáculo é não enxergar o potencial onde ele já existe.
De acordo com a PwC, 80% das empresas familiares brasileiras reconhecem a necessidade da transformação digital, mas menos de 20% deram início real a esse processo. Muitas vezes, falta um gatilho emocional que convença a geração fundadora.
Mas não é o mais urgente. Sobrevivência é. Empresas que relutam em se reinventar acabam sendo ultrapassadas por concorrentes mais ágeis, muitas vezes fora do setor tradicional. A demora em agir cobra um preço: irrelevância.
O papel dos conselhos, sejam consultivos ou deliberativos, não pode ser apenas o de homologar decisões passadas. É necessário provocar, questionar, planejar o que vem depois. Adotar uma lógica bimodal, em que se mantém o core business e se testa o novo em paralelo, é uma estratégia viável até mesmo para empresas menores.
Casos recentes mostram que empresas familiares conseguiram desenvolver plataformas digitais próprias, internalizar fluxos financeiros e reestruturar canais de venda. O comum entre elas não foi o porte, nem o setor. Foi a disposição para mudar antes de serem forçadas a isso.
A transformação digital não nega o legado. Pelo contrário. É o que permite que ele siga relevante. Quando o fundador abre espaço, o sucessor precisa estar preparado. Quando o sucessor propõe mudança, o fundador precisa saber escutar. O maior risco hoje não é errar ao inovar. É permanecer imóvel.
*Aldo Macri é Diretor da Go Next.
*Airton Maranhão, Head de Transformação Digital da Bosch Global Business Services (GS).
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