Sem ajustes, o custo da inação continuará socializado entre os mais vulneráveis (Tirachard/Getty Images)
Diretor-geral da Beon - Colunista Bússola
Publicado em 13 de junho de 2025 às 15h00.
A urgência de reformar o sistema financeiro internacional ganhou novo fôlego quando Brasil, África do Sul e Espanha — anfitriões do G20, da COP 30 e da 4ª Conferência da ONU sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD 4) — assumiram a defesa conjunta de mudanças profundas nos bancos multilaterais de desenvolvimento (BMDs) e nos instrumentos de dívida soberana. Os três líderes sustentam que a arquitetura financeira global “precisa dar mais voz aos países do Sul Global e garantir acesso mais justo e previsível a recursos”.
A transição climática demanda capitais da ordem de trilhões de dólares, mas o desenho atual dos BMDs restringe empréstimos exatamente onde o capital é mais necessário: mercados emergentes e países de baixa renda. Segundo a Climate Policy Initiative (CPI), o fluxo anual de financiamento climático terá de crescer cinco vezes, para algo em torno de US$ 7,4 trilhão até 2030, se quisermos manter o aquecimento em 1,5 °C. Enquanto isso, apenas 4 % dos compromissos dos BMDs hoje assumem a forma de garantias — instrumento capaz de alavancar até cinco vezes mais capital privado do que empréstimos tradicionais.
O princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas (CBDR-RC) está no coração do Acordo de Paris. Reformar o sistema financeiro é coerente com esse princípio: quem mais emitiu gases de efeito estufa historicamente — e domina o capital votante nas instituições de Bretton Woods — deve assumir parcela maior do risco financeiro da transição. Não se trata de criar dependência, mas de reconhecer diferentes pontos de partida e oferecer condições equitativas para que todos cumpram sua parte.
Mas o dinheiro público, mesmo em volumes recordes, não cobrirá o gap de financiamento climático. É indispensável mobilizar investimento privado por meio de mecanismos que reduzam riscos e ampliem a atratividade dos projetos verdes. Nesse sentido, três caminhos se destacam:
Alguns sinais de avanço já surgem: o Banco Mundial passou a centralizar 17 produtos de garantia em uma única plataforma e pretende triplicar a emissão anual para US$ 20 bilhões até 2030; e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) disponibilizará 3,4 bilhões de dólares para operações com derivativos que forneçam hedge (proteção) de projetos sustentáveis de prazos superiores a dez anos.
Reforma financeira não serve apenas para reduzir emissões; também significa proteger pessoas e infraestrutura já expostas a secas, enchentes e tempestades cada vez mais frequentes e mais graves. A meta acordada na COP 27 de destinar 50 % dos recursos climáticos a adaptação continua distante. Mas pode se aproximar caso tenha sucesso o roteiro Baku-Belém, liderado pelo Brasil para a COP 30, que propõe mobilizar pelo menos US$ 1,3 trilhão por ano em financiamento climático até 2025, de fontes públicas e privadas, com foco explícito em resiliência.
Reformar o sistema financeiro global deixou de ser um debate tecnocrático: tornou-se pré-condição para que o artigo 2.1-c do Acordo de Paris — tornar fluxos financeiros compatíveis com uma trajetória de baixo carbono e resiliência — saia do papel. Aliviar dívidas, rever critérios de alavancagem dos BMDs, simplificar garantias e criar incentivos fiscais são passos complementares de um mesmo imperativo: destravar capital em escala e velocidade compatíveis com a emergência climática.
Sem esses ajustes, o custo da inação continuará socializado entre os mais vulneráveis, enquanto os benefícios do crescimento verde ficam concentrados. Com reformas corajosas — e a participação ativa do setor privado — é possível honrar acordos, acelerar a transição para uma economia de baixo carbono e preparar sociedades para um futuro em que eventos climáticos extremos deixam de ser exceção.
Siga a Bússola nas redes: Instagram | Linkedin | Twitter | Facebook | Youtube