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Os dilemas existenciais do PT

Para cientistas políticos, é chegada a hora de 'fechar para balanço'; correntes majoritárias do partido, contudo, insistem em Lula como líder

PT: maior corrente do partido decide hoje quem será seu candidato à presidência da legenda / Pilar Olivares/Reuters

PT: maior corrente do partido decide hoje quem será seu candidato à presidência da legenda / Pilar Olivares/Reuters

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 4 de fevereiro de 2017 às 06h26.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h03.

O PT, como mostrou a abertura das atividades do Congresso nesta semana, é uma nau sem rumo. Desde dezembro, debates intensos na bancada petista tentavam definir qual seria a posição no assunto central deste início de ano: as eleições para presidente, vices e toda a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Os quase dois meses de debate não foram suficientes para remendar o racha no partido.

Entre os deputados federais, a liderança do partido tentou unir a base por um cargo na Mesa Diretora, aumentando assim a influência nas decisões da Casa. Seria uma forma de não repetir o erro de 2015. Naquela época, a recém-reeleita presidente Dilma Rousseff formou uma chapa encabeçada por Arlindo Chinaglia (PT-SP) para comandar a Câmara contra o favorito do PMDB, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que misturava a maior bancada da Casa com um “baixo clero” sedento por mais influência política. O resultado foi acachapante, com vitória de Cunha por 267 votos a 136 no primeiro turno. Foi o começo do fim do governo.

Agora, o caminho para reerguer o partido passa pelo Congresso. Acontece que isso exige colocar o coração no freezer. Para ocupar um lugar na Mesa era preciso apoiar a um candidato simpático ao governo “golpista”. Figura máxima do partido, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou impor a via pragmática, apoiando Rodrigo Maia (DEM-RJ) ou com Jovair Arantes (PTB-GO).

Ao perceber tal movimento, a militância se revoltou. Espalharam-se atos nos diretórios do partido país afora com o lema “Petista não vota em golpista”. O grupo adquiriu mais voz política por um movimento que encampa as ideias de que o PT precisa se reconectar com as ruas e rever sua atitude política, o “Muda PT”. O mote do grupo é “reconhecer os erros”, como não terem promovido reformas na esfera política e tributária enquanto estavam no poder e terem se submetido às “práticas contestáveis” do financiamento privado de campanha. Estão inseridos os velhos grupos de apoio ao partido, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e União Nacional dos Estudantes (UNE), por exemplo.

Entre os deputados e senadores, o Muda PT soma 33 parlamentares. “O movimento faz um balanço do que foi conquistamos e reconhecendo onde erramos. Essa autocrítica, para muitos de nós, são condições de permanência no partido. Não queremos sair, mas precisamos de mudanças”, afirma o deputado federal Paulo Teixeira. Outros nomes do grupo são Erica Kokay (DF), Luizianne Lins (CE), Margarida Salomão (MG), Maria do Rosário (RS) e Afonso Florence (BA), antigo líder do partido na Câmara.

No fim das contas, o PT preferiu recuar e apoiar formalmente o único candidato de oposição ao governo Temer, André Figueiredo (PDT-CE). Na eleição desta quinta-feira 2, Figueiredo teve 59 votos. O bloco de apoio PT, PDT e PCdoB tem 90 deputados. Isso significa que 35% do bloco traiu a determinação.

No Senado não foi diferente. Tornou-se público um embate entre quatro senadores em uma das reuniões que pretendia firmar apoio ao favorito Eunício Oliveira (PMDB-CE), nome indicado pelo grupo que articulou o impeachment de Dilma no Senado. Humberto Costa (PT-PE) e Jorge Viana (PT-AC) acusaram Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Lindbergh Farias (PT-RJ) de “agir como adversários” ao recusarem a aliança – os dois, ao lado de Fátima Bezerra (PT-RN) compõem os três senadores do grupo Muda PT. A junção de PT e Eunício tem origem no impeachment. Na época, foi acordado que a preservação dos direitos políticos de Dilma e um lugar na Mesa seria condição para apoio do partido nas eleições do Legislativo. Temos participação garantida na mesa pelo tamanho da bancada”, negou Humberto Costa, nesta quarta-feira. No fim, senadores petistas foram liberados para votar. O placar foi 7 a 3 para Eunício e um cargo de 1º Secretário da Mesa para José Pimentel (PT-CE).

“Não é um apoio a oponente que destruiria o que resta de militância ao partido. É preciso garantir relevância e, para isso, é natural alguma hipocrisia política aqui é acolá”, afirma Lucas de Aragão, diretor da consultoria política Arko Advice e colunista de EXAME Hoje.

Neste contexto, ninguém estranhou a aproximação de Michel Temer e Lula. Ao visitá-lo no hospital na noite de quinta-feira, o peemedebista quis ouvir as recomendações do antecessor sobre a agenda de reformas. Ouviu em clima amistoso que deveria aliviar as medidas da reforma da Previdência e estimular a geração de empregos. A postura republicana de ambos é bem diferente do confronto “golpistas versus coxinhas”.

Hora de renovar

Para onde vai o PT, afinal? Muitas das questões serão respondidas no Congresso Nacional do PT, marcado para começar dia 1º de junho.

Para cientistas políticos consultados por EXAME Hoje, é chegada a hora de fechar para balanço. É certo que haverá menor divisão entre a visão pragmática e a da militância nos próximos meses, pois há uma agenda mais clara de ambos os lados quanto às reformas do ajuste fiscal. Mas o partido, que sofre com uma crise de imagem, deve também pensar no futuro. É aí que o impasse recomeça.

A corrente majoritária do partido e mesmo os deputados e senadores do movimento Muda PT insistem em manter como líder absoluto do partido o ex-presidente Lula, a quem pretendem lançar a um terceiro mandato no Planalto em 2018. “O maior líder dos últimos anos, nacional e internacionalmente, é exatamente Luiz Inácio Lula da Silva. O partido lança candidato aquele que tem o maior acúmulo, o melhor conhecimento da realidade do seu povo”, afirma o senador José Pimentel.

Na teoria, Lula tem poucas chances numa eleição majoritária. Na última pesquisa Datafolha, em dezembro, sua rejeição chegava a 44%. Na ciência política, um quadro maior que 40% só ganha eleição por milagre. Tanto que ele lidera os cenários de eleição propostos pelo instituto para o primeiro turno, mas perde fôlego no segundo. A campeã hoje seria a ex-senadora Marina Silva (Rede).

Nos últimos tempos, porém, a maré está mais favorável. De março a dezembro do ano passado, também pelo Datafolha, a intenção de voto em Lula cresceu de 17% para 25% e a rejeição está em queda – era de 57%. O surgimento de quadros do governo Temer na Operação Lava-Jato, a rejeição crescente ao atual presidente e a narrativa de perseguição de Lula pelo Judiciário o ajudam. Mas um novo ponto de interrogação surgiu sobre a carreira política do petista nesta semana, com a morte de sua esposa Marisa Letícia. Uma campanha exige o ânimo e a dedicação que o luto pode enfraquecer.

Ao PT restam três opções. A primeira é bater na tecla Lula, impondo a reestruturação de cima para baixo. É algo que vem sendo feito, sem muita previsão de sucesso. A segunda é buscar uma nova liderança. Com a predominância de Lula ao longo dos anos e seus parceiros fortes, como o ex-ministros José Dirceu e Antonio Palocci enquadrados e presos na Lava-Jato, faltam nomes para preencher essa lacuna. A terceira e, talvez, mais adequada é um “mix”, que reconhece que precisa depender menos do ex-presidente, e mirar na retomada lenta.

“O conflito mostra que o partido tem muita dificuldade de se reinventar. Além dos esquemas de corrupção que corroem a imagem, a situação econômica e o crescimento da classe média fazem com que as bandeiras históricas percam força”, afirma Wagner Parente, diretor da consultoria política Barral M Jorge. “Tem que rever essa base e montar uma estratégia de um longo prazo. Planejar para 2022 ou 2026, pois 2018 não é mais viável”.

Por essa linha de pensamento, o partido criaria uma renovação de baixo para cima, investindo em atualizar agendas e ganhando espaços de vereadores, prefeitos e deputados. Deixariam de lado, portanto, as disputas majoritárias por ora. “Não pode achar que é o partido de cinco, dez anos atrás. Os números das últimas eleições mostram que é um partido menor”, afirma Lucas de Aragão, da Arko Advice. “O PT precisa de participação no Congresso e uma narrativa para a militância, mas também de uma liderança e uma agenda. Hoje não tem nenhum dos dois. Lula com toda a sua oratória e carisma passou por muitos percalços para ser o cara que unifica o partido ao redor dele”.

Uma saída para conduzir uma retomada, em especial se Lula estiver inviabilizado por motivos jurídicos ou pessoais, é deixar o orgulho de lado e formatar a Frente Ampla de Esquerda. Para alguns cientistas políticos e caciques das legendas, como Tarso Genro do PT e Ciro Gomes do PDT, juntar os partidos de esquerda em um grande bloco pode ser uma saída para fortalecer o projeto eleitoral de 2018. Os problemas são dois: escolher o candidato e o programa.

“Pela agenda de reformas, acredito que haverá uma convergência natural entre os partidos de esquerda como oposição ao governo e fazer frente no Parlamento. Na eleição, é praticamente impossível alinhar os programas de PT, PDT, PSOL e Rede, por exemplo”, afirma Ivan Valente, ex-líder do PSOL na Câmara.

Não que a solução seja encontrar o “novo Lula”, mas é necessário um nome que passe pela unificação das correntes dos partidos. O agravante está na raiz do PT, formado há quase 40 anos por três correntes de pensamento que misturam valores tradicionais do socialismo com medidas liberais e a Igreja Católica. Durante a era Lula houve uma improvável consolidação. É possível acontecer de novo?

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